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Em entrevista, advogada familiarista fala sobre os problemas que envolvem a Lei de Alienação Parental no Brasil

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Em entrevista, advogada familiarista fala sobre os problemas que envolvem a Lei de Alienação Parental no Brasil

Dra.Sandra Daniotti defende a revogação da lei

Por Ane Catarine Lima
Em entrevista, advogada familiarista fala sobre os problemas que envolvem a Lei de Alienação Parental no Brasil
Foto: Getty Images

Dando seguimento a matéria publicada sobre os problemas que envolvem a Lei de Alienação Parental no Brasil, o Farol da Bahia entrevistou a advogada familiarista Sandra Daniotti para esclarecer dúvidas acerca do tema. De acordo especialistas, os problemas que envolvem a Lei de Alienação Parental surgem desde a aplicação de um conceito externo em um país de histórico violento e machista até uma enorme controvérsia científica, já que a Síndrome de Alienação Parental (SAP), discutida na matéria anterior, que embasa esse marco legislativo, não é reconhecida pelos manuais da área e foi criada por um polêmico suposto médico norte-americano que fez fama defendendo acusados de abuso. Além das contestações em relação à existência da síndrome que embasa a lei, a aplicação é um problema muito maior. 

O que se pode afirmar, principalmente pelo surgimento de uma grande militância por parte de mães que pedem a revogação da lei no Brasil, é que  se multiplicaram nos últimos anos as denúncias de casos de guarda de filhos revertida para o abusador a partir de uma lógica perversa. Relatos de mães que o Farol da Bahia teve acesso são unanimes e explicam que, devido a lei, a denuncia de abuso sexual que não contar com provas materiais é sempre falsa e o relato da criança é mentiroso. Dessa forma, a mãe está promovendo a alienação parental. Além de incompatível com a realidade, essa lógica tem proporcionado a autorização legal e institucional para a violação de direitos humanos de mulheres e crianças no Brasil.

Um levantamento realizado sobre o tema, publicado em 2017, nos Estados Unidos, apontou que homens têm maior vantagem  de obter a inversão da guarda sob alegação de alienação parental em comparação às mulheres que apresentaram o mesmo argumento. De acordo com a pesquisa, que analisou 238 casos ao longo de 11 anos, pais acusados de abuso que rebateram acusando a mãe de alienação parental tiveram sentença favorável, no caso da alienação, em 72% dos casos, um índice superior aos que não foram acusados de abuso (69%). A decisão,  também em relação à acusação de alienação, foi favorável aos pais na ampla maioria dos casos envolvendo acusação de violência doméstica (73%), violência contra criança (69%) e abuso sexual contra a criança (81%). 

Confira a entrevista com a Dra. Sandra Daniotti

FB: Por que a Lei de Alienação Parental é tão problemática no Brasil?  
 
Advogada: A demanda para a elaboração da Lei de Alienação Parental (12.318/ 2010) surgiu das associações de pais separados que buscavam reivindicar seus direitos de convívio com suas (seus) filhas(os). A alienação parental virou lei no Brasil em 2010 e teve uma aprovação muito rápida, sem a participação  de entidades e grupos de defesa e proteção da criança e das mulheres.

O Brasil é um dos únicos países a aderir a esta lei. Infelizmente a lei  traz em seu bojo um caráter machista e grande abertura para defesa em processos na área da Família (divorcio, disputa de guarda e visitas, pensão alimentícia), sob alegação de Alienação Parental. Dispõe o Artigo 2º da LAP que  Alienação Parental  é “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”
 
No parágrafo único traz que “são formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com o auxílio de terceiros”. Não obstante, há graves problemas, em especial no que se refere no Inciso VI do artigo 2º que diz  que “apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente.”  
 
Esse dispositivo legal tem possibilitado que agressores consigam nas varas da família,  a reversão da guarda em seu favor, uma vez que as vitimas, por diversos fatores (despreparo, ausência de equipe multidisciplinar,  desqualificação do depoimento da vitima, ausência de acompanhamento de profissional qualificado inclusive por incapacidade financeira), não conseguem provar a violência sexual (estupro de vulnerável) além de não suportar o assedio em  processo de alienação parental que passa a ser prioridade enquanto os de violência, não.
 
Cabendo salientar que os processos Criminal e Família não se comunicam,  fazendo-se necessária a intervenção de um profissional capacitado, inclusive requerendo paralisação do feito até julgamento do processo criminal. Como se pode observar, no Brasil não é uma das tarefas mais fáceis, fazer uma denuncia de abuso e/ou violência contra vulneráveis, apesar de campanhas governamentais, etc.
 
FB: O problema está na lei ou na sua aplicação?

