Crianças desenvolvem medos e ansiedade durante a pandemia
Psiquiatra explica maneiras de evitar que os medos comuns da infância se tornem patológicos

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Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontam que, em escala global, pelo menos uma em cada sete crianças foi diretamente afetada pelo período de isolamento social para conter a disseminação do novo coronavírus. Essa ruptura com as atividades da rotina deixou muitos jovens ansiosos e com medo do futuro. Embora o avanço da vacinação contra a Covid-19 o retorno gradual das atividades que antes estavam paralisadas, como a ida à escola, muitas crianças ainda relatam sentir medo ou ansiedade.
"A grande armadilha do sofrimento dos jovens é entender o que se passa dentro deles, principalmente crianças que, muitas vezes, não conseguem verbalizar o que sentem. Enquanto há casos em que é perceptível algum tipo de transtorno, em muitos outros a dor é silenciosa. Daí a importância de ficar atento a pequenos sinais, gestos, posturas e expressões”, explica a psiquiatra e especialista da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Dra. Danielle Admoni.
Segundo ela, é natural que a criança se assuste com coisas que nunca teve contato antes ou que ainda não compreende. A doutora explica, ainda, que são medos diferentes dos adultos. “Enquanto nós, geralmente, tememos situações reais, a criança mistura o real com o fantasioso. Não à toa, a saúde mental dos pequenos foi muito afetada na pandemia. Afinal, se foi e ainda é pavoroso para nós, imagine o que é para uma criança entender ‘como um bichinho que nem dá para ver’ conseguiu fazer esse estrago no mundo todo”, pontua.
Até certo ponto, o medo é útil para a criança. Isso porque é uma proteção instintiva que permite a ela decidir se pode enfrentar uma determinada situação ou fugir dela. Com o tempo e o desenvolvimento, a criança vai aprendendo a discernir quais medos são reais e o que pode ser uma ameaça ou não. Entretanto, em alguns casos, o medo infantil pode se tornar excessivo e até patológico. Ainda de acordo com a psiquiatra, a distinção entre medo “normal” e medo “patológico” é muito importante para evitar interferências no desenvolvimento da criança e repercussões na vida adulta.
Danielle Admoni aponta que o medo patológico deve ser considerado quando há os seguintes fatores:
- Medo intenso e desproporcional ao risco real
- Medo que não corresponde à idade da criança
- Medo de coisas que fogem do comum e que não há histórico para justificar (exemplo: objeto ou situação temidos são evitados ou enfrentados com grande angústia)
- Medo invasivo (exemplo: medo que interfere na alimentação, no sono, nas atividades diárias ou no desenvolvimento psicológico e/ou funcional)
- Medo que não cede a manobras de distração ou tranquilização
- Preocupação e ansiedade persistentes (duração superior a 6 meses)
-Medo associado a: tremores, batimentos cardíacos acelerados, respiração ofegante, tonturas, irritabilidade, choro inconsolável, entre outros
- Comportamentos regressivos/imaturos (exemplo: criança que volta a usar a chupeta ou a mamadeira, tendo abandonado o hábito há muito tempo, ou que demanda novamente o uso da fralda)
- Comportamentos obsessivos e/ou compulsivos (exemplo: criança com necessidade de verificar, de forma repetitiva, se portas ou janelas estão fechadas)
“Quadros deste tipo podem acometer cerca de 10 a 30% das crianças. Na pandemia, por não conseguirem lidar com o medo, muitas apresentaram alguns destes sinais. Podemos entender como casos pontuais, mas que precisam de observação e cuidados do mesmo jeito”, alerta a psiquiatra.
Como ajudar
Danielle Admoni listou dicas para ajudar as crianças, de acordo com a faixa etária:
Até 3 anos
-Nesta fase, especialmente entre 02 e 03 anos, as crianças estão aprendendo a lidar melhor com suas emoções, mas costumam se assustar com escuro, barulhos estranhos, luzes fortes e pessoas fantasiadas. “Como a fantasia começa a fazer parte da vida dos pequenos, eles acabam estranhando palhaços, Papai Noel e pessoas fantasiadas de personagens”.
Como ajudar: sinta como a criança reage a lugares com estímulos intensos, muito barulho e muita movimentação. Se notar desconforto ou até ansiedade, comece a levá-la a ambientes mais tranquilos e passe para os mais agitados de forma gradativa. Diante de personagens fantasiados, mostre à criança que por trás da roupa, há uma pessoa comum, como qualquer outra. Se persistir o medo, não force a interação.
Entre 3 e 4 anos
Quando a criança começa a aprender mais sobre o mundo, a lista de medos tende a crescer, sendo alguns reais e outros imaginários. Aos quatro anos, ela pode tanto ter medo da perda do seu cachorro como temer fantasmas, dragões e criaturas sobrenaturais. Também é uma fase de repetição dos pais. Quando ela vê a mãe ou o pai reagir com medo de alguma coisa, ela entende que também deve ter medo daquilo.
Como ajudar: os pais devem orientar seus filhos sobre o que pode ser perigoso ou não. Use o bom senso para não confundir ainda mais a criança e acabar gerando (ou aumentando) a ansiedade. “Por exemplo, dizer coisas como ‘você já é grandinho para ter medo disso’ pode afetar sua confiança e o desmotivar a compartilhar seus sentimentos com os pais”, ressalta Danielle Admoni.
Entre 5 e 6 anos
Esta é a fase em que as crianças ainda não compreendem situações de causa e efeito, como vento, chuva e trovões. Também temem separação, morte e ferimentos.
Como ajudar: explique o conceito da morte de maneira delicada, mas verdadeira. Permita que a criança se expresse e exponha seus medos. Explique como eventos naturais acontecem, para que ela compreenda que são fatos da vida.