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Temos maioria no STF para vetar assistolia fetal, e queremos que ação seja votada, diz conselheiro do CFM

A norma foi proposta por Câmara, publicada em 2024 e logo suspensa por decisão do ministro Alexandre de Moraes

Por FolhaPress
Às

Temos maioria no STF para vetar assistolia fetal, e queremos que ação seja votada, diz conselheiro do CFM

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O médico Raphael Câmara afirmou à reportagem que o CFM (Conselho Federal de Medicina) tem articulado com os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) para que a resolução que proíbe a assistolia fetal para aborto acima de 22 semanas seja pautada no plenário do tribunal.

A norma foi proposta por Câmara, publicada em 2024 e logo suspensa por decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ela impede médicos de realizarem o procedimento recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde)

"A gente hoje acha que temos um placar favorável de 6 a 5 para derrubar a decisão de suspender a resolução", diz Câmara.

O médico, que foi Secretário Nacional de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), é um dos principais opositores ao aborto acima das 22 semanas de gestação.

Na entrevista, ele defende que não há barreiras para o aborto legal e que médicos devem tentar convencer gestantes a manter a gravidez, como no caso emblemático de Santa Catarina, em 2022, em que uma juíza perguntou a uma menina de 10 anos se ela não poderia "suportar mais um pouquinho".

"Quem aguentou 22 semanas pode ficar mais duas, três semanas que dá um tempo total para você maturar o pulmão [do feto]", disse.

