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Correios estimam gasto de R$ 15,1 bi com pessoal e dão benefícios acima do mínimo da CLT

Segundo dados da estatal, a despesa com pessoal alcançou R$ 14,5 bilhões no ano passado, o equivalente a 62,8% dos gastos correntes da empresa

Por FolhaPress
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Correios estimam gasto de R$ 15,1 bi com pessoal e dão benefícios acima do mínimo da CLT

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Um dos principais desafios do plano de reestruturação dos Correios, a despesa com pessoal consome quase dois terços dos gastos correntes da companhia e deve alcançar R$ 15,1 bilhões este ano, inflada por benefícios mais generosos do que os garantidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Os incentivos extras, que incluem gratificação maior nas férias e hora tripla aos finais de semana e feriados, estão previstos no ACT (acordo coletivo de trabalho) firmado no ano passado com as duas federações que representam os empregados. Algumas cláusulas foram incorporadas mais recentemente, quando a empresa já enfrentava graves dificuldades financeiras.

Para especialistas, o acordo mais favorável aos funcionários dos Correios não configura uma irregularidade, mas pode colocar a empresa em situação de desvantagem competitiva perante concorrentes privados.

Embora sejam empregados públicos, os funcionários dos Correios são regidos pela CLT, diferentemente dos servidores da administração direta, como por exemplo pessoas que integram carreiras nos ministérios. 

Segundo dados da estatal, a despesa com pessoal alcançou R$ 14,5 bilhões no ano passado, o equivalente a 62,8% dos gastos correntes da empresa (que consideram os custos de operação, excluindo investimentos). Em 2025, a proporção deve alcançar 65,8%, com uma despesa total de R$ 15,1 bilhões (até junho, já foram realizados R$ 9,45 bilhões). Enquanto isso, as receitas correntes minguaram a R$ 21,5 bilhões no ano passado, queda real de 6,6% em relação a 2023.

Algumas estatais federais têm gastos com pessoal maiores que os Correios em valores absolutos, mas os dados não são diretamente comparáveis porque cada uma tem seu próprio acordo coletivo e atua em um segmento distinto da economia. As atividades desempenhadas por um carteiro, por exemplo, são diferentes daquelas exercidas por um engenheiro da Petrobras, com reflexos na remuneração.

O comando dos Correios tem a intenção de rediscutir algumas cláusulas, mas deve enfrentar resistências das entidades sindicais. O plano de reestruturação ainda terá como meta o desligamento de 10 mil funcionários no ano que vem e outros 5.000 em 2027 por meio do PDV (programa de demissão voluntária), com economia potencial de R$ 1,4 bilhão ao ano.

Pelo acordo 2024/2025, empregados dos Correios têm direito a gratificação de 70% sobre as férias, enquanto a Constituição assegura o adicional de um terço, ou cerca de 33%. Eles também têm hora tripla em domingos e feriados (200% do salário-hora, ou dois dias de folga como compensação), ao passo que o habitual é 100% ou uma folga. Além disso, os funcionários têm direito à marcação de ponto por exceção, ou seja, ganham hora extra quando excedem a jornada, mas não há compensação quando vão embora mais cedo.

Há ainda outros benefícios, como pagamento do vale-refeição de R$ 50,93 por dia mesmo em períodos de férias ou afastamentos, auxílio de R$ 1.030,58 para quem tem dependentes com alguma deficiência e a possibilidade de se manter em licença-saúde por até 90 dias enquanto recorre de decisão do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que tenha declarado o empregado apto ao trabalho.

No último ciclo de negociação trabalhista, quando a empresa já acumulava um prejuízo bilionário, a empresa aceitou adicionar cláusulas como licença remunerada de até dois dias por mês para mulheres com sintomas graves associados ao período menstrual. Um projeto de lei com essa medida chegou a ser aprovado na Câmara dos Deputados, mas ainda depende de aval do Senado para virar lei.

O acordo mais recente também ampliou o descanso especial para a amamentação, de duas para três horas (de um total de oito horas de trabalho). Foi concedido ainda um reajuste salarial de 4,11% aos funcionários.

A categoria é encorajada a se organizar em entidades habitacionais para buscar moradia no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, e seus dirigentes são liberados, sem desconto no salário, para cumprirem tarefas relacionadas a esse fim. Até o ano passado, a liberação era de um dirigente por entidade, mas o número foi ampliado para dois representantes no último acordo.

A Folha enviou 20 perguntas aos Correios pedindo dados detalhados sobre quantas pessoas usufruem de cada cláusula do acordo e a despesa associada. Em resposta, a empresa enviou uma nota de quatro parágrafos, na qual indicou um portal onde estariam as informações sobre as despesas. Nele, a reportagem localizou apenas valores agregados, sem o detalhamento solicitado.

