Europa segura avanço financeiro na COP30, apesar de discurso pró-plano de Lula contra fósseis
Todas as últimas COPs travaram no mesmo impasse: a resistência dos países ricos em atender à demanda daqueles em desenvolvimento por mais recursos

Foto: Imagem ilustrativa | Pexels
COP-30: Europa segura avanço financeiro na COP30, apesar de discurso pró-plano de Lula contra fósseis
JÉSSICA MAES E JOÃO GABRIEL
Até a madrugada do sábado (22), a União Europeia afirmava que não aceitaria nenhuma decisão da COP30, a conferência sobre mudança climática das Nações Unidas, que não citasse o chamado mapa do caminho para redução de combustíveis fósseis.
Mas, ao final da votação, aceitaram. O texto aprovado, no entanto, atendeu àquele que historicamente é o seu principal foco de atuação: conseguir segurar metas mais ambiciosas para o financiamento climático.
Todas as últimas COPs travaram no mesmo impasse: a resistência dos países ricos em atender à demanda daqueles em desenvolvimento por mais recursos.
Para driblar este obstáculo, a presidência brasileira da conferência decidiu debater este e outros temas polêmicos em um pacote, negociado em um único documento, depois batizado de decisão de mutirão.
Como mostrou a Folha, a presidência da COP30 pretendia tratar do mapa do caminho para os combustíveis fósseis em uma discussão paralela, por avaliar que a enorme resistência a ele poderia atrapalhar as tratativas da conferência.
Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passar a impulsionar de forma inédita a criação deste plano, ele ganhou apoio de dezenas de países e foi colocado dentro do primeiro rascunho da decisão de mutirão.
A ideia causou uma reação imediata de países árabes, liderados pela diplomacia saudita, que prontamente se posicionaram para dizer que não aceitariam qualquer menção a fósseis neste documento e ameaçaram travar outras negociações da COP30 caso isso se mantivesse.
Na segunda versão do texto, o mapa do caminho foi retirado e, desta vez, foi a União Europeia quem passou à frente para protestar, dizendo que não aprovariam nada que viesse sem mencionar os combustíveis fósseis.
Mas o discurso oficial do chefe de Clima da Comissão Europeia, Wopke Hoekstra, apontava para o que realmente estava em jogo.
"Se tivermos isso", afirmou, sobre dispositivos acerca da transição energética, "então, sim, vocês podem pedir para a União Europeia sair da zona de conforto no financiamento para adaptação".
Ou seja, na avaliação de observadores, o objetivo europeu, desde o começo, era oferecer uma troca inviável e construir um álibi para não ampliar a mobilização dos recursos.
"A estratégia da União Europeia vem sendo a de descarrilhar o mecanismo de transição justa e matar de fome a necessidade de capital para adaptação, para então depois mudar de lado e acusar o Sul Global de ficar parado. Isso não é só hipocrisia, é um abandono calculado", avalia Harjeet Singh, fundador da Fundação Climática Satat Sampada, da Índia.
A ampliação do financiamento é uma reivindicação dos países em desenvolvimento, o que inclui os árabes e os indianos, que são grandes produtores de petróleo, gás e carvão e se opuseram ao mapa do caminho dos fósseis.
Esse grupo conseguiu incluir um dispositivo na decisão de mutirão que cria um programa de trabalho de dois anos, voltado a debater a transferência de recursos dos países ricos para os em desenvolvimento --tema que enfrenta grande oposição das nações desenvolvidas.
O documento também reconhece que as metas de financiamento climático jamais foram cumpridas.
Mesmo assim, não traz uma meta precisa sobre recursos para adaptação, com avanços tímidos nesta área, segundo especialistas.
Os países pediam, por exemplo, que dentro da meta total de US$ 300 bilhões em investimentos climáticos estabelecida na COP29, uma parcela específica fosse dedicada à adaptação --que é a área que concentra uma imensa lacuna na mobilização de recursos, calculada em US$ 339 bilhões, segundo a ONU.
A decisão de mutirão, porém, trouxe apenas a previsão de que o financiamento para essa área deveria triplicar até 2035, em comparação aos níveis de 2025. O problema é que esse número ainda não foi calculado e, portanto, o texto acordado determina que se triplique um valor que nem sequer se sabe qual é.
Além disso, o documento não traz clareza acerca das responsabilidades dos países em mobilizar esses recursos, nem como isso deve ser feito. Esse tipo de redação abre brecha para os Estados desviarem para o setor privado a responsabilidade assumida por eles no Acordo de Paris de prover esses recursos.
Após aceitar o acordo pela decisão de mutirão que não mencionava os combustíveis fósseis, o comissário europeu admitiu o que desejava na negociação e fez questão de ressaltar que apenas isso já era um gesto por parte das nações ricas.
"Se analisarmos o que está em cima da mesa, acreditamos que devemos apoiá-lo. Devemos apoiá-lo porque, pelo menos, está caminhando na direção certa. Porque é muito claro que devemos estar ombro a ombro com os nossos amigos das nações mais pobres. E o que estamos fazendo é dar um passo muito significativo em termos de os ajudar no financiamento da adaptação", afirmou Hoekstra.
Para Harjeet Singh, a postura defensiva e conservadora dos europeus na COP30 pode ser explicada pela saída dos Estados Unidos da negociação.
Segundo ele, se na frente das câmeras o grupo argumentou em favor do fim dos fósseis como uma medida essencial para combater o aquecimento global, nos bastidores, eles atuaram para preservar o sistema financeiro climático falho que existe hoje em dia.
"Com os Estados Unidos saindo da ação, a União Europeia teve uma clara fuga em demonstrar liderança. Ao contrário, eles ocuparam esse espaço com obstruções e sabotagens diplomáticas", opina.


