José Oyadomari

Reflexões sobre “em tempos de....”
[]

Hoje meu artigo não é sobre as técnicas de contabilidade gerencial ou de finanças. É fruto de minhas observações e experiências sobre atitudes sobre o conhecimento e por isso como sempre leia de forma crítica essas minhas reflexões. 

Vivemos em um tempo que o conhecimento adquirido formalmente está sendo desprestigiado, em que ouvimos que é necessário somente contratar alguém pelo caráter. Sugiro uma reflexão sobre isso. Imagine que uma pessoa foi contratada somente pelas habilidades comportamentais, mas aí ela tem que fazer um valuation ou analisar uma DRE, ou então desenvolver uma campanha de marketing. Acredito que o aprendizado pode ser adquirido na prática, mas na velocidade em que a empresa precisa, você acha mesmo que o conhecimento prévio dos fundamentos não será necessário? Mesmo que não saiba as respostas, se o profissional não conseguir identificar o problema e nem saber fazer a pergunta, não tem habilidade comportamental que o ajude nessa situação, e nem mesmo os softwares de inteligência artificial vão resolver. Ademais, no ambiente competitivo das empresas, se você for sempre o último a chegar com uma solução, provavelmente será o primeiro a ser considerado em uma redução de pessoal. 

A seguir faço algumas outras reflexões.

Em tempos de superficialidade, da argumentação rasa e fácil, da busca por soluções fáceis para problemas complexos resista a ser um praticante desse tipo de argumento. Em vez disso, argumente com dados, esteja aberto ao contraditório, questione com cuidado e de forma educada a fala do outro, pense um pouco antes de emitir a sua opinião. Questione a sua primeira ideia e opinião, questione se seus vieses e crenças podem estar prejudicando você a ter um entendimento completo da realidade. Faça diagnósticos adequados dos fenômenos, use as teorias prévias e o seu conhecimento fruto de suas experiências, mas também seja criativo para usar o método abdutivo para inferir prováveis causas razoavelmente justificáveis. Esteja aberto para as novas informações a partir da interação com seus pares e com as pessoas com quem interage no seu cotidiano. Esteja continuamente aprendendo, por meio de cursos e diferentes formas de absorção de conhecimento, como livros, artigos, seminários, podcasts e vídeos. Só tome o cuidado de não querer ser um expert  em um assunto apenas lendo 5% da literatura que um expert leu.

Em tempos de trabalho home office, se possível escolha a flexibilidade do modelo híbrido. Questione se o virtual não está te isolando dos colegas e das coisas cotidianas que muitas vezes funcionam como boas distrações e bons higienizadores mentais. Trabalhar 100% de forma remota requer exercícios que possam fazer esse espairecimento, uma vez que tudo se mistura, tanto a sua casa quanto o seu trabalho, e consequentemente os seus horários, se você está nessa situação tente separar esses espaços. Se o seu trabalho requer colaboração, as pesquisas mostram que ambientes físicos favorecem mais a colaboração e a troca de conhecimento.

Veja se tem conseguido interagir com seus colegas, conhecê-los melhor, se tem sido possível identificar pontos de convergência e de afinidade, se a colaboração e a cooperação têm sido mútuas. 

Em tempos de protagonismo, em que um certo excesso dele pode levar à arrogância, prefira a solução construída de forma colaborativa, procure ter a humildade de ouvir atentamente e aprender com os outros e de assumir quando não sabe. Em vez de usar as expressões “eu sei”, “é óbvio”, “claro”, use as expressões “por favor me conte mais”, “vou pesquisar”. Procure não subestimar a opinião daqueles que são mais jovens ou são mais experientes, pois certamente não é esse aspecto que qualifica ou desqualifica uma opinião, mas sim a qualidade dos dados que a embasaram. Agora se o seu interlocutor for muito resistente a ouvir outras opiniões, é preciso avaliar se vale a pena gastar sua energia interagindo com ele, em alguns casos é melhor trocar de emprego mesmo, ou aceitar essa realidade, se não houver alternativa. 

Em tempos de autossuficiência, procure refletir se algum colega não pode funcionar como aquela pessoa com quem você troca ideias sobre seu desempenho no trabalho e sua carreira. Ele pode até não lhe dar os caminhos das pedras, mas pode te ajudar a você mesmo ter uma opinião sobre isso. Se possível tenha uma rede de apoio para te se suportar quando você precisar e não somente quando achar que precisa.

Em tempos de “o problema é com os outros”, reflita sobre a importância de assumir as suas responsabilidades nos processos que lhe afetam ou com os quais você se sensibiliza. Considere que o ambiente em que você vive é fruto de diferentes e múltiplas interações, e que uma pequena iniciativa sua pode impulsionar algum movimento e já modificar, ainda que parcialmente, a realidade. Mudar a realidade numa pequena coisa já é bastante coisa.

Em tempos de recomendações e reflexões dos outros como esse artigo, seja reflexivo e crítico, sem ser cricrítico. Tenha suas próprias ideias, mas não esteja preso somente a elas. Considere que elas já podem estar obsoletas.

José Carlos Oyadomari  é doutor em controladoria e professor pelo Insper e Mackenzie. Diretor de Parcerias da TRAAD Wealth Management. Membro do Comitê Consultivo da HVAR Consulting. https://www.linkedin.com/in/jcoyadomari/ 
 


Comentários

Veja Também

Fique Informado!!

Deixe seu email para receber as últimas notícia do dia!