Tia Deise: aquela que veio novamente

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Tia Deise: aquela que veio novamente

Hoje irei falar de uma pessoa da qual tive larga convivência. Deise Bispo dos Santos, a tia Deise de Omolu. Nascida em 09 de dezembro de 1935, era filha de Maria Silva e Hilário Bispo dos Santos. Natural de Salvador morou na Rua Airosa Galvão – Barra, mas quando se casou, foi morar no Engenho Velho de Brotas, na Rua Manoel Faustino, onde concebeu seus três filhos: Ana, Verena e Geraldo. Sua relação com o Opô Afonjá partiu da amizade que seu pai tinha com Mãe Senhora, pois durante muitos anos ele foi seu motorista. Nestes intervalos, tia Deise passou a ter mais contato com o Axé, quando em 1959 foi iniciada pelas mãos competentes de Mãe Senhora, passando a se chamar de Iji Tundê – Aquela que veio novamente. Anos mais tarde, voltou a morar na Barra e, aproximadamente no final da década de 70, veio morar aqui no São Gonçalo do Retiro dentro do Ilê Axé Opô Afonjá, onde ficou até o dia que Deus a chamou. Na gestão de Mãe Stella se tornou a Iyámorô, cargo de extrema importância no ritual do Ipadê, veja aqui: Ipadê: o encontro da Ancestralidade - Farol da Bahia.

Bordadeira e Costureira por competência, tia Deise educou e formou seus três filhos com muito amor e dignidade. Ana Verônica, hoje Iyalorixá do Opô Afonjá, recorda com muita saudade dos momentos que teve ao lado dela: “A lembrança que nunca me esqueço, era do cuidado que ela tinha comigo e meus irmãos no que diz respeito à educação escolar. Ela era uma mãe super protetora, contudo, rígida quando necessário. Estava presente em todos os momentos das nossas vidas. Lembro-me que ainda criança, ela costumava a nos contar histórias, onde muitas das vezes embalados com o momento, dormíamos. Para nós, só fica a saudade de ouvir a sua voz nos dizendo: ‘Deus lhe abençoe’. E para além da saudade, tenho absoluta certeza que hoje ela se encontra em outra missão determinada por Olodumaré, onde continua nos protegendo e orientando para que cada um de nós siga nossas vidas dentro dos seus ensinamentos.

Geraldo lembra: “Minha mãe respeitava qualquer um indistintamente. Acolhia todo mundo que chegava ao Opô Afonjá. Ela era uma pessoa justa além de muitas outras qualidades. Saudades!” Recorda Carlos Geraldo, seu filho e Ogan de Ogun, escolhido ainda no ventre. Já eu, tenho muitas lembranças de tia Deise. Uma dessas muitas lembranças era quando íamos para Areia Branca – para o Ilê Axé Obanã, Terreiro cuja liderança até os dias de hoje é seu esposo, tio Flaviano. Eu adorava ir pra lá. Pegávamos o ônibus de São Joaquim e descíamos na estação da Calçada. O ônibus ia carregado com todo tipo de mercadoria. Parecia um caminhão de pau de arara. Ir para Areia Branca parecia uma grande romaria. Era tanta sacola, mala e mochila que parecia que íamos morar lá. Antigamente, Areia Branca parecia àqueles interiores bem distantes. Pois, asfalto e água encanada ainda não era uma realidade daquele lugar. Em alguns trechos, nem iluminação tinha. Quando chegávamos, tio Flaviano nos hospedava na casa de Xangô. Eu, minha mãe, minha irmã, tia Deise e muitas vezes Ana, dormíamos lá. Eram dias inesquecíveis.


Antônio Olinto, Zora Seljan e Deise
Arquivo da família

Como não tinha água encanada, os mais novos iam buscar água no rio ou na represa. Era uma folia danada. No entanto, tia Deise algumas vezes ia para colocar ordem, pois como eu estava no meio da meninada, ela ficava preocupada, e aí ela acompanhava-nos para me olhar. Quando a brincadeira extrapolava, não era nem preciso falar nada. Só no olhar eu percebia que a bronca era certa. Como disse Mãe Ana, ela era rígida! Outra passagem que tenho com tia Deise já foi com ela bem idosa. O esquecimento começou a se fazer presente. Situação que dentro do seio familiar traz muita tristeza. Sei disso porque já passei por isso com meu pai. Certa feita, ela passeando pela roça me viu e me chamou pelo nome. “Adrianinho. Cadê Nivalda?” Tomei sua bênção e começamos a conversar. A cuidadora em off me perguntou se meu nome era Adrianinho mesmo e quem era Nivalda, pois ela não lembrava de muita coisa. Então conformei, e ela ficou muito contente com a novidade, pois há dias que ela não via tia Deise interagir sem estar brigando. Eu fiquei muito feliz em saber que perante as circunstâncias, eu permanecia em sua memória. Hoje, sete anos de sua partida, rendo-lhe esta singela homenagem, pois só quem morre é aquele que não é lembrado.

Tia Deise nos deixou em 30 de janeiro de 2017, com a esperança do reencontro com seus Ancestrais. Pois como seu próprio nome traduz, ela é aquela que veio novamente!

Salve Iji Tundê.

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