STJ estabelece figura do "Inventariante Digital" em decisão pioneira sobre Herança Digital no Brasil!
Aos detalhes...

Foto: Divulgação
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi palco de uma decisão jurídica inédita que redefine o conceito de herança no Brasil: a herança digital. A 3ª Turma da Corte, em um julgamento pioneiro, estabeleceu a criação da figura do “inventariante digital” para lidar com o acesso a bens virtuais de pessoas falecidas, equilibrando os direitos dos herdeiros e a proteção da privacidade.
A discussão foi desencadeada por um pedido de familiares de uma das vítimas do acidente aéreo que vitimou o empresário Roger Agnelli, buscando acesso ao notebook do falecido.
O cerne da questão residia em como garantir o acesso a esses dispositivos sem violar a privacidade digital, uma vez que dados íntimos e informações de terceiros podem estar armazenados.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, ressaltou um ponto fundamental: o direito à intimidade não se extingue com a morte. Diante da ausência de legislação específica no país sobre o tema, a decisão da 3ª Turma definiu pela criação de uma nova figura jurídica, o “inventariante digital”. Este profissional, atuando sob sigilo, terá a responsabilidade de examinar o conteúdo do acervo digital, elaborar um relatório detalhado e, com base nele, o juiz decidirá quais informações poderiam ser compartilhadas com os herdeiros, garantindo um equilíbrio entre o direito à informação e a proteção da privacidade. O acesso ao conteúdo digital só ocorrerá mediante autorização judicial.
De acordo com a Dra. Dayane Araújo Sobral, especialista em planejamento patrimonial e sucessório, o conceito de herança digital abrange um universo de bens que vão muito além de aparelhos eletrônicos, incluindo contas em redes sociais (Facebook, Instagram, X, LinkedIn), serviços de e-mail e nuvem (Gmail, iCloud, Google Drive, Dropbox), bibliotecas digitais e jogos online (Spotify, Kindle, Netflix, Steam), e até ativos financeiros digitais como criptomoedas e carteiras virtuais. Esses bens podem ter tanto valor econômico quanto um profundo valor afetivo, como fotos, vídeos e mensagens guardadas ao longo da vida.
Atualmente, o Brasil carece de uma lei específica para regulamentar a herança digital. O Código Civil foca em bens materiais, e o Marco Civil da Internet protege a privacidade e o sigilo de comunicações, mas não define o destino dos dados após a morte.
Embora existam projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional para regulamentar o tema, nenhum foi aprovado até o momento, o que torna a jurisprudência, como esta decisão do STJ, ainda mais relevante.
Dra. Dayane destaca a urgência e a importância deste tema, reforçada pela decisão do STJ:
"A análise desse caso reflete a necessidade premente de o Brasil se posicionar sobre a herança digital. A ausência de uma legislação clara gera insegurança jurídica e pode ser fonte de conflitos familiares. A medida do 'inventariante digital' é um caminho promissor para mediar essa complexidade, mas a solução definitiva passa pela conscientização e pelo planejamento sucessório. A decisão do STJ, ao criar o inventariante digital, reforça ainda mais a importância de que o planejamento sucessório seja feito em vida, com a possibilidade, inclusive, de o indivíduo indicar em seu testamento quem será o seu 'inventariante digital' e qual o nível de acesso e gestão que esta pessoa terá sobre seu acervo. Definir em vida como seus bens digitais – sejam eles financeiros, de acesso ou afetivos – serão geridos após seu falecimento é a forma mais segura de garantir a proteção da sua memória, evitar litígios e assegurar que seus desejos sejam respeitados."
É importante notar que, embora o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva tenha divergido parcialmente quanto à necessidade de criar uma figura específica e obrigatória de inventariante digital, o voto da relatora prevaleceu por maioria. O processo, após esta decisão, retornará à primeira instância para a instauração de um incidente judicial específico para a identificação e classificação dos arquivos digitais do caso em questão.
Algumas plataformas digitais, como Google, Facebook e Apple, já oferecem soluções para a gestão de contas inativas ou para designar herdeiros digitais, mas estas só funcionam se configuradas em vida pelo titular dos dados. Este debate, portanto, reforça a importância do planejamento sucessório como ferramenta essencial para a segurança e a tranquilidade familia