A estatal disse ainda que as negociações do novo ACT estão em curso e se manifestou "contra qualquer prática que denote a precarização do trabalho". "Ao contrário, [os Correios] atuam para reconhecer e valorizar seus empregados, reforçando seu compromisso com relações de trabalho dignas, justas e sustentáveis", disse.

A companhia afirmou também que o último acordo foi "validado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais". O órgão é vinculado ao Ministério da Gestão e Inovação (MGI).

Em meio ao impasse para destravar o socorro de R$ 20 bilhões aos Correios, integrantes da equipe econômica já se queixaram da postura do MGI, uma vez que a pasta autorizou reajustes, ampliação de benefícios e permitiu a realização de um novo concurso público num momento em que a companhia já estava com o caixa debilitado.

Na avaliação de um técnico, o órgão falhou no monitoramento e poderia ter feito um controle mais rígido das despesas da companhia – no limite, até barrar a assinatura do acordo e o lançamento do concurso.
Procurado, o MGI disse, em nota, que a Lei das Estatais veda a interferência do acionista na gestão das empresas e que suas manifestações têm o objetivo de orientar.

"A CGPar [comissão interministerial de governança das estatais] define diretrizes gerais para todas as empresas estatais, cabendo aos seus administradores, no exercício de seus deveres e responsabilidades, a negociação com os trabalhadores, tendo os parâmetros como teto e considerando a situação econômico-financeira e as circunstâncias negociais específicas de cada empresa", disse. O ministério também afirmou que o concurso é uma decisão que cabe apenas à estatal.

A Folha apurou, no entanto, que, em 2023, o MGI se manifestou contra a cláusula que prevê a hora tripla em finais de semana e feriados. Mesmo assim, ela foi adotada pela empresa.

O professor José Pastore, da FEA-USP e especialista em mercado de trabalho, ressaltou que não há nenhuma restrição legal à oferta de benefícios mais generosos do que prevê a CLT, embora isso tenha um impacto financeiro.

"A reforma trabalhista veio com esse espírito, o que é negociado prevalece sobre o legislado. Normalmente cada empresa sabe o tamanho do seu bolso", afirmou.

O secretário-geral da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos), Emerson Marinho, disse que cláusulas como o vale-refeição durante as férias buscam preservar a renda da categoria, que teve uma remuneração média de R$ 6.337 em 2024, segundo dados do MGI. A empresa tinha 83,8 mil funcionários.

Ele ainda rejeitou o argumento de que a crise atual da empresa possa ter relação com as despesas de pessoal e atribuiu a situação à perda de receitas. "Isso não é culpa dos trabalhadores", disse. Segundo Marinho, a categoria não vai abrir mão da reposição da inflação, o que pode custar cerca de R$ 500 milhões ao ano, calcula a federação.

Para Fernando Vernalha, advogado especialista em infraestrutura, o acordo trabalhista dos Correios é uma prova da "ineficiência estrutural" da empresa. "Gera perda de competitividade. Olhando para os padrões de mercado, parecem benefícios muito superiores ao que usualmente se pratica no mercado", disse.

Para ele, dificilmente o plano de reestruturação será capaz de resolver o problema. "Claro que enxugar a estrutura ajuda, mas isso não vai resolver todos os problemas e tornar os Correios uma empresa competitiva", afirmou.

VEJA ALGUNS DOS BENEFÍCIOS PREVISTOS NO ACORDO COLETIVO DOS CORREIOS

- Gratificação de 70% sobre as férias;
- Licença remunerada de até dois dias por mês para mulheres que comprovarem sintomas graves associados ao fluxo menstrual;
- Ponto por exceção: empregado marca quando faz hora extra, mas pode sair mais cedo (quando não há mais entrega a fazer, por exemplo) sem necessidade de compensação;
- Hora extra tripla em dia de descanso semanal remunerado ou feriado, com pagamento de 200% do valor da hora ou concessão de dois dias de folga;
- Vale-refeição de R$ 50,93 por dia de trabalho, pago inclusive nas férias e durante afastamento por motivos de saúde ou licença-maternidade e paternidade;
- Auxílio para dependentes com deficiência, no valor de R$ 1.030,58, com possibilidade de reembolso acima desse valor quando houver manifestação favorável do serviço médico dos Correios;
- Reembolso creche ou babá de até R$ 714,72 ao mês, inclusive durante o período da licença-maternidade, sem vedação à contratação de familiares da funcionária ou do cônjuge;
- Possibilidade de licença-saúde de até 90 dias enquanto empregado recorre de decisão do INSS que o considerou apto a retornar ao trabalho;
- Empregado eleito para conselhos dos Correios, da Postal Saúde (plano de saúde) e Postalis (fundo de pensão) têm cinco dias de liberação do trabalho antes de cada reunião, sem desconto no salário;
- Empregado dirigente de entidade que articula projetos de habitação para trabalhadores dos Correios pode ser liberado, sem desconto no salário, para tratar de assuntos relacionados ao tema.

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