Adriano Azevedo

Obás de Xangô: os Ministros do Rei
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Oriunda do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, Eugênia Anna dos Santos, carinhosamente chamada de Mãe Anninha, começava traçar seu próprio legado após experiência angariada nos tempos de Iyá Nassô. Anninha viveu itinerante pelos bairros de Salvador, sempre cuidando e iniciando as pessoas que lhe procurava, quando no ano de 1885 numa viagem ao Rio de Janeiro, e, após um ano, quando já estava familiarizada com os costumes carioca, em 1886 ela funda no bairro da Saúde - Pedra do Sal, região portuária do Rio, o Ilê Axé Opô Afonjá, que significa: Casa de Força Sustentada por Afonjá. Afonjá, o seu Orixá de cabeça. Vinte e três anos depois, em 1909, já em Salvador, ela adquire um imenso quinhão de terra no bairro de São Gonçalo do Retiro, na região quilombola do Cabula. Quando em 1910, ela “planta” o mesmo Axé ao qual denominava de matriz. 

Durante toda sua trajetória, Mãe Anninha teve ao seu lado pessoas de suma importância para construção dos Terreiros, a exemplo de Joaquim Vieira da Silva, Obá Sanyá, o tio Joaquim. Amigo de todas as horas, desde a sua estada na Casa Branca e itinerância pelos bairros de Salvador e terras Fluminense; Maria da Purificação Lopes, Mãe Bada, que esteve diuturnamente apoiando-a em todas as suas decisões, desde a época de Iyá Nassô. Foi a Iyákekerê (Mãe Pequena) no Terreiro de São Gonçalo, que é uma espécie de Mãe substitua. E após a morte de Mãe Anninha, Bada sucedeu-lhe interinamente por um curto período, vindo falecer três anos depois; Mãe Agripina de Souza, Obá Deyi, a quem lhe foi confiada às diretrizes do Terreiro do Rio de Janeiro em sua ausência, que anos mais tarde se tornara a Iyalorixá, sucedendo Anninha; Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora, suposta sucessora de Mãe Anninha no Terreiro de Salvador, mas que após a passagem de Mãe Bada para o Orun (Céu), Senhora reinou soberana por mais de duas décadas, concretizando a vontade de Mãe Anninha e conseqüentemente a de Xangô; Deoscóredes Maximiliano dos Santos, Mestre Didi, responsável pelos ritos do Orixá Omolú e dos Ancestrais da casa; Archanja Soares de Azevedo (minha tia-vó), Obá Kayodê e a Sobalojú da casa (a olheira de Xangô); e não menos importante, Martiniano Eliseu do Bonfim, braço direito de Anninha. Umas das grandes personalidades negras daquele século. 

Em meio a tantas batalhas, onde a perversa perseguição policial contra as práticas culturais e religiosas oriundas de África eram proibidas, a luta para manter o Opô Afonjá era constante. Martiniano que era professor e também Babalawô, sacerdote oracular do culto ao Orixá Orumilá, sendo ele o primeiro brasileiro a manipular tal magia em terras da diáspora, morou por mais de uma década no continente africano aprendendo sobre os mistérios da religião, onde estudou numa escola de missionários ingleses, se tornando fluente nas línguas ioruba e inglesa. Bonfim ajudou Mãe Anninha ao que diz respeito à construção dos bens intangíveis do Terreiro de São Gonçalo, ao modo que o período que passou em África tivera sido de grande importância para a reafirmação de tudo o que era feito no Brasil. Que mesmo adaptado a partir das circunstâncias da época devido à escravidão, e, tempos mais tarde respectivo a perseguição policial, tudo estava dentro dos parâmetros do que acontecia em África. E com o seu auxílio, em 1936, Mãe Anninha instituía nesta “Casa de Força” de Salvador o Corpo dos Obás, título honorífico dado a homens de grande prestígio do Candomblé da Bahia.

O antropólogo e também Obá de Xangô da época de Mãe Senhora, Vivaldo da Costa Lima, Obá Odofin (in memoriam), no artigo de sua autoria, “Os Obás de Xangô”, pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Bahia – CEAO, em umas das narrativas de Martiniano, conta que a partir dos mitos sobre o desaparecimento de Xangô, os sacerdotes resolveram perpetuar sua memória em um culto de cunho religioso, onde foi criado um conselho de doze Ministros encarregados em manterem o culto vivo, sobretudo, sua deificação. Esses Ministros, homens ilustres, que ao lado de Xangô presenciaram suas conquistas, tinham como objetivo fazer com que essas memórias durassem por gerações. Governantes, reis e príncipes da nação ioruba ocupavam tal posição, onde cada um tinha sua função e importância dentro da corte. No entanto, este assunto ficará para outro momento, pois a história de cada Ministro é longa.

A partir desta narrativa, em 29 de junho de 1936, dia do Abogun (ver texto anterior a este: A Quaresma e o Olorogun), Mãe Anninha entronizou os 12 Ministros de Xangô, sendo eles o égide da Sociedade Civil do Opô Afonjá e do núcleo religioso ao que diz respeito os ritos de Xangô, cabendo a eles o zelo do culto, assim como faziam os antigos Ministros das terras ioruba, onde divinizaram seu rei.  Lima classifica o Corpo de Obá como um grupo sui-generis entre os demais Terreiros de Candomblé, onde esta estrutura organizacional masculina é formada por Ogans e homens influentes. Divido em seis Obás da direita, onde estes têm o direito de voz e voto, estruturados como um corpo executivo, os outros seis da esquerda têm somente o direito à voz, com função estritamente consultiva, de maneira que esta polaridade pode ser definida a partir da decisão da Iyalorixá (Mãe de Santo), sendo ela a representatividade do rei. Por este motivo é importante falar da proeminência de Martiniano Eliseu do Bonfim na construção desta confraria, que junta a Iyalorixá, divide o poder masculino com o feminino.

