Casamento homoafetivo, união estável e guarda de pets: veja o que pode mudar no Código Civil
Mesmo sem consenso do parceiro, uma das partes do casal poderá ir ao cartório e exigir separação

Foto: Agência Brasil
O Senado discute um conjunto de mudanças no Código Civil que tem gerado intensos debates entre juristas, especialmente na área do Direito de Família. A proposta prevê uma reformulação abrangente nas regras sobre casamento, regimes de bens e uniões afetivas. As informações são do jornal O Globo.
Entre os pontos de maior destaque está a inclusão expressa do casamento entre pessoas do mesmo sexo no texto da lei, uma prática já reconhecida pelo STF desde 2011, mas que agora pode ser formalizada no Código Civil.
A proposta também traz alterações na linguagem jurídica, como a substituição do termo “solteiro” para “convivente” em casos de união estável. Além disso, equipara essa forma de união ao casamento em temas como partilha de bens, responsabilidades com os filhos, divisão de despesas e até na guarda de animais de estimação.
Segundo o anteprojeto, passará a ser reconhecido também a “família parental”, formada por pelo menos um ascendente e seu descendente ou por parentes colaterais que integram a vida sob o mesmo teto, como irmãos e primos. A proposta cria obrigações comuns e recíprocas entre os membros, como possível direito à pensão e respaldo jurídico em decisões médicas, patrimoniais ou de guarda.
Separação unilateral
No caso do pedido, está prevista a possibilidade de que ele seja realizado de forma extrajudicial unilateral, diretamente no cartório, com a dívida de assistência jurídica, mesmo sem o consentimento da outra metade do casal. Quando a participação estiver em local desconhecido, uma notificação poderá ser feita por edital.
"Seria uma forma de desburocratizar um direito, dado que a outra parte não pode impedir o fornecimento. A desvantagem é que pode interferir na aparência do estado civil sem que o divorciado saiba. Mas acredito que a ponderação de interesses é mais positiva do que negativa", avalia Rose Meireles, professora de Direito Civil da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), classificando a mudança como bem-vinda desde que se trabalha apenas em mérito profissional.
Caso não haja acordo entre as partes quanto à divisão dos bens, por exemplo, o casal ainda terá que recorrer à Justiça para organizar os direitos e deveres de cada um. A advogada Silvia Marzagão, presidente da Comissão de Família e Sucessões OAB de São Paulo, pondera, no entanto, que a nova norma abre brechas, já que não detalha que forma o envolvimento será notificado pelo cartório e nem em qual prazo.
"O que pode acontecer é uma pessoa se separar e, em seguida, se casar novamente com comunhão universal de bens, sem ainda ter feito a partilha com a participação anterior. Neste caso, terá que ser apurado quanto a pessoa tinha patrimônio antes do segundo casamento, e isso pode se tornar um processo ainda mais moroso", explicado.
Outra mudança relevante trazida pela proposta é a possibilidade de que pais em processo de separação resolvam temas como o pagamento de alimentos e a guarda dos filhos menores de 18 anos sem precisar ir à Justiça.
"Isso se houver consenso entre as partes. Ou seja, se aprovar a reforma, um subsídio com filhos poderia ser 100% gerido de forma extrajudicial", frisa Rose Meireles.
Nesse caso, explica a professora, o cartório encaminharia o documento ao Ministério Público, que atuaria como fiscal e a favor dos interesses da criança ou adolescente. Um impacto da medida, segundo a professora da Uerj, pode ser a redução no número de processos:
"O ideal é exatamente isso, que o Poder Judiciário fique somente com as demandas que as partes não forneçam resolver por si mesmas".
O texto também prevê que os casais podem alterar o regime de bens por escritura pública, sem necessidade de autorização judicial, além de permitir as “cláusula de caducidade” — cláusulas que estabelecem alterações automáticas no regime após certo tempo de convivência. Assim, um casal pode, por exemplo, escolher permanecer junto por dois anos sob regime de separação total de bens e, após esse período, mudar automaticamente para a comunhão parcial. Outro dispositivo acaba com a separação obrigatória de bens no casamento de maiores de 70 anos, em consonância com o entendimento do STF sobre o tema.
A proposta impõe como deveres de ex-cônjuges partilhar despesas “destinadas à manutenção dos filhos e dos dependentes”, assim como dos animais de estimação. Contudo, a falta de categorização sobre quem seriam esses dependentes poderia abrir brechas.
"Não diz se é dependente previdenciário, se é dependente legal, ou se é apenas uma utilização do termo para se referir ao que depende financeiramente. Assim, sogras, sobrinhos, primos, até eventualmente amigos que dependam desse casal, podem ser categorizados todos, e incluiremos essas despesas como se também fossem do casal", analisa Marzagão.
Herança gera debate
No caso do direito à herança, as alterações apresentadas também são alvo de debates. O novo texto prevê que a participação seja retirada da posição de herdeiros necessários — aquele que tem direito garantido por lei a uma parte do patrimônio. A proposta destaca que, em caso de falecimento, a viúva ou o viúvo só herda os bens se não houver descendentes ou ascendentes vivos.
Hoje, pelo Código Civil, são herdeiros necessários filhos, netos, pais, avós, marido e esposa. Eles não serão abandonados, salvo em casos específicos previstos na lei, como abandono ou crime contra o responsável pela herança.
"A participação foi incluída no papel de herdeiros num processo mundial de reforço da sua posição sucessória. Mas o que se obtém com o tempo é que isso trouxe mais problemas do que soluções. Principalmente em razão das mudanças verificadas nas novas concepções de família", frisa a professora e desembargadora Mairan Gonçalves Maia Júnior, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. — As famílias foram reconstruídas, com vários núcleos diferentes. Ela se tornou uma instituição instável. A exclusão da participação possibilita um melhor planejamento sucessório.
Para a professora Rose Meireles, o ideal seria que a participação seguisse como herdeiros necessários e que a renúncia à posição de sucessor fosse feita em um pacto antenupcial, possibilidade prevista em outro artigo da proposta:
"Há uma questão de gênero muito forte nessa situação de pessoas casadas em regime de separação de bens. A parte mais fragilizada em termos econômicos é a mulher, que vai ficar sem a herança".
Outro direito do envolvimento previsto no projeto é o de seguir habitando na residência do responsável pela herança quando este for o único bem do inventário e ele não tiver renda ou patrimônio suficiente para se sustentar. Contudo, a norma não valeria apenas para a participação, mas também para “remanescentes da família parental” que deveriam demonstrar o convívio familiar comum. Para o desembargador Maia Júnior, os termos são genéricos.
"(O texto) fala em “remanescentes da família parental”. É o cunhado? Ó gênero? Outro trecho diz: “Desde que demonstrem convívio familiar comum”. Significa “desde que morem na mesma casa”? São conceitos muito vagos que vão dar margem para discussão. É tudo o que não se precisa na sucessão".