60% da energia elétrica do mundo vem de combustíveis fósseis
A produção de energia elétrica responde por um terço das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera
Desde o Acordo de Paris, firmado em 2015, países adotam medidas para aumentar a participação de fontes renováveis na produção de energia elétrica. Levantamento da Folha de S.Paulo indica que o cenário mudou em 149 países, que passaram a usar mais energia provinda de sol, vento, água e biomassa na equação da produção elétrica. O avanço, entretanto, reflete pouco na situação global.
Mais da metade da eletricidade produzida no mundo -60% ou 18,2 mil terawatt-hora (TWh)- ainda vem de combustíveis fósseis, de fontes como carvão, gás natural e petróleo.
A produção de energia elétrica responde por um terço das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, segundo dados de 2022 da plataforma Climate Watch.
Na última década, a fonte alternativa que mais cresceu para a produção de eletricidade foi a solar, saindo de 1% para 6,9%. A eólica também registrou avanço de 3,5% para 8%.
A análise usa dados da Ember, grupo britânico de pesquisa sobre tecnologias de energia limpa. Fontes limpas são hidrelétrica, solar, eólica, biomassa e outras; já as não renováveis são os combustíveis fósseis e a energia nuclear.
Para cada país, a reportagem usou dados mais recentes disponíveis. Os de 2024 são uma estimativa com informações de 91 nações que cobrem 96% da demanda global de energia.
Responsável por um terço da energia elétrica global, a China reduziu o peso dos combustíveis fósseis para a eletricidade, saindo de 73 para 62%. Na última década, o país implementou um plano de adesão à energia solar e eólica, que hoje respondem por respectivos 8% e 10%.
O avanço chinês visa alcançar segurança energética, ou seja, ter no limite do território recursos energéticos -renováveis e não renováveis- suficientes para atender a demanda do país.
"A transição energética pretende aumentar a capacidade produtiva de energia elétrica por fontes renováveis, como sol e vento, que são 'produtos' nacionais. Como o país tem sol e vento no espaço geográfico, diminui a importação de petróleo e gás e não fica sujeito à geopolítica energética", diz Nivalde de Castro, professor da UFRJ e coordenador do Gesel (Grupo de Estudos do Setor Elétrico).
Enquanto a China tem pretensão de liderar ações climáticas, os Estados Unidos mudaram de posição no governo do presidente Donald Trump, que cancelou o financiamentos de projetos voltados à pesquisa e implantação de energia limpa.
Na última década, o peso dos combustíveis fósseis na matriz elétrica americana foi de 67% para 58%. O aumento de energia solar e eólica para a eletricidade foi de respectivos 7% e 10%.
Já o Brasil está entre os países com maior adesão de energia renovável na produção de eletricidade, com 88%. Dominada por hidrelétricas, a matriz elétrica ficou mais diversa nos últimos anos, com aumento de energia solar (hoje de 10%) e eólica (14%).
"O Brasil sempre vai precisar de uma parte de usinas não renováveis por causa das incertezas sazonais", diz Castro. "Temos um potencial muito grande de energia eólica e solar, dada a dimensão continental do Brasil, e de sermos país tropical, onde venta muito e faz muito calor".
Em proporção, o país que mais avançou na adesão de fontes renováveis desde a assinatura do Acordo de Paris foi Luxemburgo. Em 2015, 32% da energia elétrica vinha de recursos renováveis. Em 2024, o número saltou para 90%. A biomassa liderou esse processo, passando de uma participação de 10% em 2015 para 30% em 2024. Houve redução significativa no uso de carvão, que caiu de 63% para 5%.
Fontes renováveis são responsáveis por ao menos metade da produção de energia elétrica de outros 65 países. Entre eles está o Chile, que em uma década aumentou o peso de energia limpa de 43% para 70%.
A maior parte dos países (143) têm mais da metade da produção elétrica originada em fontes não renováveis, caso da Índia, onde 74% da energia vem do carvão, que é uma vasta reserva do país. Também possuem patamares altos com energia elétrica vinda desse recurso a Mongólia (86%), a África do Sul (82%) e a Indonésia (69%).
Outros países são puxados pelo uso de gás natural, como Qatar, que depende quase totalmente (99,7%) desse recurso para a produção de energia. Apenas em 2012 o país passou a produzir energia por uma fonte renovável.
O gás natural também aparece como fonte principal de Tunísia (95%), Egito (82%), Irã (80%) e Nigéria (77%).
A redução do uso de combustíveis fósseis para geração de energia é um dos principais temas da COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que acontece em Belém (PA) em 10 de novembro.
Essa será a primeira conferência na história que não vai discutir como evitar o aquecimento global de 1,5°C acima da era pré-industrial, limite estabelecido no Acordo de Paris. O foco agora é encontrar mecanismos que consigam gerar um efeito em cascata para impedir o colapso da Terra.
Segundo dados do observatório Copernicus, da União Europeia, a temperatura média no planeta em 2024 foi de 15,10°C. O ano também foi considerado o mais quente da história da humanidade.
A temperatura média global de 2024 ultrapassou essa barreira e atingiu o patamar de 1,6°C superior aos valores de 1850 a 1900, o parâmetro para os termômetros antes da emissão em larga escala de gases estufa.
Uma das abordagens articulada pela presidência brasileira da COP30 é a definição de quais países têm mais condições de iniciar a transição energética. Nesse cenário, são consideradas a responsabilidade histórica dos países no agravo da crise climática, a capacidade econômica, a dependência de energia não renovável e a qualidade do petróleo, gás ou carvão produzido.
Um dos maiores entraves para a delimitação de novos objetivos é que a maioria dos países membros da UNFCCC -o braço das Nações Unidas que cuida deste tema- não entregaram suas metas nacionais para redução de emissão dos gases que causam o efeito estufa (NDCs).


