BC aperta regras para contas e capital mínimo de instituições financeiras em combate a crime organizado
As instituições devem utilizar critérios próprios para identificar essas irregularidades, podendo utilizar dados armazenados em bases públicas ou privadas

NATHALIA GARCIA - O Banco Central anunciou nesta segunda-feira (3) novas regras que determinam o encerramento de "contas-bolsão" irregulares e elevação do capital mínimo exigido de instituições que operam no país.
 
 As mudanças fazem parte de um conjunto de medidas para endurecer as regras aplicadas às instituições e reforçar a segurança do sistema financeiro em resposta à infiltração do crime organizado na economia.
 
 As novidades foram apresentadas pelos diretores Gilneu Vivan (Regulação), Ailton de Aquino (Fiscalização) e Izabela Correa (Cidadania e Supervisão de Conduta).
 
 Contas-bolsão são contas correntes abertas por fintechs de pequeno porte, que não têm acesso ao sistema brasileiro de pagamentos, em bancos tradicionais e outras instituições de pagamento.
 
 O BC estava debruçado sobre a regulação desse tipo de conta depois que investigações mostraram que facções criminosas se aproveitaram desse instrumento para ocultação de bens, lavagem de dinheiro e evasão fiscal.
 
 Correa reforçou que contas lícitas, como as usadas para pagamentos ou transferências internacionais (eFX), por exemplo, não serão afetadas pela medida.
 
 Segundo a autoridade monetária, as instituições deverão encerrar as contas de clientes quando identificarem a prestação de serviços financeiros ou de pagamento em desacordo com a regulamentação, com objetivo de ocultar a identificação de terceiros. A nova regra entra em vigor em 1º de dezembro.
 
 As instituições devem utilizar critérios próprios para identificar essas irregularidades, podendo utilizar dados armazenados em bases públicas ou privadas. O encerramento deve ser comunicado ao cliente.
 
 "A medida visa fortalecer os mecanismos de prevenção e controle das instituições financeiras, contribuindo para a integridade e a segurança do sistema financeiro nacional", disse o BC em nota.
 
 Com relação às novas regras para apuração do capital mínimo de instituições, a definição dos valores passa a levar em conta principalmente as atividades efetivamente exercidas, não mais o tipo específico das entidades. A norma entra em vigor imediatamente, mas prevê um período de transição.
 
 A nova metodologia prevê uma parcela do capital mínimo para cobrir o custo inicial da operação e os custos associados aos serviços intensivos em infraestrutura tecnológica. A primeira parcela se aplica a todas as instituições, de acordo com sua complexidade, enquanto a segunda somente às instituições que pratiquem os serviços que requerem uso intensivo de tecnologia.
 
 O cálculo do adicional de capital levará em consideração três categorias de atividades: operacional (concessão, intermediação, custódia ou serviços), investimento (restrita ou livre) e captação.
 
 Na captação, estão inseridos depósitos; recursos como LCI (Letra de Crédito Imobiliário), LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) e emissão de títulos; institucionais (cessão de crédito para outra instituição e empréstimos originados em outra instituição); e recursos próprios (capital da própria instituição).
 
 Quanto mais sensível ao risco moral, maior o valor exigido pelo regulado. No caso dos bancos, o capital exigido ia de R$ 7 milhões a R$ 77 milhões pela regulação antiga. Com a mudança na regra, passa agora a ser de R$ 56 milhões a R$ 96 milhões. Para as instituições de pagamento, o valor mínimo salta de R$ 1 milhão para R$ 9,2 milhões, enquanto o máximo sobe de R$ 9 milhões para R$ 32,8 milhões.
 
 "A gente tem um quadro claro onde você vê a complexidade das instituições sendo refletida num capital mínimo que cada uma dessas entidades vai ter que manter ao longo da sua vida", afirmou Vivan.
 
 Para o diretor de Regulação, a questão é "adequar a atividade ao risco e nivelar todo mundo na mesma régua, o que a gente está fazendo é equilibrando risco, inovação e segurança."
 
 Cooperativas de capital e empréstimo podem ser autorizadas com 20% desse valor, devendo chegar a 100% em cinco anos.
 
 Segundo Aquino, da área de Fiscalização, cerca de 500 instituições em um universo de 1.800 entidades serão afetadas pela medida e terão de reforçar suas estruturas de capital. "Olhando o sistema financeiro como um todo, isso é 0,4% do patrimônio. Mas é um reforço relevante", disse. O capital adicional para esse grupo impactado subirá de R$ 5,2 bilhões para R$ 9,1 bilhões, segundo cálculos do BC.
 
 "Não acredito em uma IP [instituição de pagamento] com capital inicial de R$ 1 milhão para fazer face a necessidades de tecnologia, de contratar auditor, de montar uma boa estrutura", afirmou Aquino, ressaltando que inovação e segurança devem caminhar de forma conjunta.
 
 "Trazer esse número por volta de R$ 9 milhões a R$ 32 milhões operando com Pix é algo que entendo como bastante importante nesse momento, até porque vivenciamos nos últimos meses situações desagradáveis no sistema financeiro nacional. É um processo evolutivo, mas também uma resposta para isso", complementou.
 
 O regulador prevê um cronograma de transição para que as instituições já em operação bem como aquelas com pedidos de autorização ainda em análise pelo BC possam se ajustar às novas regras.
 
 Até 30 de junho de 2026, pode ser mantido o capital social integralizado e o patrimônio líquido mínimos exigidos pelas regras vigentes atualmente.
 
 De 1º de julho de 2026 a 31 de dezembro de 2027, esse valor deve ser acrescido gradualmente da diferença entre o valor exigido pelas novas regras e o anterior, nos seguintes percentuais: 25% até 31 de dezembro de 2026, 50% até 30 de junho de 2027 e 75% até 31 de dezembro de 2027. A partir de 1º de janeiro de 2028, 100% deve estar enquadrado conforme as novas regras.
 
 "A gente vai passar por um processo ou de uma saída organizada ou uma reorganização societária ou uma incorporação", disse Aquino. "Saída organizada é uma entidade pedir para deixar de ser uma instituição financeira ou operar com outra instituição, sem necessitar de um processo de liquidação."
 
 Vivan também apontou que as instituições podem redefinir suas atividades, reduzindo o escopo de atuação e, consequentemente, do capital mínimo exigido para o seu funcionamento.
 
 A nova regulação também requer uma parcela adicional de capital às instituições que utilizem em sua nomenclatura a expressão "banco" ou qualquer termo em português ou em outro idioma em que se possa fazer essa associação.
 Aquino enfatizou ainda a necessidade de estruturas robustas para instituições financeiras, dizendo que não vê como mais adequado um capital mínimo de R$ 245 mil (caso de corretoras).
 
 "Recentemente, tivemos que editar uma norma muito engraçada que uma entidade não pode ter como ponto de contato com o Banco Central um coworking [modelo de escritório compartilhado]", afirmou. "Chegamos ao absurdo de ter instituições de pagamento que a gente ia supervisionar que tinha coworking."


