Congresso cobra corte de gastos, mas trava projetos de supersalários e previdência militar
Casa Legislativa também desidratou parte das medidas de contenção de gastos enviadas em dezembro

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), criticaram o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e cobraram do governo Lula (PT) que apresente, no lugar, medidas para corte de gastos, mas mantêm paradas há meses propostas do governo com esse objetivo, enquanto aprovam aumento de gastos no Legislativo. O projeto de lei que impõe uma idade mínima de 55 anos para os militares irem para a reserva (espécie de aposentadoria da carreira) é um deles.
O texto foi enviado em 17 de dezembro à Câmara, como parte das medidas do pacote que buscava enquadrar despesas dentro do arcabouço fiscal, mas até agora sequer foi despachado pela presidência da Câmara para comissões ou plenário.
A proposta chegou ao Legislativo dias antes do recesso parlamentar. Com isso, a decisão sobre o rito de tramitação ficou para o presidente da Câmara que seria eleito em fevereiro. Motta, no entanto, está há quase quatro meses no cargo e ainda não criou uma comissão especial para debatê-la.
O texto também acaba com a morte ficta (quando a família de um militar expulso das Forças Armadas recebe pensão como se ele tivesse morrido), aumenta o valor da contribuição ao sistema e limita o repasse das pensões, além de impor idade mínima para aposentadoria -o que já foi aprovado para os civis há seis anos.
Outro tema completamente paralisado é o corte nos supersalários do funcionalismo público, em especial de juízes e promotores do Ministério Público. A proposta foi aprovada pelo Senado em 2016 e só foi votada pela Câmara em 2021. Desde então, está parada à espera de que os senadores analisem as alterações feitas pelos deputados.
O assunto ganhou nova força em dezembro, quando o governo Lula tentou limitar as verbas indenizatórias recebidas por agentes públicos por meio de uma PEC (proposta de emenda à Constituição). Esse texto propunha que só poderiam ultrapassar o teto salarial do funcionalismo os benefícios autorizados expressamente em lei complementar de caráter nacional. Do contrário, seriam declarados ilegais.
O Congresso, contudo, alterou o projeto diante da pressão de juízes e promotores. Pela nova redação, as verbas existentes foram liberadas até a aprovação de lei ordinária sobre o tema. Esse projeto de lei está desde novembro de 2023 sob a relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO), ex-líder do governo Bolsonaro (PL), sem um parecer ou realização de audiência pública.
Além disso, o Congresso também desidratou parte das medidas de contenção de gastos enviadas em dezembro. Impediu, por exemplo, que o crescimento do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) fosse limitado à inflação, o que economizaria R$ 2,3 bilhões ao fim do atual mandato e R$ 16 bilhões até 2030.
Agora, o governador Ibaneis Rocha (MDB) pretende usar esse dinheiro para conceder aumento de até 44% para policiais e bombeiros do Distrito Federal. Eles passariam a ganhar até R$ 11,9 mil a mais por mês. O pedido para edição de uma MP (medida provisória) pressiona o presidente Lula.
Esses projetos paralisados ou desidratados pelo Congresso teriam impacto fiscal maior no longo prazo, mas nenhum deles levaria a uma economia anual próxima à arrecadação prevista com o aumento do IOF, de R$ 20,5 bilhões ao longo de 2025 e R$ 40,1 bilhões em 2026. O imposto aumentará os custos para contratação de crédito para empresas e a compra de moeda estrangeira em espécie, entre outros.
O aumento do IOF foi adotado para cobrir um rombo nas contas públicas e evitar um bloqueio maior nas despesas previstas para 2025, além dos R$ 31,3 bilhões já congelados para cumprir a meta de resultado primário deste ano. A decisão foi criticada por economistas, políticos e empresários, sob a acusação de distorcer o objetivo do imposto e aumentar a carga tributária dos contribuintes.
Na quinta-feira (29), o presidente da Câmara reverberou as críticas e deu dez dias para o governo apresentar um pacote alternativo à alta do IOF, com medidas de corte de gastos "estruturais". Do contrário, ele poderá pautar projetos de decreto legislativo que derrubem o aumento no imposto. Motta disse que essas medidas podem ser antipáticas, mas "talvez tenha chegado a hora de colocar o dedo na ferida".
Já o presidente do Senado cobrou que o governo o inclua nas discussões sobre as próximas medidas e protestou contra a decisão "unilateral" de aumentar o imposto. Para ele, isso ocorreu para, "de certo modo, usurpar as atribuições do Poder Legislativo", o que permitiria ao Congresso derrubar o decreto.
O governo não pretende brigar com ambos, embora cite iniciativas do Legislativo que ampliaram os gastos tributários, como a prorrogação do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) e a desoneração da folha de pagamento das empresas.
"Essa história de que a atuação do governo é só pelo lado da receita não se sustenta, mas essa discussão pode ser positiva e queremos usar essa iniciativa do Motta para ampliar o debate sobre as desonerações. É uma oportunidade", disse o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).
Procurados, Motta, Alcolumbre e Eduardo Gomes não responderam até a publicação desta reportagem.
Embora defendam medidas de corte de gastos do governo, deputados e senadores adotaram postura diferente quando o assunto foi seus próprios orçamentos.
A Câmara aprovou o aumento no número de deputados, que passaria de 513 para 531 a partir de 2027, ao custo de pelo menos R$ 260 milhões a cada legislatura. O projeto teve empenho pessoal de Motta, para que a Paraíba não perdesse duas vagas na redistribuição ordenada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) devido às mudanças populacionais.
Já Alcolumbre assinou ato em fevereiro para que servidores do Senado tenham um dia de folga a cada três trabalhados. A folga pode ser convertida em verbas indenizatórias e engordar os rendimentos, sem que incida imposto de renda. Ele também aumentou em até 30% a cota parlamentar -dinheiro disponível aos gabinetes dos senadores- e concedeu um pacote de benefícios para os servidores.