Com esta frase, Ulysses Guimarães sublinha o prologo com que apresenta à Nação o trabalho dos constituintes. Não poderia destacar melhor o objetivo e o âmago da nova carta constitucional.
O homem brasileiro, o cidadão, é o sustentáculo político e moral que sustenta os princípios fundamentais e os direitos e garantais individuais e coletivas. Depois dessas bases, tudo na Constituição de 88 pode ser alterado, sempre com a finalidade de ajustar o texto às exigências das conjunturas econômicas, mas nunca para desfigurar as normas que protegem os cidadãos das tiranias, contidas nos Títulos I e II da Carta Magna. É admissível até extirpar do texto constitucional normas e regras que não carecem figurar no cume mais alto do ordenamento jurídico do país.
Em seu discurso inaugural Ulysses proferiu a primeira advertência, quando assinalou: “A Constituição não é perfeita. Ela própria a confessa, ao admitir a reforma”. Certamente se referia a tantos outros Títulos e Capítulos, aqueles que versavam sobre o sistema tributário nacional, as finanças públicas, a ordem econômica e financeira e outros.
O que não passou pela cabeça do velho timoneiro da Oposição ao regime militar de 64, é que os protetores da Constituição, exorbitasse os seus poderes. Daí que profligou com veemência: “quanto a ela, discordar sim, divergir sim, descumpri jamais, afrontá-la nunca.”
O que se passa aos olhos de todos nós é o atropelo e o descumprimento dos direitos e garantias dos cidadãos pela mais alta corte do país. Seria perdulário comentar as ilegalidades gritantes, cometidas contra o devido processo legal, as exageradas penas exaradas, as razias policiais contra deputados federais e militares, os exílios políticos que se multiplicam, a desmonetização de portais nas redes sociais, as investidas contra a livre expressão, o ativismo judicial invadindo as funções privativas do
Poder Legislativo e finalmente o inquérito do fim do mundo, que vê atos antidemocráticos onde não existem sequer preparativos para golpear as instituições nacionais.
Sem o amparo das garantias constitucionais, o jogo político não se exerce num clima de liberdade e diálogo, como é de se esperar onde imperam a lei e a ordem. Contrariamente, o país ingressa cada vez mais num regime de pensamento único, no qual as correntes de oposição ao poder dominante são demonizadas e impedidas de livremente participar.
Desmorona-se o corolário fundamental da Constituição, quando políticos, jornalistas, publicações são perseguidas e impedidas de participar do jogo político. É o homem brasileiro que se vê destituído de direitos e forçado a renunciar à sua cidadania, premido pelo medo e a descrença nas instituições.
Não se vislumbra no quadro político uma saída politicamente construída, senão o aguçamento da confrontação, na qual as forças dominantes acentuam seu caráter repressivo e as correntes de oposição apelam à mobilização de massas. Nesse panorama conflitivo é difícil avaliar o deslinde, se estamos próximos à uma retomada da legalidade constitucional ou nos espera uma conjuntura imprevisível.
Ainda que muitos brasileiros não confiem na força histórica e moral da Constituição é para ela que devemos nos voltar e repetir com Ulysses Guimarães: ”promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da Democracia. Bradamos por imposição de sua honra. Temos ódio à Ditadura, ódio e nojo”.