Comitê frustra Trump, e Nobel da Paz premia María Corina Machado
A láurea foi concedida pelo seu "trabalho incansável promovendo os direitos democráticos para o povo da Venezuela

Foto: Jesus Vargas/Getty Images
O comitê norueguês do Nobel anunciou nesta sexta-feira (10) que a líder opositora da ditadura de Nicolás Maduro, María Corina Machado, 58, venceu o Nobel da Paz de 2025 por sua atuação pela democracia na Venezuela.
A láurea foi concedida pelo seu "trabalho incansável promovendo os direitos democráticos para o povo da Venezuela e pelo seu esforço em alcançar uma justa e pacífica transição da ditadura para a democracia", de acordo com o anúncio.
"Estou em choque!", disse Machado ao candidato da oposição venezuelana à Presidência em 2024, Edmundo González Urrutia, em um vídeo compartilhado com a agência de notícias AFP. "Estamos em choque de alegria", responde o diplomata, que se exilou há quase um ano após substituir Machado, proibida de concorrer pelo regime. "O que é isso? Não acredito", insiste a líder, que está escondida na Venezuela.
Com o prêmio, Machado se tornou a 20ª mulher a ganhar o Nobel, concedido desde 1901 o que significa que, agora, 83% das premiações foram masculinas. A última mulher a ganhar a homenagem havia sido a ativista iraniana Narges Mohammadi, em 2023.
O comitê caracterizou Machado como "um dos exemplos mais extraordinários de coragem civil na América Latina nos tempos recentes" e uma "figura-chave e unificadora em uma oposição política que antes era profundamente dividida".
"É precisamente isso que está no cerne da democracia: nossa disposição compartilhada de defender os princípios do governo popular, mesmo discordando. Em um momento em que a democracia está ameaçada, é mais importante do que nunca defender esse ponto em comum", diz o anúncio.
O porta-voz da organização ainda citou os esforços "inovadores e corajosos, pacíficos e democráticos" da oposição nas eleições de 2024 na Venezuela, quando a oposição reuniu as atas de votação ao longo do dia em uma tentativa de contestar possíveis fraudes do regime.
Embora os documentos, atestados por diferentes órgãos independentes, tenham dado vitória ao candidato da oposição, Edmundo González, Maduro declarou sua terceira reeleição horas após o fechamento das urnas, sem apresentar as provas exigidas pela lei venezuelana.
O episódio foi apenas uma das anormalidades do pleito. Cerca de um ano antes, Machado havia sido declarada inelegível ao lado de outros opositores pela Controladoria-Geral do país que, assim como a maioria dos órgãos públicos da Venezuela, está aparelhada.
Na ocasião, o regime atribuiu a decisão a irregularidades administrativas da época em que ela foi deputada, de 2011 a 2014. A medida, imposta em 2015, tinha vigência de apenas um ano, mas foi estendida porque ela apoiou sanções dos EUA contra Maduro, segundo o órgão.
"A oposição recebeu apoio internacional quando seus líderes divulgaram as contagens de votos coletadas nos distritos eleitorais do país, mostrando que a oposição havia vencido por uma margem clara. Mas o regime se recusou a aceitar o resultado das eleições e se agarrou ao poder", disse o comitê nesta sexta.
O prêmio pareceu também ser uma forma de jogar luz ao avanço do autoritarismo em diferentes partes do mundo nos últimos anos.
"Vivemos em um mundo onde a democracia está em retrocesso, onde cada vez mais regimes autoritários desafiam as normas e recorrem à violência", afirmou o comitê. "Observamos as mesmas tendências globalmente: Estado de direito violado por aqueles que o controlam, imprensa livre silenciada, críticos presos e sociedades empurradas para o regime autoritário e a militarização. Em 2024, mais eleições foram realizadas do que nunca, mas cada vez menos eleições são livres e justas".
Questionado sobre o significado do prêmio em meio a esse retrocesso, o porta-voz do comitê afirmou que "viver em um mundo em que há menos democracia e mais regimes autoritários significa que o mundo também está ficando menos seguro". "Nós acreditamos que a democracia é uma precondição para a paz. Então, sim, isto é uma mensagem para o mundo", completou.
A decisão do comitê frustrou o presidente americano, Donald Trump, para quem a premiação havia se tornado uma meta pessoal e presença constante em seus discursos, nos quais fez campanha aberta para ser premiado.
