• Home/
  • Notícias/
  • Cultura/
  • Centenário de Mãe Stella de Oxóssi: escola no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá valoriza herança africana e ensino do iorubá para crianças

Centenário de Mãe Stella de Oxóssi: escola no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá valoriza herança africana e ensino do iorubá para crianças

Criada em 1977, escola Eugênia Anna dos Santos carrega valores deixados pela ialorixá

Por Bélit Loiane
Ás

Atualizado
Centenário de Mãe Stella de Oxóssi: escola no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá valoriza herança africana e ensino do iorubá para crianças

Foto: Farol da Bahia

No terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá, onde Mãe Stella de Oxóssi semeou o legado de resistência e espiritualidade, a educação de centenas de crianças negras se constrói como um ato de afirmação. 100 anos após seu nascimento, celebrado nesta sexta-feira (2), a Escola Eugênia Anna dos Santos segue a missão da ialorixá de ensinar por meio da valorização das raízes africanas.

• A trajetória da ialorixá baiana que se tornou referência na luta contra o racismo religioso

A escola nasceu no bairro de São Gonçalo, em Salvador, no ano de 1977, sob a liderança de Mãe Stella. Hoje a unidade atende cerca de 230 crianças, do grupo 4 da Educação Infantil até o 5º ano do Ensino Fundamental 1. 

O Farol da Bahia visitou a escola e conheceu de perto a aplicação dos ensinamentos que unem tradição e educação - desde os cumprimentos em iorubá até o alfabeto inspirado em grandes nomes da história negra.

“A escola é um dos pontos de cultura que Mãe Stella nos deixa. Nossa proposta pedagógica dentro de uma linguagem bem de chão é uma linguagem de terreiro e essa linguagem de terreiro não traz a religião para dentro da escola, mas a religiosidade. Estamos aqui atravessando dentro da nossa prática a cultura desse lugar, os valores sociais plantados por mulheres”, resumiu a diretora da instituição, Iraildes Santos Nascimento. Veja vídeo:

 

Dentro da proposta pedagógica, o ensino do iorubá ocupa um lugar especial no cotidiano escolar. As crianças aprendem cumprimentos, palavras e expressões cotidianas do idioma ancestral, repetidos em sala de aula e no convívio com a comunidade do terreiro. Mais do que decorar termos, os pequenos entendem o significado e a origem dessas palavras, criando desde cedo uma relação afetiva e de pertencimento com a língua.

A exploração da língua se inspira nos estudos da etnolinguista baiana Yeda Pessoa de Castro, que dedicou décadas à pesquisa das línguas africanas presentes no Brasil. Autora da obra Falares Africanos na Bahia: Um Vocabulário Afro-Brasileiro, Yeda mapeou a presença de idiomas como o iorubá, quimbundo e o jeje no cotidiano baiano. 


Farol da Bahia

“Eu trago os falares africanos na Bahia da professora Yeda, então eu posso dizer que nossas crianças falam em iorubá. Nossa língua aqui [no terreiro] é iorubá e as crianças vêm o movimento da gente, então dentro da renovação da proposta se pensou um adulto entra e diga agô, modupé, então são cumprimentos feitos no dia a dia e nós temos uma lista de palavras de cumprimento e elas foram traduzidas para iorubá e elas aprendem essa base inicial”. 

A vice-diretora e professora da unidade, Catarina Roberta Lima Pedreira destaca que a escola carrega um caráter de continuidade, passando saberes de pais para filhos. “A Eugênia é uma escola de família, tem ex-alunas minhas que já têm filhos e que hoje são meus alunos, é como se passasse de geração para geração”, conta. Sobre o ensino de iorubá, ela explica que o método respeita as fases da infância: com os menores, o aprendizado é mais musical e lúdico, enquanto os mais velhos são situados sobre as origens das palavras, localizando a Nigéria no mapa e compreendendo o significado de cada termo. “A gente coloca as palavras nas paredes e traz para o cotidiano”.

A aplicação dos mitos afro-brasileiros é um dos pilares que orienta o aprendizado. Catarina explica que a abordagem, inspirada no livro Irê Ayó: mitos afro-brasileiros, de Vanda Machado, perpassa por todas as disciplinas essenciais para o currículo educacional.

