Conheça o ECMO, aparelho utilizado no tratamento do ator Paulo Gustavo
O Farol da Bahia conversou com o médico intensivista, Rogério Zigaib, sobre a terapia

Foto: Reprodução
Há duas semanas, o ator e humorista Paulo Gustavo que se encontra internado em estado grave, em decorrência da Covid-19, foi submetido ao tratamento por ECMO, sigla em inglês para "oxigenação por membrana extracorporal".
O aparelho é capaz de funcionar como um pulmão para pacientes que estão com os órgãos comprometidos. O ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea) é um equipamento de alta complexidade que, infelizmente, vem crescendo em popularidade em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2).
O equipamento pode ser usado em pessoas de todas as idades, desde recém-nascidos até idosos, e possibilita substituir a atividade do pulmão, o que vem sendo feito com frequência por causa dos graves problemas respiratórios que a Covid-19 traz.
Para saber mais informações sobre o procedimento, o Farol da Bahia entrevistou o médico intensivista, Rogério Zigaib.
Farol da Bahia: Como funciona o procedimento ECMO?
Rogério Zigaib: O ECMO funciona como se fosse uma diálise, ou seja, passa duas cânulas bem calibrosas em grandes veias do corpo, geralmente uma veia jugular e uma veia femoral. As cânulas tiram o sangue do corpo, passam por uma bomba, a bomba joga o sangue para uma membrana, que faz a oxigenação do sangue e retira o gás carbônico que vem do organismo e devolve o sangue oxigenado e sem gás carbônico para o corpo do paciente. O paciente fica assim por semanas e as vezes até meses. Praticamente substitui a função pulmonar.
FB: É indicado para que tipo de comprometimento do paciente?
RZ: É indicado para pacientes que tem um comprometimento pulmonar muito grave, que não conseguem sobreviver com a função pulmonar que ele tem no momento, e também não conseguem fazer as trocas gasosas necessárias. O paciente não consegue retirar o oxigênio do ambiente e nem jogar para fora o gás carbônico produzido por ele. Este paciente precisa de uma ajuda, essa ajuda já não é suficiente com os métodos convencionais que temos, ou seja, intubar, colocar em ventilação mecânica, usar manobras dentro da ventilação mecânica, como as de prona (colocar o paciente de bruços pra ver se consegue melhorar a oxigenação), manobras de recrutamentos, entre outras.
FB: O procedimento é recomendável em que momento do tratamento?
RZ: O procedimento é recomendado na fase inicial do tratamento, geralmente a gente usa como parâmetro os primeiros sete dias de ventilação mecânica. A própria ventilação mecânica, embora seja necessária para salvar a vida do paciente, para conseguir fornecer oxigênio, e conseguir remover o gás carbônico, muitas vezes esse próprio tratamento pode aumentar a lesão pulmonar e as vezes até perpetuar essa lesão. Se a gente consegue no começo do tratamento, fazer uma ventilação ultraprotetora, conseguimos reverter toda essa cascata de eventos que podem culminar numa fibrose pulmonar, ou outros acometimentos pulmonares inflamatórios que se tornam incompatíveis com a vida. Então é necessário fazer o procedimento nas fases iniciais do tratamento. Não é recomendável para ser realizado com equipes iniciantes.
FB: É um procedimento caro? Exige muitos profissionais para realiza-lo?
RZ: É um procedimento caro para a realidade brasileira, no entanto, quando a gente compara com os procedimentos habituais de UTIs, por exemplo, já citei a diálise, alguns tratamentos com antibióticos, alguns tratamentos neurológicos, algumas cirurgias, ele é equivalente, é bem próximo, e as vezes com o custo até menor. Então não é um procedimento muito caro. Mas exige profissionais preparados para ele. Exige uma equipe treinada para trabalhar com a ECMO.
FB: O procedimento é para ser usado após o paciente ser submetido a ventilação? O que é recomendável?
RZ: Imaginando um paciente com Covid, inicialmente vamos tentar oferecer oxigênio pra ele, se mesmo assim ele ficar muito cansado, e não conseguir respirar sozinho, ele tiver uma baixa oxigenação no sangue, a gente tenta as técnicas não invasivas de ventilação. Se mesmo assim o paciente continuar grave, o que posso fazer é submete-lo a intubação e conecto ele no ventilador. Se mesmo assim o paciente não consegue fazer as trocas necessárias, eu preciso pensar em outras estratégias. E aí entra o ECMO. Antes dele, usamos todas as terapias que são menos invasivas. Para o ECMO, o paciente tem que estar estável. Ele não pode ter necessidade de remédio para pressão e circulação. Porque a técnica causa alterações hemodinâmicas, de pressão, circulação e perfusão sanguínea. Ele não pode ter a necessidade de diálise. O ECMO também altera a função renal. O paciente tem que ter exclusivamente um problema pulmonar para eu pensar em ECMO.
FB: Quais são as chances de recuperação do paciente após adotado o procedimento?
RZ: Desde a década de 70 que conhecemos o aparelho, embora ele não fosse muito difundido nesta época. Os resultados até o começo dos anos 2000 não eram tão bons. Mas a técnica aplicada melhorou muito, os materiais que são utilizados também melhoraram, e a partir dos anos 2000, os resultados melhoraram bastantes. Na pandemia da H1N1, a técnica foi muito usada, principalmente, na Europa, EUA e Austrália. A taxa de recuperação dos pacientes girou em torno de 80%. Quando veio a pandemia da Covid, a técnica foi muito usada na Europa, principalmente na França e nos EUA. A taxa de recuperação girava em torno de 50%. Quando a gente pensa que são pacientes extremamente graves que sem a técnica, e seguindo toda aquela escalada de procedimentos da ventilação, pensamos que são pacientes que chegam perto de 100% de mortalidade, então, 50% não é tão ruim. No entanto, nos últimos meses vem melhorando a taxa de sucesso do ECMO, acreditamos que podem chegar a 60%, 70% dos pacientes.
FB: O procedimento é realizado pelo SUS?
RZ: O procedimento não faz parte do hall de terapias cobertas pelo SUS. Alguns hospitais públicos fazem o procedimento, geralmente os que são ligados aos hospitais escolas, como o Hospital das Clínicas, em São Paulo.
FB: Houve aumento na procura do tratamento após a divulgação do caso do ator Paulo Gustavo?
RZ: O ECMO não é uma terapia tão difundida assim, mesmo nos hospitais particulares, existe carência de equipe que tenha familiaridade com a técnica. Não é nenhum procedimento milagroso, ele requer resiliência tanto da equipe, quando de familiares, como em todo entorno do paciente. É preciso muita calma quando a gente começa a divulgar este tipo de terapia, porque não é tão fácil de ser empregada e precisa de uma série de cuidados. É uma terapia válida e que pode salvar vidas.