José Medrado

A expressão cara de pau não tem registro preciso de quando passou a ser usada, sabe-se, no entanto, que é de origem portuguesa, com sinonímia em caradura, que foi registrada pela primeira vez por um lexicógrafo de 1913, com verbete literário no Dicionário de Usos dos Português no Brasil, de Francisco Borba, dos anos 1960 e 1970. A expressão se auto-explica que é a forma de contar mentiras, adotar práticas condenáveis ou justificar comportamentos sórdidos, mantendo sempre no rosto uma expressão neutra, impassível, quase que indecifrável. No Brasil se tornou indissociável de políticos, haja vista o que discursam, pregam antes das eleições e fazem após.

Por outro lado, a maioria de nós guarda, diante dessas caras, certo comportamento de vergonha, quando vemos a desfaçatez, a encenação desse pessoal, sem qualquer cerimônia ou pruridos de dignidade. A vergonha alheia, portanto, surge quando o malfeito do outro, bate de frente com os nossos valores, gerando em nós o constrangimento que caberia ao outro passar, pelo que, a priori, não deveria ser visto, descoberto, flagrado.

A exposição de uma fraqueza de caráter gera em quem tem o seu bem alicerçado, uma sensação de grande constrangimento. Em verdade, por trás desta sensação meio até de empatia, solidariedade com o desatino e ou crime do outro a neurologia contemporânea chama de neurônios-espelho. Essas células são especialistas em copiar: simular no nosso cérebro o que está acontecendo com a outra pessoa. E isso vale para sentimentos e emoções. Foi o que mostrou uma pesquisa do Institut de Neurosciences Physiologiques et Cognitives de la Mediterranée, na França, que escaneou o cérebro de voluntários enquanto sentiam um odor desagradável e enquanto apenas assistiam a um vídeo de outras pessoas sentindo nojo. Em ambas as situações, as áreas ativadas no cérebro foram as mesmas.

Certamente, a maioria de nós sentiu esta tal vergonha alheia, quando vimos o vídeo que está circulando pela internet de câmeras de segurança que flagraram o momento em que o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso, Waldir Teis, desce correndo 16 andares de um prédio para tentar se livrar de cheques no valor de quase R$ 500 mil, possivelmente de origem ilícita, de propina. As imagens foram feitas no dia 17 do mês passado, durante mandado de busca e apreensão no escritório do Conselheiro. Que vergonha! Em minha mente já fico imaginando a família, que, possivelmente, parte não sabia da possibilidade de um seu membro ser corrupto e a outra que tinha possível conhecimento. Em um país onde impera a desfaçatez, não  podemos esquecer que a vergonha é sentimento básico do ser humano, regulador dos vínculos sociais e mantenedor da dignidade.


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