“A gente trabalha com os mitos e, a partir disso, constrói essa referência toda. Vanda Machado, quando veio aqui, construiu uma pesquisa e um livro que fala sobre esses mitos, e a gente conta até hoje essas histórias para as crianças. A gente constrói o projeto em cima dessas histórias”.

Os contos, como da Galinha Conquém que aprende boas maneiras, são usados para ensinar conceitos de convivência e integrar disciplinas como matemática, ciências, história, geografia e o próprio iorubá. 

“Às vezes você pensa que é algo tão simples, mas é tão rico. A história que fala da Galinha Conquém que não se dava bem com ninguém porque ela não tratava bem as pessoas, e a partir do momento que todo mundo vai dando feedback a ela, que aquele jeito dela estava afastando ela das pessoas, ela aprende palavras mágicas de boa convivência em iorubá. Então a partir dessa história simples, a gente trabalha milhões de coisas”. 


Farol da Bahia

Nos olhares atentos das crianças, é possível perceber a reverência e a conexão com os ensinamentos de Mãe Stella, que ressoam nas ações e nos fundamentos da instituição. "Dentro da nossa prática pedagógica, Mãe Stella deixa um registro da educação sistemática relacionada com a educação afrocentrada. O que tá no Orum e no Ayiê agora está na educação sistêmica", diz Iraildes.


Farol da Bahia

Para Catarina, a verdadeira magia da instituição reside na capacidade de ensinar sobre a identidade negra, algo que vai além do conteúdo acadêmico e mora na conexão profunda entre a história de vida da educadora e a dos seus alunos, que a cada dia se reconhecem em um currículo que fala de sua própria identidade. “Esse para mim é o encantamento maior da Eugênia, trabalhar com questões que falam de mim, eu professora negra, trabalhando com crianças negras e periféricas”.


Arquivo Pessoal

Projeto Irê Ayó



Reprodução/Projeto Irê Ayó

Criado por Vanda Machado, o projeto é a espinha dorsal da proposta pedagógica da Escola Eugênia Anna dos Santos. Pensado como uma forma de integrar a cultura africana e afro-brasileira ao aprendizado cotidiano, o estudo visa criar um ambiente de ensino que celebre a identidade negra e fortaleça a autoestima das crianças.

A proposta surgiu da trajetória acadêmica e de vida de Vanda, que sempre a fez refletir sobre as diferenças raciais que presentes em seu caminho. “Eu sou uma mulher negra, nascida no recôncavo [baiano] e sempre me chamava a atenção a diferença entre brancos e pretos. De onde moravam, o que possuíam, como se portavam na cidade e havia uma diferença imensa há 70 anos atrás e ainda permanece. Então, a minha intenção era pensar o porquê era assim. Terminei as disciplinas do mestrado e precisava efetivar meu projeto de pesquisa e aí estava sem saber o que fazer e encontrei Mãe Stella em Nova York e fui para o terreiro como pesquisadora”, contou ao Farol da Bahia.

O Irê Ayó teve início com um estudo de campo no Ilê Axé Opô Afonjá e em diversos bairros de Salvador, e se consolidou com a proposta de integrar o pensamento africano ao currículo escolar, criando uma conexão entre os saberes tradicionais e a educação formal.

A pesquisa, que também se expandiu para comunidades quilombolas, foi fundamental para a criação do projeto que, ao longo dos anos, se tornou um exemplo de educação étnico-racial em todo o Brasil. O Irê Ayó foi reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) como uma referência nacional, destacando a relevância de um currículo que dialoga com as raízes culturais da população negra. 

Em celebração ao centenário de Mãe Stella de Oxóssi,  o Podomblé realizou um episódio especial sobre o impacto da ialorixá na cultura afro-brasileira. Entre os convidados estão Suely Melo de Oxum, Muniz Sodré, Ed Ribeiro e Thereza Azevedo. Assista: 

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie:redacao@fbcomunicacao.com.br
*Os comentários podem levar até 1 minutos para serem exibidos

Faça seu comentário

Nome é obrigatório
E-mail é obrigatório
E-mail inválido
Comentário é obrigatório
É necessário confirmar que leu e aceita os nossos Termos de Política e Privacidade para continuar.
Comentário enviado com sucesso!
Erro ao enviar comentário. Tente novamente mais tarde.