Salvador 473 anos: Pelourinho, patrimônio da humanidade está na primeira capital do Brasil
Em entrevista, Ricardo Carvalho conta história da capital baiana e aponta permanência da desigualdade social

Foto: Max Haack/Agecom
A cidade de Salvador completa 473 anos nesta terça-feira (29). Banhada pela baía de Todos os Santos e por praias de grande beleza natural, o município é conhecido mundialmente por preservar um conjunto arquitetônico e histórico que, sobretudo, representa um pedaço da história do Brasil. Fundada pelo governador-geral Tomé de Sousa, em 1549, Salvador, a primeira capital do país, é formada pela mistura de indígenas, europeus e africanos.
Embora o gigantesco caldeirão cultural seja um traço forte de Salvador, poucos sabem que, em um primeiro momento, a cidade foi planejada para ser uma extensão de Lisboa. “A história de Salvador é a de uma cidade que nasceu para ser a extensão de Lisboa, para ser a sede do Império Português nas Américas. Salvador tinha condições ideais para isso. Excelentes condições de tropicalidade, águas abrigadas, a baía de Todos os Santos e uma proximidade muito grande que facilitava as correntes marítimas do Atlântico, além de ter proximidade com o Norte e o Sul da colônia. Ou seja, Salvador estava exatamente no meio”, disse ao Farol da Bahia o historiador Ricardo Carvalho.
“Era também uma cidade em acrópole, com mais ou menos 60 metros de altura, o que facilitava a defesa. Ao mesmo tempo não era alta demais, o que permitia o intercâmbio entre a zona portuária e a parte alta da cidade. Salvador nasceu assim, em 1549, para ser a continuação de Lisboa e garantir que aqui estaria a administração portuguesa”, completou.
Salvador está situada no Recôncavo Baiano, às margens da baía de Todos os Santos, que se abre para o oceano Atlântico. Como primeira capital do Brasil, Salvador também foi planejada para ser uma cidade militar, com um bom esquema de segurança para proteger a sede do governo português. Até o desenvolvimento e organização do município em cidade alta e baixa foi pensando nisso. Ainda hoje, esses dois níveis estão ligados pelo elevador Lacerda, um marco do município, em funcionamento desde 1873.
Foto: Elevador Lacerda/Prefeitura de Salvador
Ainda em entrevista, Ricardo Carvalho explicou que Salvador perdeu o protagonismo como capital do país devido às questões econômicas. “O fato de Salvador ter deixado de ser a capital do Brasil está relacionado apenas com a mudança do fluxo econômico. A economia açucareira foi aos poucos entrando em decadência, ao longo dos séculos dezessete e dezoito, enquanto que a economia mineradora transformou o Rio de Janeiro no grande porto de saída da riqueza mineral. Então, por isso a decisão pombalina de trocar a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro”, explicou o especialista.
Apesar da mudança do fluxo comercial do nordeste para o sudeste, Ricardo reforçou que Salvador marcou um momento importante da história nacional. Isso explica, segundo ele, o porquê da cidade ser considerada histórica. “Todas as cidades são históricas. No caso de Salvador, por ser a primeira capital do Brasil, a presença da história aqui é muito mais contundente e significativa. É bom a gente lembrar também que a decadência rápida da economia açucareira fez com que muitos prédios que eram da aristocracia e da administração pública fossem preservados. Não pela pujança da economia, mas sim pela decadência”, disse Carvalho.
“O fato da rápida decadência fez com que esses prédios não fossem renovados. Não foram construídos outros no lugar, apenas foi se reformando. Isso nos deu esse imenso patrimônio arquitetônico, essa beleza que é a Salvador histórica. Isso tudo hoje é uma benção para o turismo, cultura e arquitetura. Por isso que Salvador é uma cidade histórica, porque se preservou e tem uma grande relevância do ponto de vista da evolução do nosso país”, completou.
Pelourinho e importância nacional da cidade
Tombado como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1985, o Pelourinho é o bairro mais antigo de Salvador. De acordo com o historiador Ricardo Carvalho, o bairro é o grande centro cultural da capital baiana.
“O Pelourinho está para o período imperial de Salvador e talvez para a parte final do período colonial, o que seria hoje o equivalente aos bairros de classe média alta. Ali vivia a elite açucareira, além de membros da gestão pública da mais alta hierarquia. O Pelourinho passou a se desenvolver com muita cultura. Ali crescia a agitação político-social, as igrejas… O Pelourinho tinha essa importância e hoje continua tendo, como grande centro cultural e turístico", disse o especialista.
Foto: Pelourinho antigo/Reprodução
Foto: Pelourinho, o cartão postal de Salvador/Pixabay
Além de ser uma grande referência cultural e turística, o historiador lembrou que Salvador também tem um importante porto comercial e é referência em política. “Temos Salvador como capital de um Estado que tem fronteiras agrícolas importantes. É uma cidade que tem sua riqueza do ponto de vista comercial e financeiro, com grandes bancos e empresas. Além disso, Salvador também tem um significado político. A cidade tem 3 milhões de habitantes, então o poder político eleitoral nacional é significativo”, afirmou Ricardo.
Salvador no futuro
Apesar de todas as belezas naturais e culturais existentes na cidade de Salvador, Ricardo Carvalho chamou atenção para a desigualdade social que se perpetua ao longo desses 473 anos. “Salvador, como já disse o poeta, ‘tem régua e compasso’. Tem todas as condições, mas também tem problemas muito graves. O principal problema da cidade é a imensa desigualdade social. O que espero de Salvador no futuro é que ela se mantenha linda. Que haja vontade política para limpar, cuidar e manter os prédios históricos de Salvador. Mas, para além disso, que também haja vontade política de diminuir o abismo social absurdo”, disse o historiador.
“É uma cidade tão rica, mas ao mesmo tempo tão pobre. Uma cidade tão importante, mas ao mesmo tempo tão desprezada. Então, nós precisamos realmente sanar os maiores problemas da cidade: a miséria, a falta de saneamento, a dificuldade de acesso à educação de alta qualidade e de uma saúde pública que atenda realmente a população. É disso que a gente precisa. Precisamos vencer essas dificuldades para que a gente possa no futuro, quem sabe, comemorar mais 100 anos da cidade", concluiu.