PERGUNTA - O sr. se lembra do caso da menina de 10 anos impedida de abortar no Espírito Santo em 2020? O sr. considera que ele foi um marco?
RAPHAEL CÂMARA - Na época eu era secretário nacional de Atenção Primária à Saúde do governo Bolsonaro e essa pauta era toda minha no governo. Eu lembro bem que várias pessoas me procuraram. Eu falei na época que, como secretário, eu não me atinha a casos individuais. O meu foco era o macro.
Eu não acho que tenha sido um marco. Vários [casos como esse] ocorrem todo dia, dois a três por dia. Sinceramente, não sei o que é que a imprensa gostou tanto desse caso.
P - O sr. entende então que não houve uma mudança a partir desse caso? Depois dele surgiram outras histórias parecidas, no Piauí, em Santa Catarina... 
RC - Na discussão pública eu até entendo que houve. A gente sabe que há uma articulação entre esses grupos feministas e a grande mídia. Aparentemente houve uma estratégia desses grupos feministas de vazar essas informações [de casos de meninas] com dados sigilosos.
Agora, se eles agem de um lado, a gente age do nosso lado. A gente também tem força, a gente também tem forma de pressionar, porque o que a gente quer é que o Supremo Tribunal Federal paute a nossa resolução [que proíbe a assistolia fetal]. A gente obviamente conversou com os ministros, temos acesso assim como elas têm. A gente hoje acha que temos um placar favorável de 6 a 5 para derrubar a decisão de suspender a resolução.
P - O argumento que se usou no caso de 2020, e que também é o argumento do ministro Alexandre de Moraes para suspender a resolução, é o de que essas normas infralegais não poderiam estabelecer um limite que não existe no Código Penal. 
RC - O Código Penal foi feito em 1940, e o legislador nem de longe poderia conceber que em 2025 estariam matando bebê de nove meses. Em 1940 não existia ultrassom. A única forma de você tentar aferir a idade gestacional era pela última menstruação.
Dito isso, cabe ao CFM dizer o que é procedimento ético ou não. O que o CFM fez foi simplesmente dizer: o procedimento de assistolia fetal é antiético. Não deve ser feito. Ponto. Nós estamos muito seguros de que isso em nada ultrapassa a nossa competência.
Hoje, o que a gente entende é que esse assunto tem que ser votado. Se não for pautado no Supremo, vai ser pautado, como já foi tentado, no Parlamento [em 2024, por meio do PL Antiaborto por Estupro]. E aí vem coisas que nem eu concordo, como aquele negócio de colocar pena de 20 anos [de prisão] para a mulher [que fizer aborto acima de 22 semanas].
P - Qual é a alternativa à assistolia? Falando de maneira concreta, por exemplo, do caso de 2020. A menina chega no serviço de Vitória com 22 semanas e quatro dias porque ficou uma semana tendo acesso negado. Qual seria a situação ideal no entendimento do senhor? 
RC - Quem aguentou 22 semanas pode ficar mais duas, três semanas que dão um tempo total para você maturar o pulmão [do feto], fazer corticoide, como se faz em qualquer trabalho de parto prematuro. Eu acho sim que tem que ter trabalho de convencimento.
Mas vamos dizer que a pessoa não queira de jeito nenhum, que também é um direito dela, né? Então tira o bebê e leva para adoção ou adoção de recém-nascido. A fila vai daqui [Brasília] até o Rio de Janeiro.
P - O que obstetras que defendem a assistolia dizem é que mesmo que haja viabilidade, a prematuridade extrema vem associada a muitas sequelas. Eles argumentam que forçar um nascimento prematuro seria uma violência. Como o senhor se posiciona? 
RC - Quanto menor a idade gestacional, maior são as sequelas. É por isso que você tem que ponderar: um bebê que pode ficar mais uma ou duas semanas e diminuir suas chances de sequelas ou a mãe que já está grávida há 22 semanas, ficar mais duas semanas grávida para esse bebê ter uma chance muito maior de sobrevivência, sem sequelas. Quem defende o aborto acha que qualquer dia a mais é uma tortura e um sofrimento absurdo.
Agora, aquela que bate pé, quer [abortar] de qualquer jeito. Pode ter sequelas, pode ter milhões de coisas, mas a gente tem que dar uma chance para a vida, né? Eu entendo o argumento técnico de quem defende isso, mas eu não consigo ver lógica nisso. Não vamos dar chance para essa pessoa, para esse bebê, para ver se ele vai morrer, se não vai, se vai ter sequelas, se não vai.
O próprio CFM autoriza você a não fazer uma luta heróica para a sobrevivência de ninguém. Se aquele bebêzinho nasceu com 22 semanas e está extremamente mal, você tem que tratá-lo, tem que fazer tudo, mas também não precisa fazer uma coisa de outro planeta para ele sobreviver.
P - O sr. menciona adoção. Eu entendo que existe uma fila grande para recém-nascidos, mas o senhor acha que há também uma fila grande de pessoas querendo adotar crianças com sequelas graves? 
RC - Não tenho dúvidas de que a fila para um bebê sequelado de 22, 23 semanas não vai ser daqui até o Rio de Janeiro. Mas tem pessoas, sim, dos grupos pró-vida. Eu posso garantir que tem muitas pessoas que fazem esse papel e, a bem do debate, se você falar que não tem ninguém, cabe ao Estado cuidar dessa pessoa.
P - Outro argumento em relação à adoção é de que ela é uma alternativa à maternidade, não à gestação. Aos riscos associados a ela, à mudança corporal.
RC - A pessoa já está grávida. Como ela não quer passar pela gravidez se ela já passou pela gravidez? Não me venham com essa história. Existem situações sim, de pessoas que vão descobrir a gravidez parindo, mas geralmente são pessoas muito gordas ou são atletas.
De forma geral, toda mulher sabe que está grávida. Ela pode mudar de ideia ou optar por fazer isso [o aborto] com 22, 23, 24 semanas e aí dizer que não sabia que estava grávida. Isso é mentira.
P - Em alguns casos com menores de 14 anos, a gravidez foi descoberta antes, o que nem sempre acontece. Na menina do Piauí, ela descobriu a segunda gestação bem no começo. Começaram a colocar barreiras para a interrupção, que era desejada por ela e pela mãe, até chegar a 22 semanas. Aí não se faz. No Espírito Santo, a mesma coisa. Como o senhor se posiciona nesses casos? 
RC - Eu discordo peremptoriamente quando vocês dizem que há barreiras. Quem quiser fazer o aborto faz. Qualquer maternidade do país, pública ou privada, pode fazer aborto.
P - Pode fazer, mas não faz. Isso não é uma barreira de acesso? 
RC - É do jogo. E qual o problema? Qual o problema de você ter que viajar de um município para o outro? Tanta gente não faz isso para fazer uma cirurgia, para fazer um procedimento?
P - O senhor defende que abaixo de 22 semanas esse é o procedimento correto? Se um hospital não faz, porque a gente sabe que poucos hospitais fazem, o correto seria encaminhar essa mulher para um que faça? 
RC - Sim, cabe ao gestor disponibilizar isto. Não cabe ao médico. Eu, como plantonista, numa situação que não seja de risco de morte, basta dizer "eu não vou fazer por objeção de consciência". Ligou para o diretor médico, a partir daí é com ele. Se ele vai mandar para outro município, outro estado ou outro país, isso é problema dele, não é problema do médico.
Gravidez acima de 22 semanas você não tem direito [ao aborto], e nós [médicos] não vamos fazer e ninguém vai fazer. Se você quiser fazer, vá para alguma ONG internacional e vai fazer na Colômbia, na Argentina.
 

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