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Centenário de Mãe Stella de Oxóssi: pesquisa genealógica revela que casa onde nasceu Ruy Barbosa pertenceu à bisavó da ialorixá

Em conversa ao Farol da Bahia, o historiador Diego Copque deu detalhes sobre jornada para construção da pesquisa e destacou importância de preservação do imóvel

Por Bélit Loiane
Ás

Atualizado
Centenário de Mãe Stella de Oxóssi: pesquisa genealógica revela que casa onde nasceu Ruy Barbosa pertenceu à bisavó da ialorixá

Foto: Acervo pessoal

O sobrado onde nasceu Ruy Barbosa, localizado no Centro Histórico de Salvador, abriga uma história de resistência e ancestralidade que vai além da figura do jurista. Uma pesquisa genealógica conduzida por um historiador baiano revelou que a casa foi também o espaço em que morou a bisavó de Mãe Stella de Oxóssi, Benedicta Ignacia Vianna. 

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O estudo do historiador Diego Copque resgata a conexão histórica e inspirou um ato simbólico para reforçar a necessidade de preservação do imóvel, realizado nesta sexta-feira (2), data em que é celebrado o centenário de Mãe Stella.


Adriano Azevedo, Mãe Stella, Milta Azevedo Santos e Diego Copque, da esquerda para a direita. Foto: acervo pessoal

A pesquisa teve início em 2013, a partir de uma conversa casual durante o aniversário de um primo de Diego, sobrinho de Mãe Stella. Na ocasião, ela mencionou a bisavó Maria, uma mulher africana escravizada, da qual ela não tinha muitos detalhes.”Quando Benedicta faleceu, Mãe Stella tinha apenas oito anos. Então ela não tinha informações precisas”, contou ao Farol da Bahia.

A partir do relato, Diego iniciou uma pesquisa que cruzou documentos do Arquivo Público do Estado, notas de tabeliões e registros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons). O que começou como uma busca pessoal ganhou outra dimensão quando o nome de Benedicta surgiu nos documentos. "Ela não se chamava Maria, como Mãe Stella imaginava. Benedicta era o nome, e foi uma revelação".

Benedicta foi trazida para Salvador aos nove anos, de maneira ilegal, após a proibição do tráfico de escravizados. Cativa, tornou-se ganhadeira e, com o dinheiro que conseguiu, comprou sua alforria e a dos filhos. "Ela representa a essência da resistência negra na Bahia no final do século XIX", afirma Diego. Além da liberdade, Benedicta investiu na compra de imóveis — entre eles, o sobrado onde nasceu Ruy Barbosa.

Em meados da década de 1880, Benedicta comprou a casa onde Ruy Barbosa nasceu em 1849. Na época, a Rua dos Capitães, onde ficava o sobrado, ainda não havia sido rebatizada. O nome mudou no início do século XX para Rua Ruy Barbosa, em homenagem ao jurista.

A pesquisa aponta que o imóvel carrega uma ironia histórica dolorosa. A esposa de Ruy, Maria Adelaide Viana, era neta de Miguel Luiz Viana, traficante de escravos de quem Tibério Miguel Luiz Vianna, companheiro de Benedicta, herdara o sobrenome ao conseguir a alforria. "Esse caso tem um apelo ancestral fortíssimo. A casa pertenceu aos algozes e, depois, à descendência de uma mulher negra e livre, que construiu sua independência financeira a partir do ganho", destaca o historiador.

O historiador também denuncia a estrutura excludente da historiografia oficial. "A história escrita no Brasil sempre foi feita pelos vencedores, exaltando seus feitos e apagando a resistência negra. Dizem que não há fontes, mas há, sim. Elas estão nos arquivos, basta disposição para pesquisar", afirma. 

Após a morte de Benedicta, a casa foi a leilão em 1916, e foi arrematada graças a uma campanha popular organizada por Ernesto Simões Filho, fundador do jornal A Tarde. A proposta era transformar o espaço em um colégio em homenagem a Ruy Barbosa, mas isso nunca aconteceu. O sobrado passou por fases de abandono, reformas e hoje pertence à ABI, sob risco de deterioração.

Para Diego, manter o imóvel de pé é preservar duas histórias igualmente fundamentais: a de Ruy Barbosa e a de Benedicta. "A casa é memória do processo de resistência negra em Salvador. Um patrimônio histórico e cultural que, se não tomarmos providências, tende a se perder como tantos outros casarões do Centro Histórico", alerta.

“É uma forma de manter viva a memória dessa mulher negra, humanista e militante, que sempre fez enfrentamento ao racismo e ao apagamento da cultura negra. E, principalmente, de reafirmar que espaços como esse precisam ser preservados, porque contam parte da história negra da Bahia que há muito tempo foi deixada à margem”, conclui.

A pesquisa completa de Diego será publicada no livro De Benedicta & Tibério à Mãe Stella de Oxóssi: a vida em tempo de viver 1850-2025, com previsão de lançamento para o segundo semestre de 2025.

Espera por memorial


Lazáro Menezes/IPAC

A cerca de 700 metros do sobrado, no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, fica a casa onde Mãe Stella nasceu, em 1925. No ano em que se celebra o centenário da ialorixá, também se completa uma década desde que o Governo da Bahia anunciou a reforma da casa. 

A promessa é de que o imóvel abrigue o Centro de Referência Odé Kayodê, um memorial em homenagem às Matriarcas das Religiões da Matriz Africana, como Mãe Stella, Mãe Aninha do Afonjá e Mãe Menininha do Gantois. No entanto, a obra permanece parada.

Em 2023, a empresa responsável pela execução da obra foi escolhida. Segundo o Diário Oficial do Estado à época, o valor da obra será de pouco mais de R$ 876 mil.

Por meio de nota enviada ao Farol da Bahia, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), responsável pela reforma, informou que o projeto está em fase de conclusão. Veja o posicionamento na íntegra:

“O Instituto do Patrimônio, Artístico e Cultural (Ipac), unidade vinculada à Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBA), informa que está em fase de conclusão a reforma do imóvel onde nasceu a ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, uma das mais importantes sacerdotisas das religiões de matriz africana, no Brasil. O imóvel, situado na Ladeira do Ferrão, nº 6, anexo ao Solar Ferrão, no Centro Histórico, abrigará o Centro de Referência Odé Kayodê, espaço dedicado à promoção de conhecimento e preservação da memória da ialorixá.

Além da reforma do imóvel, o Ipac digitalizou mais de 15 mil arquivos iconográficos, disponibilizados por Mãe Stella, entidades e órgãos públicos. No momento, o Instituto define o recorte curatorial com vistas a construção do projeto expográfico do Centro de Referência Odé Kayodê, que armazenará todo o acervo iconográfico de Mãe Stella e de outras lideranças de religiões de matriz africana.”

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