Guarda compartilhada em tempos da Covid-19
Especialista afirma que a guarda compartilhada pode ser mantida, o que fica suspensa ou alterada são as visitações

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O novo coronavírus trouxe um impasse no que diz respeito a guarda compartilhada. Com a necessidade do isolamento social, como os pais administraram este conflito neste mais de um ano de pandemia? Os pais separados precisaram se adaptar a nova realidade e usar do bom senso para gerir a questão do direito das visitas.
No Brasil ocorreram casos com diversos desfechos. Um dos exemplos noticiados foi o do pai impedido pela justiça de visitar a filha, porque ela tinha asma e fazia parte do grupo de risco. Outro pai foi autorizado a continuar vendo a criança, tendo até largado o emprego na funerária para diminuir o risco de contágio. Em outro exemplo, este que não precisou recorrer à justiça, um pai que morava em outra cidade concordou em ficar alguns meses vendo o filho apenas por meio de videochamadas, evitando que a criança viajasse de avião.
Em todos os casos, o que deve ser levado em conta pelos pais é a saúde dos filhos e seu bem-estar.
O Farol da Bahia conversou com a advogada e professora universitária, Carla Borba sobre o assunto.
Confira:
Farol da Bahia: O que é guarda compartilhada?
Carla Borba: É o instituto do direito das famílias que permite que os genitores decidam sobre a vida do filho de forma equânime. Nesse sentido, no nosso ordenamento há um incentivo da fixação de guarda compartilhada de uma criança ou adolescente, mesmo após o término da sociedade conjugal de seus pais, ou seja, quando esses não vivem juntos, para a tomada conjunta de decisões mais importantes em relação à vida dos filhos, equilibrando também a rotina de convivência.
FB: O que mudou com a pandemia da covid-19 neste assunto?
CB: Com as recomendações de isolamento social e o alastramento da Covid-19, algumas famílias que possuem filhos nesse regime de guarda compartilhada, começaram a entrar em grandes conflitos, com a suspensão temporária de visitas, sem o envio/apanhe dessas crianças e adolescentes. Algumas famílias conseguiram reavaliar as rotinas de forma consensual e extrajudicial, mas aumentou o número de ações judiciais para fixação de um formato de convivência para o período pandémico.
FB: Existem relatos de contaminação dos filhos durante a guarda compartilhada?
CB: Há inúmeros estudos que demonstram que as crianças e adolescentes são, muitas vezes, pacientes assintomáticos, tornando-se grandes vetores para outros membros da família, especialmente idosos que residem com os mesmos ou pessoas com comorbidades. É comum, quando há separações, um dos genitores residirem com os avós desses menores, o que, em geral, acarreta em grandes discussões sobre o compartilhamento da rotina na pandemia. Como a maioria dos processos da área do direito das famílias correm em segredo de justiça, é difícil apurar a quantidade de casos efetivos de contaminações, mas existem relatos frequentes de famílias que advoguei à época do divórcio consensual, que entraram em litígio apenas na pandemia, por inexistir conciliação sobre o assunto.
FB: Como a justiça está resolvendo esses casos?
CB: Analisando caso a caso. Há uma necessidade de ponderação dos interesses envolvidos, de um lado, pela preservação da saúde pública, em razão da pandemia causada pela Covid-19 e, com o inventivo de suspensão de alterações de casas, enquanto durar o afastamento social, em observância as recomendações dos órgãos de saúde. Há decisões judiciais que se fixa horários para estabelecer a comunicação por outros meios não presenciais, como Skype, Zoom, Facetime e WhatsApp. Já atuei em processos que o judiciário recomendou a ampliação do período sem convivência física, com isso os filhos ficariam por períodos mais longos, geralmente 15 dias com cada um dos genitores, de modo a reduzir o deslocamento no período de eventual incubação do vírus. Já teve casos que houve liminar de suspensão de visitas, mas depois se descobriu que a genitora estava tendo “furos” no isolamento com outros familiares, com passeios pelo litoral norte, e com isso a liminar foi cassada e o genitor voltou a ter direito a conviver com o filho. O bom senso deve ser a maior premissa nesses casos!
FB: Existe algum caso em que os filhos ficaram sem ver um dos pais durante a pandemia?
CB: Com certeza, e é doloroso construir alternativas que promovam a manutenção dos vínculos afetivos, quando o seu direito de convívio é usurpado. Sem dúvidas, a tecnologia pode auxiliar para se efetivar os modos tecnológicos de convívio, mas é importante esclarecer que a guarda compartilhada pode ser mantida, para as decisões diversas, o que fica suspensa ou alterada são as visitações.
FB: Houve avanço na procura dos seus serviços neste período?
CB: Sim. No período da pandemia inúmeros casais optaram pelo divórcio, por estarem convivendo de forma mais intimista nas rotinas, percebendo que havia uma falência da relação. E algumas famílias, que já estavam com todas as rotinas harmonizadas, se confrontaram com novas situações conflituosas, seja por possuir comorbidade, seja por uma das partes serem trabalhadores da linha de frente da saúde. E sabemos ainda que as pessoas estão lidando de forma diferente com o vírus, há uma parte da sociedade que é zelosa, e outra parte não está tendo cuidados mínimos para prevenir os avanços da pandemia, e, em geral, é aí que começa o conflito.
FB: Como você orienta os pais a lidar com a guarda compartilhada nesse período pandêmico?
CB: Eu trabalho com meios alternativos de resolução de conflitos, e é através do direito sistémico que percebo e ouço o que angustia cada parte para tentar harmonizar os interesses. É importante perceber que cada família terá uma necessidade, e o bom senso deve ser a maior premissa. Quando não há harmonização dos interesses é importante buscar o seu advogado/advogada de confiança ou a defensória pública para pleitear regularização da convivência neste período tão peculiar da nossa história.
Carla Borba é advogada, professora universitária, mestranda e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Família na Sociedade Contemporânea da UCSAL.
É produtora de conteúdo digital de direito da família no Instagram @cauborba