Trump dizia merecer a premiação com o argumento de ter encerrado "seis ou sete" guerras pelo mundo desde que voltou à Casa Branca – embora o republicano tenha participado de negociações em uma série de conflitos, nem todos que ele listava terminaram ou tiveram sua atuação como determinante para tal.
Questionado sobre os esforços do republicano, o porta-voz do comitê disse que, ao longo da história, houve "todo tipo de campanha". "Este comitê se senta em uma sala repleta de retratos de todos os laureados, e essa sala é cheia de coragem e integridade. Nossa decisão é baseada apenas no trabalho e no desejo de Alfred Nobel", afirmou.
A campanha pró-Nobel de Trump foi engrossada na quarta-feira (8) com o anúncio, feito pelo americano em suas redes sociais, de que Israel e Hamas concordaram com a primeira fase de um plano de paz para Gaza, com libertação de reféns pelo grupo terrorista e retirada militar de Tel Aviv. Nesta quinta (9), o governo israelense aprovou acordo para encerrar o conflito.
Ao todo, 338 candidatos haviam sido indicados à láurea neste ano, dentre os quais 244 eram indivíduos, e 94, organizações. O número é menor do que o do ano passado, quando houve 286 indicações, e do que o de 2016, quando houve um recorde de 376 nomes.
Mais curiosidades sobre a lista de indicados, no entanto, só poderão ser sanadas daqui a 50 anos. Os candidatos e aqueles que os indicaram que envolvem, entre outros, líderes de países e quem eventualmente já foi laureado ficam em sigilo por cinco décadas.
O Nobel foi concedido pela primeira vez em 1901. Inicialmente, eram cinco categorias: paz, literatura, química, física e medicina. Uma sexta economia foi adicionada décadas mais tarde, em 1969.
Até a metade do século 20, os laureados na principal categoria eram "políticos ativos que procuravam promover a paz internacional, a estabilidade e a justiça por meio da diplomacia e de acordos internacionais".
Desde o fim da Segunda Guerra, porém, o prêmio passou a reconhecer esforços nas áreas de desarmamento, democracia e direitos humanos. Na virada para o século 21, o foco foi ampliado para incluir iniciativas que tentem conter a crise climática causada pelo homem.
Há alguns anos, o Nobel da Paz vem recebendo críticas devido às suas escolhas. Em 2017, a ativista pró-democracia Aung San Suu Kyi, laureada em 1991, foi criticada por seu silêncio em relação à crise humanitária envolvendo os muçulmanos da etnia rohingya em Mianmar, que viraram alvos do Exército do país e foram obrigados a fugir cerca de 1 milhão deles vive em Cox's Bazar, em Bangladesh, o maior campo de refugiados do mundo.
Em 2019, o laureado foi o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, contemplado por ter encerrado a guerra com a Eritreia um ano depois, porém, ele liderou outro confronto no norte do país. Recentemente, o bispo Carlos Filipe Ximenes Belo, ganhador do prêmio em 1996, foi acusado de abusar sexualmente de adolescentes.
Relembre os dez vencedores anteriores do Nobel da Paz
• 2024: A organização japonesa Nihon Hidankyo, que atua pela abolição das armas nucleares e reúne sobreviventes das bombas de Hiroshima e de Nagasaki
• 2023: A ativista dos direitos humanos iraniana Narges Mohammadi, 51, por apoiar a luta das mulheres pelo direito de elas terem vidas plenas e dignas
• 2022: O ativista da Belarus Ales Bialiatski, o Memorial, grupo de direitos humanos da Rússia, e o Centro para Liberdades Civis da Ucrânia, por demonstrarem a importância da sociedade civil para a paz e a democracia
• 2021: Os jornalistas Maria Ressa (filipina) e Dmitri Muratov (russo), pela defesa que fazem da liberdade de expressão, pré-requisito para a democracia e a paz duradoura
• 2020: Programa Mundial de Alimentos (PMA), por atuar como uma força motriz nos esforços para prevenir o uso da fome como arma de guerra e conflito
• 2019: O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, que assinou acordo de paz que pôs fim a duas décadas de hostilidades com a Eritreia
• 2018: O congolês Denis Mukwege e a iraquiana Nadia Murad, que denunciaram a violência em relação a vítimas de violência sexual como arma de guerra
• 2017: Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares (Ican), por chamar a atenção para o risco de armas nucleares
• 2016: Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia que negociou o acordo de paz com as Farc
• 2015: Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia, pela contribuição decisiva na construção de uma sociedade plural no país