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Os doze dias de Xangô: a personificação da “sociedade do fogo”

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Os doze dias de Xangô: a personificação da “sociedade do fogo”

Os doze dias de Xangô: a personificação da “sociedade do fogo”

Voltarei no tempo dos primórdios para falar um pouco sobre o Ẹgbẹ Ina – a Sociedade do Fogo, que desde 1910 se estrutura no Ilê Axé Opô Afonjá. 

Torossi, também conhecida por Iyámassê Malê, filha do Rei Elempê, descendente dos Tapas Nupês – grupo étnico da África Ocidental, casou-se com Oranyan, Rei da Cidade de Ifé na Nigéria(considerada o berço da civilização humana e da tradição ioruba). Com ele teve um filho – Dadá Ajaká, o irmão mais velho de Xangô. Segundo Eduardo Fonseca Júnior, no dicionário Yorubá/Nagô - Português, Ajaká teria sido o terceiro Alaafin Oyó – Rei da Cidade de Oyó na Nigéria, 1500 a 1450 a.C. onde Oranyan teria sido o segundo, 1600 a 1500 a.C e Okanbi o primeiro, 1700 a 1600 a.C. Já outros estudiosos afirmam que ele teria sido o segundo Alaafin, substituindo seu pai Oranyan, fundador deste Império.

Com fama de impetuoso e ávido por poder, Xangô destrona seu irmão Ajaká, que impedido de usar a coroa de Alaafin – o Senhor do Palácio, foi exilado de Oyó. Constrangido com a destituição, Ajakápassa utilizar o Adê Bayani ou Banni – coroaadornada com búzios, da qual esconde o seu envergonhado rosto. Há relatos de que Ajaká restaurou seu reinado voltando a usar o Adê Alaafin após Xangô ter abandonado o trono. Entretanto, nos mais antigos Terreiros de Candomblé da Bahia, a exemplo do Gantois e Opô Afonjá, Dadá Ajaká é cultuado dentro da cosmogonia do Adê Bayani,epíteto que qualifica o seu comportamento social de pacificidade, o que o difere completamente de seu irmão.

De volta ao Novo Mundo – desde 1910 no Ilê Axé Opô Afonjá, aos onze dias do mês de julho, acontece à festa de Iyámassê. Vale ressaltar que Iyámassê não é Iemanjá. Esta cerimônia é uma grande homenagem que Xangô faz para sua mãe, onde todo o Ẹgbẹ Ina é reverenciado: Iyámassê, Afonjá, Axabó – irmã de Xangô, Ayrá, Oranyan e Dadá Ajaká, onde, durante o dia, após as obrigações internas, a mãe de santo dá para cada filho uma pena de galinha d’Angola, onde as mulheres põem na cabeça e os homens no bolso da camisa onde possa ficar a vista, pois, este “totem” significativo é justamente para marcar os seus filhos, evitando assim que o mal recaia sobre eles. Cada elemento nesta cerimônia tem a sua representação tangível, fazendo com que essas energias se façam presentes em toda a sua essência. A mãe de santo, por exemplo, é a representatividade do próprio Xangô ao carregar o Okó (cetro adornado com tecidos coloridos) – a força masculina; já as penas da galinha d’Angola é a representação da força feminina, onde Axabó Orixá ligada ao culto das Iyámi – Senhoras Ancestrais tem a sua dinâmica. A charola, que é carregada pelos Obás – Ministros do Rei, em procissão da Casa de Xangô até o barracão de festas é a própria representação de Iyámassê e seu filho Dadá. 

Em todo onze de julho, os Obás se apresentam com a faixa ministerial, onde cada um é identificado com seu nome litúrgico. Na procissão, somente os Obás da direita carregam o xeré - chocalho metálico que tem o poder de invocar Xangô [vide artigo: Obás de Xangô: os Ministros do Rei]. Além da Iyalorixá e dos Obás, mais duas peças importantíssimas fazem parte desta conjuntura. A Kolabá – mulher responsável em carregar o Labá de Xangô – grande bolsa de couro onde seus mistérios são preservados e resguardados, e, o Omo Dadá – a representação do próprio Ajaká. Após 07 anos do falecimento da antiga Kolabá - tia Haydê de Oxun, neste ano de 2023, Xangô escolheu sua sucessora – Jane Cresus Montes, que também é filha de Oxun e foi confirmada aos pés de Xangô como manda a tradição para ser a atual Kolabá do Ilê Axé Opô Afonjá.

Neste ano em particular, algumas pessoas estranharam a composição do clã, onde um homem de faixa ministerial, entretanto, sem nome para identificá-lo e com cores bem peculiares estava no rol dos Ministros. Este membro, novo em sua aparência física, porém, já agbá – ancião na trajetória religiosa, é o Vitor Brito Carrera. Nascido no final da década de 70, com um tufo no cabelo, que é a reprodução incontestável dos filhos de Dadá e que foi atestado pelo jogo de búzios de tia Stella, Vitor é o único filho deste raro Orixá aqui do Ilê Axé Opô Afonjá, onde seus fundamentos são bem particulares. Filho da saudosa Maria Djalma Brito - Oyá Tundê, a nona filha de santo iniciada por Mãe Stella em 1978, que, anos mais tarde fundara e se tornara Iyalorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Omo T’Oyá; seu pai, Carlos Rodrigues Carrera – o Carlinhos Carrera, Otun Obá Olugbom e neto do também Obá de Xangô, o saudoso Manoel Rodrigues Carrera Filho, Obá Olugbom.

Como toda e qualquer criança do Opô Afonjá, Vitor correu picula, subiu em árvores, jogou bola, empinou arraia etc... Foi batizado como Omo Dadá – filho de Dadá e confirmado em 1994 como Olú Oxê – o Senhor do Oxê/Machado pelo mesmo Xangô que me confirmou em 1991 – Obá Ogodô da minha saudosa “filha” Elza Raimunda, Obá Kayodê. Sua faixa ministerial é diferente da dos demais Obás. Em azul, vermelho e branco, cores do seu Orixá e do Odu Ossá – Odu feminino onde tem os elementos Água, Fogo e Ar como proeminência desta conjuntura, haja vista a grande homenageada do dia. Com isso muita gente estranhou sua presença, pois durante muito tempo Vitor morou fora da Bahia, mas quando por aqui estava nunca faltou às festas do onze de julho. Lembro-me de tia Stella dizer pra ele: “Você pode faltar qualquer festa, mas a festa de Iyamassê o senhor esteja presente!” Portanto, Vitor é uma das peças fundamentais para o acontecimento do onze de julho, assim como a Kolabá, os Obás e a Iyalorixá.

Iyamassê kowa ara ojé.

Iyamassê trouxe a vida ao nosso Ancestral.

Kabiêsi!

Ps. Este artigo é uma memória iconográfica de uma das inúmeras tradições que o Opô Afonjá carrega há mais de um século. A reprodução destes ritos incide na ausência de IDENTIDADE, haja vista que cada casa tem seus ritos e preceitos.

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