Metade de presos em flagrante recebe liberdade provisória em audiências de custódia, diz estudo
As organizações acompanharam 1.206 audiências em dez comarcas de Acre, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná e São Paulo

Foto: Itana Alencar
Para cada dez pessoas presas em flagrante, metade (51%) recebe, na audiência de custódia, a liberdade provisória, junto com um conjunto de medidas cautelares. Outros 19%, cerca de um em cada cinco, relatam aos juízes terem sofrido tortura, maus-tratos ou agressões.
Os dados são de levantamento produzido pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), com apoio da Associação para a Prevenção da Tortura (APT), divulgado nesta segunda-feira (15). É também nesta data que se completam dez anos da criação das audiências de custódia, regulamentadas em resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de 2015.
As organizações acompanharam, com o apoio de pesquisadores e universidades, 1.206 audiências entre setembro e dezembro de 2024 realizadas em dez comarcas de Acre, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná e São Paulo.
Considerando o conjunto de 1.011 casos de prisão em flagrante, metade (522) recebeu liberdade provisória com medidas cautelares, outros 457 casos tiveram a mudança da prisão para preventiva (sem prazo), 27 relaxaram a prisão em flagrante, 11 receberam liberdade provisória plena e 4, prisão domiciliar.
As audiências de custódia são uma checagem inicial da legalidade da prisão, antes do processo. A pessoa deve ser apresentada a um juiz em até 24 horas, acompanhada de advogado ou da Defensoria Pública. O magistrado deve avaliar se houve maus-tratos ou tortura e define se a prisão será mantida e se haverá outras medidas, como o comparecimento a juízo.
Um dos temas abordados no relatório é o formato das audiências. Levantamento anterior da APT indica que 40% delas são mistas – com pessoas participando presencial e remotamente –, 34% por videoconferência e 26% presenciais. Segundo o instituto, o formato ideal, como preconizado pelo CNJ, é o presencial.
O levantamento aponta que das 657 audiências virtuais, as defesas estavam junto dos presos em 26,2% dos casos. Em 79,2% dos casos, o juiz não verificou de nenhuma forma se a pessoa estava sozinha, para garantir privacidade.
Para a coordenadora de projetos do IDDD, Vivian Peres, um dos principais problemas na aplicação das audiências, especialmente após a pandemia de Covid-19, é a virtualização. "O desempenho, sobretudo do juiz quando está presencialmente, é muito melhor. O atendimento é melhor, as perguntas são mais claras".
Dos 19% que relataram tortura, maus-tratos ou agressões, não houve encaminhamento para apuração em 27,9% dos casos. Os especialistas afirmam que é provável que o número seja subnotificado. Apontam, por exemplo, que audiências virtuais, sem o juiz no mesmo local do preso, dificultam a criação de um ambiente seguro para denúncias.
O estudo também mostra que a taxa de prisão não muda nos casos de mulheres com filhos menores de 12 anos (28,9%), que poderiam ter a prisão preventiva alterada para domiciliar, na comparação com as demais (29,3%). "Isso mostra a falta de impacto do Estatuto da Primeira Infância nas audiências de custódia", diz Vivian. "Se o juiz entende que é o caso de prisão, ele poderia decretar a prisão domiciliar, que não resolve, mas é infinitamente melhor do que uma prisão em um estabelecimento prisional".
Os três crimes mais comuns nas audiências foram tráfico de entorpecentes (346), furto (205), roubo (129) e violência contra a mulher (114). A categoria "outros" soma 209 registros. No total, 70% das audiências trataram de crimes sem violência.
Nos últimos anos, movimentos que tentam modificar ou endurecer regras das audiências de custódia têm ganhado força. Um exemplo foi a aprovação de uma mudança no Código de Processo Penal com a Lei 15.272, após a operação Contenção, no Rio de Janeiro, a mais letal já registrada no Brasil, que limita a soltura de presos na audiência de custódia e facilita a decretação de prisão preventiva. O relator do projeto, senador Sergio Moro (União Brasil-PR), chamou as audiências de "porta giratória para criminosos".
Outro movimento foi um dos pareceres do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), para o projeto de lei Antifacção de tornar regra a audiência por videoconferência. No texto do Senado, relatado por Alessandro Vieira (MDB-SE), prevaleceu o uso da modalidade como preferencial. O discurso de que a polícia prende e a Justiça solta, afirmam os representantes do IDDD, tem mais caráter eleitoreiro do que base em dados.
"A sensação de segurança que as pessoas tanto falam é do roubo à mão armada. O roubo à mão armada não acontece, não existe soltura em audiência de custódia. Se existissem casos isolados e por razões muito específicas", diz o presidente do IDDD, Guilherme Carnelós. "E aí veio o projeto de lei 226 [atual lei 15.272], que recomenda a prisão preventiva independentemente do que se tem naquele determinado caso. Isso é muito grave".
Levantamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro citado no estudo com audiências de custódia realizadas no primeiro semestre deste ano, mostrou que, de 17.263 casos de que passou por audiência após prisão em flagrante, 339 casos – 1,96% do total – tiveram reapresentação no período.
Para a representante da APT no Brasil, Sylvia Dias, as organizações trabalham para modificar a ideia das audiências como instrumento para soltar criminosos. "Esses casos acontecem e isso ganha uma repercussão midiática na sociedade como se essa fosse a regra: muitas pessoas passando por audiência de custódia e voltando a passar, o que não é a realidade."


