Governo Trump pode monitorar redes sociais de estudantes estrangeiros? Especialistas respondem
Medida foi anunciada como parte do processo de concessão de visto

Foto: Divulgação
Em mais uma investida contra imigrantes, o governo do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, anunciou que irá monitorar redes sociais de quem solicitar visto para entrar no país na condição de estudante. Conforme o comunicado, divulgado na quarta-feira (25), os estudantes deverão deixar os seus perfis abertos ao público para uma verificação "abrangente e minuciosa" de seus comportamentos.
A medida se soma a uma série de outras direcionadas a estrangeiros. Uma brasileira imigrante que vive no estado do Arizona e preferiu não se identificar, contou ao Farol da Bahia que antes mesmo da mais nova deliberação do governo Trump contra estudantes de outros países, uma série de orientações jurídicas relacionadas à vida online foram passadas a ela e outros imigrantes, como parar de seguir ou engajar perfis com publicações relacionadas à guerra entre Israel e Palestina e excluir fotos em protestos.
A brasileira teve acesso a informações que apontam a deportação de mais de mil estudantes, sob a justificativa de infrações de trânsito. “Estão todos muito nervosos com todas essas mudanças. Soube que, inicialmente, o foco seriam os estudantes asiáticos e do Oriente Médio [...] antes, no governo Biden, embora tenham havido muitas deportações, pouco se fala sobre isso e pouco chegava aos estudantes internacionais”, explicou, ressaltando que também há receio entre brasileiros que possuem green card.
Embora a decisão do governo Trump pareça algo extraordinário, a medida representa uma tendência global de uso de dados como parte da avaliação de risco em processos migratórios, segundo Lilian Carvalho, PhD em Marketing e coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital da Fundação Getúlio Vargas.
"Outros países também têm adotado medidas semelhantes. O Canadá, por exemplo, já solicita informações de redes sociais em alguns processos de visto e imigração. Na Europa, países como o Reino Unido e alguns membros da UE também analisam perfis online, especialmente em casos suspeitos ou para fins de segurança", destacou Lilian.
Ainda segundo Lilian, há base legal para solicitar informações de redes sociais de candidatos ao visto. “Desde 2019, o formulário de solicitação de visto já incluía um campo opcional para informar perfis em redes sociais. Essa prática foi ampliada e, em determinados casos, pode se tornar obrigatória ou sujeita a análise mais aprofundada pelas autoridades migratórias”, explicou.
A nova medida, portanto, pode significar uma barreira adicional aos estudantes internacionais que desejem ingressar nos Estados Unidos. De acordo com Carvalho, apesar de a análise das redes não ser um critério absoluto para a negativa do visto, pode aumentar a subjetividade do processo e gerar insegurança para os candidatos.
“O difícil é entender o que seria uma conduta “adequada” nas redes sociais: por exemplo, críticas aos políticos americanos são condutas adequadas? Ou aos conflitos militares nos quais os EUA estão envolvidos?”, questiona Lilian.
Direito à privacidade
A nova decisão do governo dos Estados Unidos levanta ainda desconfiança em relação à privacidade dos indivíduos online. A especialista em proteção de dados e professora do curso de Direito da Uninassau, Lorena Esquivel de Brito, explica que, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a LGPD, o tratamento de dados pessoais deve estar compatível com uma das hipóteses previstas na referida lei. Segundo ela, a hipótese mais utilizada é o consentimento do titular dos dados, no entanto hipótese legal, tampouco absoluta.
“O agente pode fundamentar o tratamento dos dados conforme outra hipótese legal. Como por exemplo, quando o tratamento é necessário para atender aos interesses legítimos de terceiro. E nisto se insere a justificativa do governo americano. Portanto, uma vez que os dados sejam tratados conforme a hipótese legal do legítimo interesse de quem irá conceder o visto ou para atender disposição do regulamento da embaixada americana que irá conceder o visto, não há o que se falar em violação de dados”, disse.
A especialista chamou atenção, porém, para a possibilidade dos dados serem utilizados para produzir um perfilamento - um perfil comportamental do cidadão, que pode ser, inclusive, discriminatório. Neste caso, há violação dos direitos relacionados à privacidade e à proteção de dados pessoais.