É assustador perceber como parte da sociedade brasileira reage com apatia — e muitos até com simpatia — à ingerência direta de um chefe de Estado estrangeiro sobre autoridades públicas nacionais. O caso mais recente, em que o presidente dos Estados Unidos sanciona um ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, deveria gerar repúdio unânime. Mas não: muitos comemoram, como se a soberania nacional fosse moeda de troca ideológica.
Criticar decisões do Supremo é democrático. Submeter-se ao julgamento de outro país é vergonhoso. Quando o povo se cala diante disso — ou pior, aplaude — é sinal de que há algo muito errado em nosso senso de identidade e pertencimento, em desdobramento de valores que deveriam nos ser caros.
O que está em jogo vai além de um nome ou um julgamento específico. Trata-se de aceitar que um governo estrangeiro se arvore no direito de apontar, constranger e rotular autoridades brasileiras, apenas porque suas decisões não agradam a interesses externos, ideológicos...
A socióloga norte-americana Wendy Brown, em sua análise sobre o neoliberalismo autoritário, alerta para uma tendência crescente: o avanço da extrema-direita global promovendo a corrosão da soberania interna dos países em nome de um “globalismo seletivo” — onde só se respeita a democracia quando ela serve a determinados projetos de poder. Estamos vendo isso acontecer, em todo o mundo, tendo o presidente norte-americano como maestro de uma ópera de terror, onde muitos músicos são nacionais brasileiros, trabalhando contra o próprio país. Ao normalizar essa prática, o Brasil enfraquece seus próprios alicerces institucionais. Pior: reforça o discurso de tutela moral e política que as grandes potências vêm exercendo sobre nações em desenvolvimento. Não é patriotismo aceitar calado que outro país dite regras ao nosso Judiciário. É servidão disfarçada de alinhamento político.
O mínimo que se espera de um povo digno é a indignação, diante do aviltamento de valores da vida nacional, porque quando a soberania se perde no aplauso dos subservientes, a independência vira nota dissonante, em uma ópera bufa, em uma espécie, diria minha mãe, de casa de mãe Joana.