Brasil lidera ritmo de alta de juros em 2021, com inflação entre as três maiores do mundo
Pelo menos 14 bancos centrais começaram a retirar estímulo dado na pandemia

Foto: Matthias Kulka/Getty Images
Apesar da demora, criticada por muitos economistas, do Banco Central do Brasil (BCB) em ver o risco de inflação e dar início ao ciclo de alta dos juros, a instituição brasileira é destaque entre as que reagiram de maneira mais rápida diante do cenário de aumento de preços em escala global.
Segundo dados coletados pelo BIS, o banco central dos bancos centrais, o BC brasileiro está entre as 14 autoridades, de um total de 32, que já começaram a elevar a taxa básica de juros para reverter parte do estímulo adotado durante a pandemia.
Os números do BIS e de outros órgãos internacionais mostram também que o ritmo de crescimento dos juros brasileiros é o maior entre todos aqueles analisados. A entidade internacional aponta também que o Brasil está entre as três economias com inflação mais elevada no acumulado em 12 meses (10,67%), atrás apenas de Argentina (52%) e Turquia (19,9%). O país também voltou a liderar o ranking de juros reais.
O BC do Brasil deve ser um dos que colocarão a taxa em patamar mais elevado em 2022, diante da decisão do governo federal de abandonar o teto de gastos para aumentar despesas no ano eleitoral, o que gerou depreciação adicional do câmbio.
Na nova reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC, marcada para ocorrer na próxima quarta-feira (8), a taxa básica de juros deve ser elevada mais uma vez e sairá dos atuais 7,75% para pelo menos 9,25%. A projeção é que fique próxima de 12% no ano que vem.
As incertezas provocadas pela pandemia levaram economistas do setor privado e os bancos centrais a projetarem um desempenho pior para a atividade e melhor para a inflação em 2020 e 2021. Isso abriu espaço para um forte movimento mundial de corte de juros.
Com isso, praticaram uma política monetária mais com mais estímulo que o necessário, segundo o economista José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos. Ele ressalta que o BC brasileiro foi um dos primeiros a iniciar essa correção de rumo.
José Júlio Senna, pesquisador associado do FGV Ibre, afirma não ver exagero na ação dos bancos centrais durante a pandemia. Diz que a inflação continua sendo sistematicamente subavaliada, inclusive pelo setor privado, que chegou a avalizar a possibilidade de que os juros caíssem ainda mais no Brasil. Para ele, o BC brasileiro poderia ter sido mais prudente no corte de juros, mas isso não evitaria o problema da alta inflação vivida hoje no país.
A taxa básica de juros brasileira (Selic) começou a subir em março e já é o maior aperto monetário em 2021 no grupo de países avaliado. O segundo maior está com a Rússia que elevou os juros de 4,25% para 7,50% ao ano desde março
Antes do decreto da pandemia, sete desses países possuíam juros mais altos que os do Brasil na época (4,5% ao ano). Atualmente, somente Argentina (38%) e Turquia (16%) têm taxas maiores.
Considerando o juro real, descontada a projeção de inflação para os próximos 12 meses, o Brasil voltou a ser o líder mundial entre as economias analisadas (5,96% ao ano), segundo levantamento das instituições MoneYou e Infinity Asset Management feito no final de outubro. Hoje, já supera 6% e pode chegar a cerca de 7% em 2022.
José Márcio Camargo afirma que praticamente todos os países fizeram políticas monetárias e fiscais extremamente agressivas em 2020, e a demanda caiu menos do que o esperado. Isso gerou pressões inflacionárias que se somaram àquelas provocadas pela combinação de gargalos de oferta e choques de preços de commodities.
"Os economistas de modo geral e as autoridades monetárias do mundo todo erraram nas suas expectativas para inflação e crescimento em 2020 e 2021", afirma José Márcio Camargo. "Você acabou gerando uma inflação acima da meta praticamente no mundo inteiro, e os bancos centrais passaram a correr atrás", complementou.
José Júlio Senna afirma que a chamada "inflação da pandemia" é um fenômeno raro e difícil de ser previsto, isso explica os constantes erros de projeção, inclusive com os modelos do BC e de diversos outros analistas mostrando, no início do ano, que uma taxa menor de juros seria capaz de colocar a inflação na meta.
"O Banco Central errou? O mercado errou junto. Todo mundo errou. No mundo inteiro. Ninguém previu uma inflação desse jeito", afirma. "Seria melhor começar a normalização de um patamar de juros mais alto, de 2,5% ou 3%, mas definitivamente não é isso que está fazendo a diferença", diz o economista, que destaca a piora no risco fiscal que contribuiu para piorar as expectativas de inflação.
José Márcio Camargo, da Genial Investimentos, afirma que a inflação atual não é apenas um choque de oferta. O aumento da demanda e a queda na oferta de bens geram pressões que devem ser revertidas, também, pela ação da política monetária. O tamanho do aperto necessário vai depender da capacidade de o governo federal recuperar a credibilidade abalada pela mudança no teto de gastos, o que ajudaria a reduzir a pressão gerada pelo câmbio.
José Júlio Senna diz que o BC precisa controlar as expectativas, mas que um aperto exagerado terá um custo muito elevado para o crescimento e um ganho baixo em termos de inflação. Por exemplo, chegar aos mais de 13% ao ano projetados na curva de juros para 2022, acima da projeção de 11,5% na pesquisa Focus com o mercado, reduziria a inflação em cerca de 0,20 ponto percentual.
Ele lembra que a taxa real de juros já está elevada, em um mundo em que taxas negativas ainda são predominantes. Além disso, a economia já mostra sinais de estagnação e o Ibre prevê contração em 2022. "Forçar a mão no juro agora seria ganhar pouco na inflação e perder muito na atividade."
Apesar da expectativa de que o IPCA recue de aproximadamente 10% neste ano para cerca de 5% no próximo, o índice ainda estará entre os três maiores globais, porém mais próximo de Índia e Rússia, segundo projeções coletadas pelo Banco Mundial.
O Banco Central dos EUA e Banco Central Europeu também já preparam a redução de estímulos, que nesses casos inclui a compra de ativos para injetar dinheiro na economia.


