Foto: Flávia Villela/Agência Brasil
A discussão sobre a Marcha da Maconha retorna ao centro do debate jurídico brasileiro, agora no STF, que analisa a constitucionalidade de uma lei da cidade paulista de Sorocaba. Antes de tudo, deixo claro: sou contra o uso recreativo da maconha, ainda que favorável ao uso medicinal, comprovado e regulado. Mas a pauta aqui não é saúde — é liberdade.
O ministro Nunes Marques, em voto vencido até agora, sustentou que a proibição busca proteger crianças e adolescentes. A intenção pode ser legítima, mas a solução é equivocada. O julgamento virtual já aponta cinco votos a dois pela inconstitucionalidade, e o ponto central é cristalino: liberdade de expressão não admite meia porta aberta. O Brasil parece se encaminhar para um modelo preocupante de liberdade de expressão seletiva, distribuída conforme simpatias, moralidades, religião de uma parte da população, ou conveniências políticas. E isso não é liberdade. A Constituição garante um direito amplo, que não depende da aprovação do conteúdo por maiorias temporárias. Defender a liberdade só para aquilo que nos agrada é defender censura com outro nome.
Proibir a marcha não impede o consumo, impede o debate. E um país que teme debates dificilmente avança na construção de políticas públicas maduras, de uma cidadania plena. A democracia exige convívio com ideias incômodas. A alternativa é o silêncio imposto — sempre perigoso, sempre tentador para quem detém poder. A questão é simples e, ao mesmo tempo, decisiva: ou temos liberdade de expressão, ou não temos. Não existe versão “condicional”. O STF, neste caso, não julga a maconha; julga o futuro da própria palavra.
Também é preciso observar que decisões judiciais que restringem manifestações públicas acabam criando precedentes perigosos. Hoje a proibição recai sobre a Marcha da Maconha, amanhã pode atingir qualquer outro grupo que defenda mudanças na legislação, reformas impopulares ou visões minoritárias. A história mostra que a censura nunca começa pelos que estão no centro do poder — ela sempre começa pelas bordas, e vai avançando até atingir todos. Defender a liberdade agora, mesmo quando o tema não nos agrada, é a melhor forma de protegê-la quando o alvo formos nós mesmos.
Por fim, é fundamental que o Estado confie mais na sociedade e menos na lógica da tutela permanente. Um país que se pretenda democrático precisa apostar na educação, na informação e no debate público — não nas proibições. O STF tem, neste julgamento, a oportunidade de reafirmar que a Constituição não admite atalhos autoritários. Ao reconhecer a legitimidade da Marcha da Maconha como expressão política, de cidadania, a Corte não incentiva o uso da droga, incentiva a democracia. E democracia, como sabemos, exige coragem para ouvir até aquilo que preferimos não escutar.



