Após acusação de assédio, Grupo Globo demite Daniela Falcão, toda-poderosa da Vogue

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[Após acusação de assédio, Grupo Globo demite Daniela Falcão, toda-poderosa da Vogue]

FOTO: Arquivo

A jornalista Daniela Falcão (que começou a carreira no Jornal Tribuna da Bahia como repórter) não faz mais parte da Edições Globo Condé Nast. O comunicado foi divulgado ontem (16/10) e o texto afirma que a decisão foi em comum acordo entre Editora Globo, Condé Nast e Daniela “para a realização de um desejo antigo de se dedicar a consultoria e a projetos pessoais”. Daniela já foi editora-chefe da Vogue Brasil e, até então, assumia o cargo de diretora-geral da joint venture entre o Grupo Globo e a editora internacional Condé Nast. Em setembro deste ano, em matéria do BuzzFeed, vários ex-funcionários de Falcão relataram uma rotina de assédio e humilhações que sofriam na redação da revista perpetradas, segundo eles, por Daniela. “Toda hora alguém voltava do banheiro com cara de choro”, diz um dos relatos.  A jornalista Mônica Salgado, que foi uma das criadoras da revista “Glamour”, trabalhou próxima de Daniela até o ano de 2017. Ela se recorda de vários momentos delicados, mesmo quando estava em cargos da chefia. “Infelizmente, não foi uma nem duas vezes que, em reunião de diretoria, Daniela, já como diretora editorial ou geral da Edições Globo Condé Nast, usou palavras fortes para desmerecer o trabalho (ou a capacidade intelectual) dos diretores, interromper suas explanações, diminuir seus feitos. Eram momentos constrangedores e desconfortáveis para todos”, revelou ela.

“Daniela era figura fortíssima, inteligentíssima, manipuladoríssima. Cheia de superlativos positivos e negativos. A energia dela é tão poderosa e intensa que impregna (às vezes intoxica) pessoas e ambientes. É difícil se imunizar… Até hoje, quando encontro ex-colegas de trabalho, o assunto é invariavelmente… ela. Imagina quando trabalhávamos juntas: ela era o tema dos almoços, dos happy hours, das caronas, das respectivas terapias e até de brigas de casais”, lembrou a jornalista. Segundo Mônica, nem mesmo o RH da empresa tratava de resolver as questões. “Nem o departamento de RH (que nas vezes em que acionei, não me pareceu ter uma atuação isenta), nem o compliance do grupo, nem os superiores hierárquicos deram mostras de que condenavam os atos. A sensação geral entre a equipe era de que não valia a pena reclamar formalmente, porque os antecedentes provavam que nada mudaria. E o medo de retaliação era real”, admitiu ela.  De acordo com os relatos, não raros eram comentários ácidos de Daniela Falcão sobre a aparência e vestimenta das subordinadas. Apenas para citar alguns deles: “Que roupa é essa?!”“Não dá para você usar gola alta, minha filha, olha o tamanho do seu peito!”, e “Vai passar uma maquiagem, aonde você pensa que vai com essa cara?”.

Uma ex-funcionária mencionou que, para não serem “humilhados”, todos deveriam concordar com a chefe. “Isso era institucionalizado: ou você aceita uma posição de sempre ela está certa, ou vai ser humilhado. Existem as humilhações simples, como quando ela vira e deixa você falando sozinho, e as mais diretas, como gritos em reuniões com clientes ou com o resto da equipe”, disse ela, que acrescentou: “Você entrava numa reunião sabia que alguém ia ouvir grito. Se era outra pessoa, era um alívio e dava graças a Deus que não foi com você”.   

Outro relato chocante foi quando Daniela teria gritado com uma repórter, chamando-a de “fedelha”. A diretora avisou que a matéria da jornalista não seria publicada, deu outros trabalhos a ela, mas, por fim, voltou atrás. A colaboradora só soube disso quando era 20h, e descobriu que Falcão teria pedido que a reportagem fosse publicada naquela edição da revista. “Fiz todo o resto. Impossível fazer a reportagem para esta edição”, respondeu a funcionária à chefe.

Foi então que Daniela enviou cinco emails seguidos em resposta, com intervalo de segundos, e saiu aos gritos de sua sala em direção à repórter. “Ela berrava. Berrava mesmo. As equipes da Casa Vogue e da GQ, que ficavam a bons 15 metros, ouviram e ficaram olhando. Ela falava: ‘Sua fedelha! Quem você pensa que é para fazer isso comigo? Como você ousa dizer que não vai entregar essa matéria?!’. Daí ela se debruçou na minha mesa e disse: ‘Olha no meu olho! Diz que você não vai entregar!’”, lembrou a jornalista, que tremia ao encarar a diretora enfurecida. 

Apesar do receio, a repórter tomou coragem e disse: “Eu não vou conseguir entregar… Eu não vou passar a noite nessa redação, eu não vou fazer”. Enquanto a cena se desenrolava, uma editora até mesmo saiu para chorar no banheiro. Passada a cena assustadora, a jornalista questionou o RH da empresa sobre o desrespeito, a carga de trabalho excessiva, além de ter entregue dezenas de emails que estavam em uma pasta denominada “Assédio Moral”. “Está tudo errado nessa redação, e vocês não fazem nada”, criticou ela, na época.

