Copom calcula efeito inicial do consignado CLT e alerta para estímulo da política fiscal, mostra ata
No documento, o colegiado afirmou que uma política fiscal que contribua para a redução do prêmio de risco (rentabilidade adicional cobrada pelos investidores no Brasil)

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
O Copom (Comitê de Política Monetária) calculou o efeito inicial do novo consignado privado em suas projeções e alertou para o estímulo significativo da política fiscal sobre a economia nos últimos anos, mostrou ata divulgada pelo Banco Central nesta terça-feira (13).
No documento, o colegiado afirmou que uma política fiscal que contribua para a redução do prêmio de risco (rentabilidade adicional cobrada pelos investidores no Brasil) e atue de forma contracíclica -ou seja, que ajude a estabilizar a economia no atual período de expansão- colabora para o trabalho do BC de levar a inflação à meta.
O comitê disse ter incorporado em seu cenário de referência "algum impacto" das alterações do consignado privado sobre o crescimento, pela elevação da renda disponível para a população a partir da troca de dívidas (mais caras por mais baratas). Segundo o Copom, isso tem um efeito mais comedido sobre a projeção.
"Ainda há muita incerteza sobre qual será o efeito total do programa, que ainda se encontra em período inicial, então o comitê acompanhará os dados atentamente para refinar os impactos estimados sobre o mercado de crédito e sobre a atividade", afirmou.
O colegiado do BC disse também que essa medida representa "possivelmente" uma alteração estrutural no mercado. "Tais medidas serão devidamente incorporadas para a determinação apropriada da restrição monetária necessária para a convergência da inflação à meta", acrescentou.
O alvo perseguido pelo BC é 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que a meta de inflação é considerada cumprida se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).
Na quarta (7), o Copom elevou, em decisão unânime, a Selic em 0,5 ponto percentual, de 14,25% para 14,75% ao ano -maior nível registrado em quase duas décadas. No último encontro, desacelerou o ritmo de alta após três movimentos de um ponto percentual.
Ao todo, o colegiado do BC já realizou seis aumentos consecutivos da Selic, que acumula elevação de 4,25 pontos percentuais desde o início do ciclo, em setembro de 2024. A taxa básica está agora no mesmo nível observado entre julho e agosto de 2006.
Na ata, o comitê mostrou mais confiança no processo de desaceleração da atividade econômica. Segundo ele, os juros elevados têm contribuído e seguirão ajudando a moderar o crescimento da economia.
Já foram observados impactos no mercado de crédito, nas sondagens empresariais, no mercado de câmbio, nos balanços das empresas, além de moderação em alguns indicadores de atividade e de mercado de trabalho. "Tais impactos são esperados e requeridos para a convergência da inflação à meta", destacou, na expectativa de que esses efeitos se aprofundem nos próximos trimestres.
Para o colegiado do BC, o aumento do comprometimento da renda familiar pode estar antecipando uma menor demanda por crédito, que já apresenta recuo de concessões em algumas linhas.
O Copom manteve em aberto seus próximos passos e repetiu mensagem do comunicado sobre a necessidade de cautela e flexibilidade.
"O cenário de elevada incerteza, aliado ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos acumulados ainda por serem observados, demanda cautela adicional na atuação da política monetária e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica de inflação", afirmou.
Houve unanimidade entre os membros sobre a necessidade de manter os juros altos por mais tempo diante da deterioração das expectativas de inflação, hoje distantes do alvo. Além disso, o comitê afirmou que os vetores que contribuem para inflação seguem adversos, citando a resiliência da economia, as pressões no mercado de trabalho e as projeções elevadas.
No documento, o Copom também reforçou que o cenário de maior incerteza global e de movimentos cambiais mais abruptos exige maior cautela na política de juros no Brasil.
Segundo o colegiado, há um impacto bastante incerto com relação ao choque das tarifas impostas pelos Estados Unidos. A incerteza do ambiente externo envolve o próprio tarifaço do governo de Donald Trump, a resposta dos outros países e das empresas, com possíveis impactos sobre as cadeias globais de produção, e a resposta os consumidores às mudanças de preços.
"O cenário então se apresenta com incerteza muito maior, o que já tem provocado mudanças nas decisões de investimento e consumo", disse. "Ainda é cedo para concluir qual será a magnitude do impacto sobre a economia doméstica, que, por um lado, parece menos afetada pelas recentes tarifas do que outros países, mas, por outro lado, é impactada por um cenário global adverso."
LEITURA DOS ECONOMISTAS
Para Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval, o Copom sinalizou na ata o plano de encerrar o ciclo de alta de juros no atual patamar de 14,75% ao ano, mas não fechou a porta para uma elevação residual de 0,25 ponto percentual em junho.
Um dos fatores que pode afetar a conjuntura desenhada pelo BC na última reunião é o acordo entre China e Estados Unidos pela redução de tarifas. "Se a gente olhar o cenário antes e depois do final de semana, a probabilidade de [elevação de] 0,25 ponto aumentou, mas ainda é minoritária", afirma.
Quanto ao fiscal, ele considera que mais importante do que o colegiado ter uma análise preliminar sobre os efeitos do consignado privado sobre a economia é o fato de o BC não ter incorporado outras medidas, como a isenção de IR (Imposto de Renda) para pessoas que ganham de até R$ 5.000 mensais.
"A gente está vendo o ciclo [de alta] se encerrando, com o BC levando em consideração o consignado [privado]. Mas e o ciclo de corte de juros eventualmente no ano que vem? O IRPF pode dificultar esse processo", diz. "E como os outros riscos que ele não incorporou vão se materializar lá na frente?"
Rafaela Vitoria, economista-chefe do banco Inter, considera que o principal risco de alta para inflação no Brasil continua sendo os estímulos fiscais e parafiscais (movidas pelo governo, mas que não entram em sua contabilidade).
Em sua análise, diz que a avaliação do comitê sobre o novo consignado privado é neutra. "A nova linha tende a substituir outras modalidades, mas a política monetária tem sido mais restritiva na ausência de harmonia com a política fiscal, que segue expansionista, ainda que em menor grau", afirma.
Para a economista, os juros elevados e a expectativa de desaceleração da atividade indicam que a alta da Selic da reunião de maio deve ter sido a última. Ela também espera que o Copom mantenha a taxa básica no atual patamar por um prazo prolongado, até observar uma tendência de queda de inflação consistente.