Portadores de vitiligo ainda sofrem preconceito no mercado de trabalho e nas relações cotidianas

Cerca de 1% da população mundial sofre de vitiligo, que é mais frequente entre mulheres, afirma Ministério da Saúde

[Portadores de vitiligo ainda sofrem preconceito no mercado de trabalho e nas relações cotidianas]

FOTO: Divulgação

Formada em história e teatro, além de ser técnica em enfermagem, Priscila Bonfim, 32, nunca conseguiu emprego. Ela diz que até chega a participar de alguns processos seletivos, mas a negativa da vaga é pouco convincente. A razão, segundo ela, pode estar em sua aparência. Priscila convive desde criança com vitiligo, doença caracterizada pelo surgimento de manchas brancas pelo corpo, autoimune, causada pelo ataque das defesas do próprio organismo aos melanócitos (células que produzem a melanina, pigmento que dá cor à pele). A doença é genética, mas fatores emocionais como estresse e traumas podem desencadeá-la ou agravá-la. 

Ela também convive com as consequências sociais, o bullying na infância, a rejeição dos homens desde a adolescência, os olhares diários no transporte e na praia. Mas a falta de perspectiva de trabalho é o que mais a perturba. Quando estudou o curso técnico em enfermagem, um professor foi o grande responsável pelo sofrimento dela. "Ele perguntou da minha doença na frente da turma inteira e questionou se eu realmente queria fazer aquele curso. Ele enfatizou que os pacientes do hospital ficariam com medo das minhas manchas. Fiquei envergonhada. Quando terminou a aula, poucos vieram me consolar. Muitos colegas me cercaram e me bombardearam de perguntas. Depois disso, percebi que  muitos se afastaram e passaram a me evitar", conta.

O Ministério da Saúde diz que cerca de 1% da população mundial sofre de vitiligo, que é mais frequente entre mulheres. Afirma, ainda, que a doença pode aparecer durante qualquer fase da vida, mas o surgimento é muito mais comum até os 20 anos de idade. “O vitiligo não é contagioso e não traz prejuízos à saúde física. As causas não são conhecidas e não há possibilidade de prevenção”, explica Eduardo Davi, coordenador do departamento de Atenção Especializada e Temática da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. 


Discriminação
Embora a chegada da internet tenha disponibilizado um acervo de informações facilmente acessadas sobre todas as patologias, assim como as campanhas sobre a doença também tenham se espalhado em maior quantidade nesses e outros espaços, ainda sobram preconceito e ignorância, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem. 

E, ainda que a doença não seja transmitida como um vírus, os casos relatados pelos pacientes têm em comum as cenas de pessoas com medo de qualquer contato, como se aproximar, por exemplo. A discriminação no cotidiano é um dos principais fatores que influencia na qualidade de vida ruim desses pacientes, conforme a psicóloga Claudia Castro.

Um estudo feito pela União das Associações de Portadores de Psoríase do Brasil com 7.210 pacientes aponta que 80% dos afetados por doenças de pele no país afirmam ter a autoestima e a vaidade atingidas pela doença. “O portador se isola, não tem interesse de sair de casa, muitos simplesmente são dispensadas dos seus trabalhos porque entram em depressão. É comum querer fazer o tratamento num hospital fora da cidade para que ninguém saiba", diz Claudia. 

Marília Neto, dermatologista especializada em doenças de pele, diz que a vergonha da doença chega a impedir os pacientes de procurar diagnóstico e tratamento e até impede a “liberdade do querer”. “A vergonha impede as pessoas de irem à piscina, à praia. Os olhares são mais intimidadores do que as perguntas. Elas usam mais roupas, para esconder. Algumas usam cachecol, óculos escuros", explica Marília.

Encarar a realidade
Quando as lesões aparecem em áreas expostas, como mãos, rosto, braços, cotovelo, costumam provocar constrangimento. “É com a pele que a gente se apresenta para o mundo. Se o portador tiver pele mais escura, o que faz a doença ter mais contraste, potencializa a vergonha e a autoestima entra em crise”, aponta Marília. 

Parte do rosto do estudante de mestrado Alexandre Menezes, 29, é cercada por manchas claras provocadas por vitiligo. Em contraste com a pele negra do rapaz, a doença é avistada de longe. Mas Alexandre usa uma qualidade a seu favor: a autoconfiança aliada com os cuidados com a saúde e a estética. “No começo me assustou muito. Eu não queria ser diferente dos outros porque desde criança sou muito vaidoso. O vitiligo mexe com a vaidade, com o ego”, conta. “Só no fim da adolescência, quando entrei na universidade, fui me aceitando, fui acreditando no meu exterior em detrimento da ignorância social”.

Comportamento similar ao de Alexandre é cada vez mais comum de encontrar. É o caso dos atores Igor Angelkorte e Luiza Brunet, da modelo Winnie Harlow, primeira profissional com vitiligo a participar do desfile anual da Victoria's Secret. “Aprendi a gostar dele quando uma menina iluminada me disse no colégio que era um charme. Até então rejeitava minhas marcas sobre os olhos, porque na adolescência a gente quer ser especial sendo igualzinho a todo mundo. Ninguém quer ter nenhum lance diferente só para evitar qualquer chance de bullying, né!", escreveu Igor no Instagram. 


Tratamento e disfarces 

O tratamento visa ao controle das manchas através de medicamentos e consultas regulares que podem ser feitas através do Sistema Único de Saúde (SUS). Uma das terapias mais recentes é o transplante de melanócitos a uma área do corpo atingida pela doença. No Brasil, a procura é grande. Entretanto, é preciso passar por consultas médicas para saber se o paciente pode ser transplantado. "Quem faz o transplante precisa continuar tomando os medicamentos para que a doença não volte a se manifestar", explica a dermatologista.

Também podem ser usadas drogas imunomoduladoras e fototerapia. Marília lembra, porém, que vitiligos antigos são como cicatrizes: as manchas ficam estabilizadas e não evoluem mais. Enquanto os medicamentos agem, maquiagens podem ser a solução. Especialistas deixam claro que nem toda maquiagem é adequada para quem tem problemas de pele. “É importante investir em produtos de qualidade, que sejam hipoalergênicos, pouco oleosos e, preferencialmente, sem cheiro. Tudo isso para minimizar as chances de sensibilizar ainda mais um tecido muitas vezes já fragilizado”, explica o dermatologista Rafael Carvalho.

As marcas têm apostado em linhas adequadas para quem tem problemas de pele. Nas prateleiras das lojas, as mais famosas são a Kryolan e a Dermablend. Feitas no Brasil, o Boticário e Contém 1g também têm opções.


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