2 de Julho além do cortejo oficial: a importância das festas pela independência nos bairros de Salvador
Neste 2 de Julho, o Farol da Bahia resgata a memória dos bairros que, por mais de um século, celebraram a independência com festas e desfiles próprios

Foto: Adeloyá Magnoni/Divulgação FGM
Por mais de um século, bairros históricos de Salvador realizavam seus próprios desfiles em celebrações ao 2 de Julho, que aconteciam “fora de época”. Painéis, carros alegóricos improvisados, bandeiras e decorações nas fachadas tomavam conta da Baixa dos Sapateiros, Barroquinha, Soledade e outras comunidades que criaram suas próprias tradições.
Neste ano, o 2 de Julho completa 202 anos, e o vigor dessa festa permanece nas ruas graças à atuação de quem vive nelas. “As pessoas começaram a organizar ações espontâneas que tinham o intuito de agregar a comunidade e valorizar a história local”, explicou o historiador Rafael Dantas ao Farol da Bahia.
Segundo o especialista, os bairros assumiram um papel central na celebração desde o século XIX, criando manifestações paralelas ao cortejo oficial, mantendo viva a memória da luta e tornando o 2 de Julho uma festa construída por quem sempre esteve à margem da história.
Na Baixa dos Sapateiros e na Barroquinha, registros apontam que, no início do século XX, moradores montavam carros alegóricos, decoravam portas e participavam ativamente da festa. Na Lapinha e na Soledade, os casarões coloniais servem de palco para enfeites, salvas de fogos e homenagens improvisadas aos combatentes da Independência. No bairro Dois de Julho, além do famoso chafariz com a imagem da Cabocla, os moradores também organizavam intervenções locais e pequenos cortejos.
Rafael Dantas lembra que esses “2 de Julho de bairros” tornaram-se parte fundamental da celebração. “É a população que faz a festa. O evento tem como característica principal a participação popular, e mesmo com o passar do tempo e as mudanças na organização oficial, o protagonismo dos bairros permanece crucial para a tradição”, afirma o historiador.
Com o passar dos anos, a dinâmica do 2 de Julho em Salvador se transformou. O crescimento das pautas políticas e as mudanças no perfil da festa fizeram com que algumas tradições de bairro perdessem espaço. "A festa ganha diversos contornos, cada vez mais pontuada por uma participação popular, mas também por um lado político muito forte. As pessoas acabam assumindo outras dinâmicas, existem outras diretrizes para a organização da festa, os moradores e os bairros, mesmo atuantes no processo do trajeto, estavam tendo outras prioridades”, explica o historiador.
Cortejo que percorre a história
Foto: Marisa Vianna/Divulgação
O cortejo oficial do 2 de Julho nasceu logo após a conquista da Independência, em 1824. Naquele ano, veteranos organizaram uma festa para celebrar a vitória, utilizando uma carruagem tomada dos portugueses na Batalha de Pirajá. Nela, colocaram um mestiço descendente de indígenas que percorreu o trajeto do Largo da Lapinha ao Terreiro de Jesus, num ato de celebração e resistência popular.
Em 1828, foi construído o primeiro carro alegórico definitivo para a celebração, e em 1835, a Sociedade Dois de Julho ergueu uma edificação no Terreiro de Jesus para guardar os emblemas da festa. O espaço, mais tarde, deu lugar ao atual Memorial 2 de Julho, construído em 1918 pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
O cortejo mantém até hoje um percurso carregado de simbolismo, passando por locais históricos e bairros populares de Salvador. A primeira etapa começa no Largo da Lapinha, segue pelo Corredor da Lapinha, Largo e Ladeira da Soledade, ruas como São José de Cima, Emídio dos Santos, Perdões, até o Largo da Quitandinha do Capim e o Terreiro de Jesus, passando também pela Praça da Sé, Rua da Misericórdia e Praça Municipal.
A segunda parte do cortejo segue da Praça Municipal, atravessa a Rua Chile, Praça Castro Alves, Avenida Sete de Setembro, desfilando no contrafluxo da via, até chegar ao Campo Grande, onde se concentram as homenagens finais, discursos, apresentações culturais e atos de celebração.
Foto: Marisa Vianna/Divulgação
Em 2025, o costume popular de enfeitar as fachadas será tema de um concurso oficial, realizado pela primeira vez em 2018. A iniciativa, realizada pela Prefeitura de Salvador, busca valorizar o envolvimento popular e a beleza arquitetônica do trajeto por onde passa o cortejo cívico.
O cortejo de hoje mantém o que fez o 2 de Julho atravessar séculos: a festa não é dos grandes nomes ou das autoridades, mas das pessoas comuns, dos bairros, das janelas enfeitadas, das fanfarras e dos blocos que transformam as ruas em memória viva.
2 de Julho
Em 1823, quase um ano após a proclamação da Independência em 7 de Setembro, a Bahia ainda permanecia sob domínio das tropas portuguesas. Foi nas ruas, vilas e cidades baianas que se travaram as batalhas decisivas para consolidar a separação do Brasil em relação a Portugal.
No dia 2 de Julho daquele ano, as forças brasileiras venceram os últimos focos de resistência portuguesa e expulsaram o exército inimigo de Salvador, marcando a verdadeira independência do território baiano e assegurando a integridade do Brasil recém-independente.
Desde então, a data se tornou símbolo da luta popular, com protagonismo das camadas populares e interioranas.