O RH, por sua vez, pediu apenas que ela fizesse um teste psicotécnico. “Sabe aquele teste dos tracinhos que a gente faz na auto-escola? Eu fui obrigada a fazer esse teste, além de responder perguntas”, lembrou ela. O episódio fez com que Daniela se recusasse a interagir com a repórter. “Por exemplo, se eu estava na sala dela e ela falava para uma pessoa na frente dela: ‘Fala para essa menina isso, isso e aquilo.’ Ela não se dirigia a mim”, contou a profissional, que pediu demissão meses depois. 

Marina Beltrame é um dos exemplos que mostra como o ambiente de trabalho afetou o estado emocional das pessoas. “O telefone tocava e eu tinha palpitação”, disse ela, que foi produtora-executiva da “Vogue” por seis anos. Isso se refletiu na época em que Marina enfrentou um câncer, mas tinha receio de sofrer alguma represália pelas sessões de seu tratamento.

“Eu ia fazer procedimento na hora do almoço, escondida, não contava para ninguém. Não contava porque precisava ser produtiva, uma máquina de trabalho. Eu não tinha nem noção de que podia ir fazer um procedimento e ir para a minha casa”, lembrou ela, que definiu o trabalho como “baseado em infinitas horas, humilhação e gritos, mas com um tule protetor por cima”

Ouvi um milhão de gritos”, citou. Entretanto, para além dos gritos, Daniela Falcão teria sido abusiva de outras formas. “Uma vez entrei na sala dela e lembro que ela falou: ‘Você está doente?’. Eu disse que não. Ela disse: ‘Você está com cara de doente. Então vai passar um rímel que não dá pra olhar para sua cara desse jeito’. Na hora é tão maluco que você ri, mas olhando para trás você percebe o que é de verdade. É um terror psicológico muito absurdo”, acrescentou Beltrame.

A postura também é vista no relato de Tamara Foresti, que foi redatora-chefe da “Glamour” em 2013, mas se demitiu apenas dois meses após conseguir seu “emprego dos sonhos”. “Era gente chorando no banheiro a todo momento. Eu fiquei só dois meses, mas entrei na síndrome de Estocolmo. Achei que não tinha nenhum valor, passei a pensar: ‘Ainda bem que me contrataram, porque eu não tenho nenhum valor’. Eu não tinha confiança para fazer mais meu trabalho”, disse ela, afirmando que a situação “ficou na mesma, não aconteceu nada”, após reportar o caso aos executivos da empresa. 

O cabeleireiro e maquiador Dindi Hojah, que já trabalhou com artistas como Kanye West, relatou que receberia um cachê de apenas R$ 150 – menos do que paga a seus assistentes – caso não tivesse batido o pé após ser convidado para fazer a beleza da capa de uma revista, que acabou se tornando algo que eles não tinham combinado. “Quando eu descobri, a contracapa era um anúncio. E era assim: outro look, outra cena, outra luz, outro tudo… E o pior: eu tive que fazer um vídeo de tutorial, mostrando como fazer o cabelo da capa, para ser usado nas redes [sociais] da marca. Ninguém nunca tinha me falado de nada disso”, disse ele.

Após mais de 12 horas, o ensaio acabou de madrugada. “Entrei em contato com eles, cobrei e consegui receber R$ 1.000, o que na real não é nada para um anúncio na contracapa de uma revista de publicação nacional”, lembrou Hojah. “A gente topa pois a gente sabe a importância de participar desse game. De como uma capa de Vogue pode mudar sua carreira. A gente topa pois é vítima de uma hierarquia de poder, a que somos submetidos o tempo todo. Parece hipocrisia falar tudo isso uma vez que fui lá. Mas a gente vai de trouxa. Não se trata talvez de fazer o abusador entender, mas sim de ajudar as vítimas a reencontrar seu valor”, avaliou ele. 

Alguns funcionários recordaram de jornadas de trabalho que atingiam 24 horas consecutivas, numa época em que precisavam finalizar revistas que chegavam a ter até 400 páginas. Em meio a isso, as exigências de Daniela Falcão também causavam desconfortos. “Tem de aprovar todas as páginas com ela. Imagina 300 páginas e ela não aprovava, eu cheguei a ter de fazer 11, 12 versões da mesma página. E não é que mudava uma coisa, mudava tudo”, contou uma designer.

“Teve uma vez que ela estava de férias, num barco, e a gente tinha que esperar até de madrugada para ela ver página por página, e fazer mudanças”, relatou a profissional. Após algum tempo, ela desistiu desse trabalho exaustivo, que estava a deixando debilitada. “Eu já não conseguia mais, estava magra, não dormia, tinha uma insônia seríssima, e aí começaram os ataques de pânico”, afirmou a designer.

No entanto, funcionários que ainda trabalham na empresa relatam que o volume do trabalho mudou de lá pra cá. “Hoje em dia, é raro passar das dez da noite. Nunca mais virei uma noite lá”, disse uma colaboradora da Vogue. Isso também tem relação com a diminuição do número de páginas da revista, que atualmente gira em torno de 170.


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