Roubo no Louvre acorda franceses para negligência ao patrimônio histórico
Especialista argumenta que franceses deixaram de dar importância à própria história

Foto: Melhores Destinos/ Reprodução
Obra-prima mais protegida do Louvre, protegida por câmeras, alarmes, vidro à prova de balas e uma barra de madeira, a Mona Lisa deve muito de sua fama, ironicamente, a ter sido furtada do museu, em 1911 (foi recuperada dois anos depois). Por isso, talvez o roubo das joias da Coroa no mesmo Louvre, neste domingo (19), gere mais atenção a outros tesouros do museu, menos valorizados, mas nem por isso menos valiosos.
Embora tenham sido disparados os alarmes das janelas e das vitrines arrombadas na Galeria de Apolo, de onde as joias foram roubadas, os seguranças e policiais não chegaram a tempo de impedir o crime, executado por quatro homens em apenas sete minutos.
O assalto despertou os franceses para uma possível negligência em relação ao próprio patrimônio histórico. "Morando a 300 metros do Louvre, nunca fui ver as joias da Coroa", confessou ao jornal Le Figaro o escritor Sylvain Tesson, um dos mais populares da França. "Foi um arrombamento da nossa própria memória", disse o autor, especialista em metáforas de efeito.
O argumento de Tesson é que os franceses, a começar por ele mesmo, deixaram de dar importância à própria história, o que poderia explicar em parte a falha de vigilância.
Apesar do comentário de Tesson, a galeria de Apolo está sempre cheia, segundo a guia-conferencista brasileira Lívia Frossard, não só pelos tesouros que guarda, mas pela própria beleza, exemplo do fausto dos tempos de Luís 14. Credenciada pelo Ministério da Cultura francês há quatro anos, ela considera a sala "uma das mais lindas do museu, onde a gente se lembra que de fato aquele prédio é um palácio".
Frossard conduz grupos duas a três vezes por semana no Louvre, e sempre procura incluir a galeria de Apolo em seu roteiro: "Quando estou com clientes brasileiros, faço questão de mostrar o colar de Maria Luísa [uma das peças roubadas, com 32 esmeraldas e mais de mil diamantes], porque ela era irmã da nossa imperatriz Maria Leopoldina [mulher de dom Pedro 1º e mãe de dom Pedro 2º]".
O parlamento francês estuda abrir uma comissão de inquérito para apurar como anda a segurança de itens históricos como as oito joias roubadas. Antes mesmo de uma CPI, nesta quarta-feira a presidente do museu, Laurence des Cars, vai depor ao Senado francês sobre a segurança do Louvre.
Em janeiro, Des Cars havia escrito uma carta à ministra da Cultura, Rachida Dati, denunciando "uma multiplicação de danos nos espaços do museu". Ela se referia sobretudo, porém, ao estado de conservação das salas. As referências ao risco de roubos eram passageiras.
Em junho, o presidente Emmanuel Macron anunciou com grande pompa uma reforma de EUR 400 milhões (R$ 2,5 bilhões) até 2031. Mas uma vez mais a segurança foi mencionada apenas de passagem. O item mais comentado da reforma foi a criação de uma entrada específica para quem só quer ver - claro - a Mona Lisa, desafogando o fluxo de turistas interessados apenas nos ícones do Louvre.
Sylvain Tesson acerta, portanto, ao insinuar que as joias da Coroa estão longe de figurar entre as atrações mais procuradas do Louvre.
O próprio site do museu sugere uma visita-expresso, batizada "Obras-primas do Louvre", que permitiria conhecer o essencial do museu em apenas uma hora e meia. Do roteiro constam doze obras, entre as quais as inevitáveis Mona Lisa, Vênus de Milo e Vitória de Samotrácia, além da "Jangada da Medusa", de Théodore Géricault, do "Escravo Rebelde" e do "Escravo Moribundo" de Michelangelo, e de "Psiquê Renimada pelo Beijo do Amor", de Antonio Canova.
Essa visita sugerida não teria como ser exaustiva --conhecer bem o Louvre exige mais de um dia--, mas não passa nem perto das joias da Coroa da Galeria de Apolo.
Um segundo roteiro proposto no site, ainda mais curto - 60 minutos - tampouco passa pelas joias, mesmo afirmando que "existem no Louvre inúmeras maravilhas, menos conhecidas, mas igualmente excepcionais". São sugeridos outros tesouros, como uma estela de basalto da Babilônia com o Código de Hammurabi ou as estátuas assírias de Khorsabad, do século 8º a.C.