Advogada: A Lei tem em sua origem conceito trazidos pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, nomeado como perito judicial em mais de 400 casos de guarda de crianças, apresentando laudos em defesa dos pais, professores e membros de congregações religiosas de acusações de abusos sexuais e de pedofilia.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), no entanto, nunca reconheceu a "Alienação Parental" como síndrome ou doença. A lei define alienação parental como o conjunto de práticas promovidas ou induzidas por um dos pais ou por quem tenha um adolescente ou criança sob sua autoridade, guarda ou vigilância, com o objetivo de levá-lo a repudiar o outro genitor ou impedir, dificultar ou destruir vínculos entre ambos. E, caso o juiz decida que houve a alienação parental, o genitor pode sofrer sanções/punições que vão desde advertência, multa,  mudanças nas visitas, determinação de acompanhamento psicológico, alteração ou inversão de guarda e, em casos mais graves, a suspensão da autoridade parental. A LAP foi aprovada rapidamente em 2010, sem a participação  de entidades de defesa e proteção da criança, adolescentes e das mulheres.
 
FB: Após a denúncia de abuso, mães relatam que perdem a guarda dos filhos e são acusadas de alienação. A lei realmente é usada para garantir a guarda a acusados de abuso?

Advogada: Embora tenha surgido com a promessa de proteger crianças, a Lei de Alienação Parental tem sido usada nos tribunais para defender pais e, em muitos casos, também é utilizada como defesa face a pedidos de pensão; divórcio e, em casos mais graves, retaliação a denúncias de violência sexual contra a criança. Muitos acusados, inclusive,  apresentam defesa com base na lei de alienação parental em processos criminais, juntando laudos suntuosos de profissionais de psicologia sendo os mesmos trasladados para o processo de família, sempre no sentido de desqualificar a vítima e sua genitora, ocasionando muitas vezes um verdadeiro assédio processual.

Ou seja, a alegação de alienação parental se sobrepõe ao suposto crime praticado contra vulnerável. Muitas vezes, o estupro de vulnerável,  art. 217-A do Código Penal não deixa vestígios ou marcas aparentes. A prova é o relato da vítima, que muitas vezes é desqualificada e não considerada robusta para ensejar a condenação. A decisão de arquivamento do inquérito policial (processo crime) é imediatamente anexada ao processo de família requerendo a mudança de guarda do menor, com base no artigo art. 2º. VI  da lei de Alienação Parental, entregando assim, a vítima ao seu algoz.

FB: Você acha que a revogação da lei no Brasil é a melhor solução?

Advogada: O tema é bastante sensível e polarizado. De um lado há profissionais que acreditam que a lei é instrumento para a proteção de crianças e contra genitores alienadores, e de outro encontram-se majoritariamente mulheres que revelam que a lei acaba por proteger pais abusadores.

Hoje temos várias famílias sofrendo as consequências da Lei de Alienação Parental. O foco da lei deveria ser a  proteção da criança e do adolescente, porém ela acolhe denúncias de alienação parental feitas por abusadores ou quem comete a violência doméstica. O Brasil possui juristas renomados e competentes, conscientes dos nossos problemas.  Não precisávamos importar uma teoria (Gardenista) de origem  duvidosa, nome e aplicação  inadequados.

Qualquer forma de violência deve ser combatida, inclusive abuso parental. Para esse caso, entretanto, temos instrumentos legais suficientes para coibi-los sem prejudicar nossas crianças e suas famílias. A lei nos parece imprestável ao que se destina, devendo ser revogada.
  
Pensamento Gardenista

Ainda em entrevista, a advogada Sandra Daniotti explicou como se manifesta o pensamento Gardenista em uma ação judicial: “O uso da lei e o pensamento Gardenista se  manifestam através de uma estratégia processual inteligente que é geralmente usada para defender pais abusivos, a fim de vencer as causas de custódia dos filhos, ainda que os mesmos sejam colocados em risco. O pensamento Gardenista também se manifesta desqualificando a genitora e a definindo como propensa a produzir falsas acusações, atribuindo a essa mulher acusação de alienadora. Por fim, o pensamento Gardenista ajuda a converter a denunciante, que é vítima, em denunciada, respondendo por crime de denunciação caluniosa exaurindo todas as formas de defesa...Inclusive a financeira”. 

Desenho que a advogada fez para expor o pré-projeto de mestrado dela em Córdoba, na Argentina, e ilustra a explicação:

 

Parecer Gardenista comentando pela ativista Hélia Braga

Com o objetivo de mostrar na prática como é manifestado o pensamento Gardenista, a ativista Hélia Braga enviou ao Farol da Bahia  um exemplo de parecer Gardenista. No documento, ela analisa de forma crítica e expõe os problemas da lei que, sob o pretexto de proteger crianças, tem sido mobilizada para defender abusadores e, ainda pior, garantir a eles a guarda dos filhos abusados.

De acordo com Hélia, o parecer foi fornecido por uma mãe vítima da Lei de Alienação Parental, que não teve a identidade revelada por questão de respeito ao segredo de Justiça. Além disso, os demais envolvidos e a comarca também não foram revelados. Em entrevista ao Farol da Bahia, ela frisou a importância da divulgação do material: “É de extrema importância a divulgação destes conteúdos, pois eles ficam encobertos no segredo de justiça destruindo vidas”, afirmou.

Veja trechos do documento:

 

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