Moda pasteurizada ameaça diversidade cultural e acelera descarte de roupas aponta especialista!
Stylist Marcia Jorge relaciona padronização das tendências à perda de referências regionais ao consumo por efeito manada e ao aumento do lixo têxtil

Foto: Div
A padronização estética impulsionada por algoritmos e tendências virais está apagando marcas identitárias da moda brasileira e global, alerta a stylist Marcia Jorge. Segundo ela, ao privilegiar formatos visuais validados nas redes sociais, o sistema digital reduz o espaço para expressões culturais regionais e artesanais. “Quando todo mundo está usando a mesma silhueta, a mesma cartela de cores e os mesmos acessórios, é natural que o olhar para o que é local se perca. E isso empobrece não só a moda, mas a memória cultural de um povo”, afirma.
De acordo com relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), de 2023, a indústria têxtil global é responsável por cerca de 10% das emissões de gases de efeito estufa e gera mais de 92 milhões de toneladas de resíduos por ano, grande parte decorrente de ciclos de consumo cada vez mais curtos.
No Brasil, dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) apontam para o descarte médio de 170 mil toneladas de roupas anuais, muitas ainda em bom estado. “O ciclo de vida de uma peça encurtou drasticamente. Quando a tendência nasce nas redes, já se sabe que há grande probabilidade de ela morrer em semanas, e isso alimenta um descarte prematuro”, observa Marcia.
O impacto não é apenas ambiental. Pesquisas da American Psychological Association mostram que a necessidade de atualização constante no vestuário está ligada ao aumento da ansiedade e da sensação de inadequação social. Para Marcia, trata-se do “efeito manada” em sua forma mais evidente. “O algoritmo não só mostra o que está na moda, como faz você acreditar que, se não estiver usando aquilo, está atrasado. É uma pressão silenciosa, mas muito eficiente”, diz.
A perda de diversidade cultural também tem consequências econômicas. Estudo do Sebrae de 2022 revela que negócios ligados à moda artesanal e ao design autoral representam cerca de 5% do PIB da economia criativa, movimentando mais de R$ 50 bilhões por ano.
No entanto, esses empreendimentos estão entre os mais prejudicados pela homogeneização estética, que concentra a demanda em produtos massificados. “Quando o consumidor opta pelo que está no topo do feed, ele raramente chega até a marca pequena que trabalha com renda renascença no Nordeste ou com tecelagem manual no Sul. Isso cria um apagamento silencioso de saberes e de renda para comunidades inteiras”, explica a stylist.
O ciclo curto das tendências também acelera impactos ambientais. Segundo a Ellen MacArthur Foundation, prolongar a vida útil de uma peça em apenas nove meses pode reduzir em até 30% sua pegada de carbono, consumo de água e geração de resíduos. Mas levantamento da McKinsey & Company mostra que tendências virais duram, em média, de quatro a seis semanas, exigindo produção intensiva, aumentando a pegada de transporte e multiplicando o descarte em aterros sem reciclagem possível.
O reflexo aparece no comportamento de compra. Pesquisa da consultoria WGSN, de 2024, revelou que 67% dos consumidores da Geração Z sentem “pressão para acompanhar tendências” e 42% admitem comprar roupas não planejadas após vê-las repetidamente nas redes. No Brasil, cada peça é usada em média apenas sete vezes antes de ser descartada, segundo a Abit. “Essa ansiedade por atualização não é só uma questão estética. É um gatilho de consumo insustentável que afeta o bolso, a saúde mental e o planeta”, reforça Marcia Jorge.
Para ela, a valorização da diversidade cultural na moda é um antídoto contra o processo. Isso envolve incentivar produções artesanais, resgatar técnicas tradicionais e fortalecer marcas regionais. “A roupa é também um documento cultural. Ao escolher consumir o que carrega história e contexto, o consumidor preserva identidades e reduz o impacto ambiental. É uma escolha que vai muito além do que se vê no espelho”, conclui.