Já na gestão de Mãe Senhora, ela ampliou o quadro de 12 Ministros para 36, criando os respectivos Otun Obá (lado direito) e Osi Obá (lado esquerdo), como uma espécie de suplente, onde na ausência do titular o Otun o substitui conseguinte do Otun para o Osi. Quando me iniciei fui o Otun Obá Abiodun, o lado direito do saudoso Sinval da Costa Lima, o grande Obá Abiodun, irmão de sangue do Obá Odofin, o professor Vivaldo da Costa Lima. Com a partida do velho Sinval, deixei de ser o Otun me tronando o titular. Hoje sou o terceiro Abiodun da história do Opô Afonjá. O primeiro foi o alfaiate Archelau Pompilho de Abreu, da época de Mãe Anninha, onde ela outorgou que o Abiodun seria o Presidente Emérito da confraria, liderando o corpo sacerdotal. Com a passagem de Archelau, o empresário Sinval da Costa Lima, confirmado na época de Mãe Senhora deu seguimento a trajetória do Abiodun. E hoje sou eu! Vale lembrar que essa dinâmica se estende aos Obás da esquerda. Cada titular com seus respectivos suplentes.

De meu tempo pra cá, conheci e tive a honra de conviver com grandes Obás. Homens significativos para cultura da Bahia e para o Candomblé, mas que já partiram para o Orun, e que além da saudade, deixaram um enorme legado. Citarei alguns destes grandes Ministros, onde de forma direta contribuíram para minha formação como Obá de Xangô e Presidente da confraria: Obá Abiodun, o velho Sinval da Costa Lima, ao que sou suspeito em falar. Sou o que sou graças a ele; Obá Odofin, Vivaldo da Costa Lima. Uma das minhas grandes influências para ingressar no mundo acadêmico; Obá Aré, Ildásio Tavares. Muitas histórias eu tive ao lado deste homem, principalmente no meio artístico musical; Obá Onaxokun, Hector Páride Bernabó – Carybé, outra grande influência artística. Tive um longo convívio com ele dentro do Axé. Lembro-me de uma reunião da Sociedade Civil ao qual ele presidia. Era uma primeira quarta-feira de outubro do ano de 1997. O velho “Caryba” passou mal e praticamente faleceu em meus braços, saindo da casa de Xangô naquele 1° de outubro para nunca mais voltar; Obá Telá, Mário Bastos, confirmado por Mãe Senhora. Era morador do Terreiro, onde todas as quartas se fazia presente ao lado de mãe Stella. Imponente e segurando o xeré (chocalho para invocar Xangô), Obá Telá seguia aquecendo os desígnios de Mãe Anninha; Otun Obá Telá, Luís Domingos (filho de Maria de São Pedro). Ministro assíduo em todas as obrigações da casa; Obá Arolú, Jorge Amado. Meu primeiro contato com ele foi aos oito anos, quando esteve nas gravações do vídeo-documentário “E daí aconteceu o encanto” - dirigido por Freedy Assis Ribeiro, Ogan de Iemanjá; Obá Aresá, Ápio José da Conceição – Camafeu de Oxossi. Tem uma história bem interessante que Mãe Stella me contou, onde “tio” Camafeu e o velho Sinval “brigaram de forma diplomática” para me terem como Otun. Anos mais tarde, quando soube do ocorrido fiquei todo me sentido e cheio de orgulho [risos]; Obá Kakanfô, Antônio Alberico de Sant’Anna, o Generalíssimo. Pude ver de perto a sua atuação como Obá. Era de fazer inveja! Ele falava ioruba fluente, e conversava com os Orixás e Ancestrais como se estivesse em África. Eu achava aquilo mágico! Ele foi e ainda é uma grande inspiração; Otun Obá Kakanfô, Antônio Carlos – Toinho (filho carnal de Obá Kakanfô). Esse foi um dos meus mestres, tanto no que diz respeito ao culto de Xangô, como no culto aos Eguns. 

Hoje, ainda temos grandes Obás. Nomes potentes que continuam honrando o legado de Mãe Anninha, e que desde a gestão de Mãe Stella, quando foram iniciados, eles vêm se mostrando capazes. Tendo como sustentáculo o Rei Afonjá, e que hoje, a partir das orientações de Mãe Ana Verônica, a sucessora de Mãe Stella de Oxossi, que também segue com firmeza o que Xangô lhe delegou, haja vista que Afonjá também é o seu guardião de cabeça, o Corpo dos Obás continua sublime, ao lado da nova Iyalorixá, com a mesma nobreza e pulso firme que Mãe Anninha plantou em 1936. Presença viva e perene da energia de Xangô como esta, não há!

Dedico este artigo a todos Excelentíssimos Obás desta Casa de Força.      
A bênção meus irmãos. 

Kabiêsi! (Salve a Majestade!)


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