EXCLUSIVA: Crise da Educação - Farol da Bahia ouve especialistas sobre possível volta às aulas

Debate divide pais; escolas vivem momento crítico

[EXCLUSIVA: Crise da Educação - Farol da Bahia ouve especialistas sobre possível volta às aulas]

FOTO: Reprodução

Com a chegada da pandemia do novo coronavírus na Bahia em meados de março do ano passado, o governo do estado publicou no dia 18 de março de 2020, um decreto suspendendo as atividades das escolas, incluindo as da rede particular. De lá pra cá, o governador Rui Costa prorrogou o decreto diversas vezes. A última prorrogação foi publicada no Diário Oficial do Estado, no dia 17 de dezembro.

A discussão em torno do retorno das aulas presenciais entre prefeitura e governo continua sem definição. Várias reuniões foram realizadas entre os gestores, e até o momento nenhuma decisão foi tomada.

 A situação preocupa alguns pais, professores e donos de escolas particulares. Os alunos já estão prestes a completar um ano sem frequentar as escolas.

A médica infectologista do Hospital Couto Maia, Verônica Rocha, questiona o porquê deste impasse. De acordo com ela, não há nada na literatura médica que justifique a não abertura das escolas. 

“Esta decisão cabia lá no início da pandemia, quando se conhecia pouco sobre o vírus. Hoje, não há motivos para não retornar as aulas. Por que as escolas serão as últimas a abrir? Não terá vacina para as crianças, o vírus não vai desaparecer, ele vai continuar circulando. Os estudos comprovam que as crianças são menos atingidas pelo vírus, são as que menos transmitem, e entre elas o contágio é muito baixo. Elas não são vetores importantes”, avaliou.

A infectologista afirma que essas crianças estão se aglomerando em lugares com maior risco do que as escolas. “Onde estão essas crianças? Elas podem ir ao shopping, playground, casas de vizinhos e parentes, e por que não podem ir para a escola que é um lugar mais fácil de ser controlado e adaptado? Qual é o protocolo de segurança que existe nas ruas? Não podemos esperar o fim da pandemia para resolver essa questão”, ponderou.

A médica levanta ainda outra situação delicada. De acordo com ela, as mulheres das classes C e D estão deixando seus filhos em creches clandestinas para conseguirem trabalhar. “São lugares sem nenhum tipo de segurança e proteção. No Canadá, as creches foram as primeiras a serem abertas para possibilitar as mulheres de retornar aos trabalhos”, informou.

Verônica Rocha considera a discussão muito rasa em torno do tema. “É um silêncio sepulcral em torno deste tema. Isso pra mim tem a ver com o machismo estrutural. As mulheres que precisam abrir mão dos seus trabalhos para ficarem com seus filhos em casa. Por que estão escolhendo colocar a educação por último? Esta é uma situação possível de se resolver. Estamos falando de uma pandemia de coronavírus e não de ebola. Me coloco à disposição das escolas para adequar o protocolo de segurança. O governo precisa querer fazer”, disse.

Para a infectologista, as escolas devem escolher locais abertos para a realização das aulas, optar pelo sistema híbrido (aulas presenciais e virtuais), salas de aulas com poucas crianças, em que possa ter o distanciamento entre as cadeiras, revezamento entre os alunos. Ter a disposição de todos água, sabão, álcool em gel e o uso de máscaras.

“As escolas precisam adotar protocolos individualizados de acordo com cada estrutura. É uma situação fácil de resolver. Os pais não serão obrigados a colocar os filhos nas escolas, mas não podemos privar quem precisa. O retorno é possível aplicando esses protocolos. Essas crianças vão ficar mais um ano dentro de casa? Estamos acompanhando diversos casos de ansiedade e surtos de miopia, sem falar na questão da violência sexual e doméstica. Além disso, existem crianças que só se alimentavam nas escolas, muitas estão passando fome.

Precisamos olhar para todos os casos, existem pessoas que por questões sociais não têm condições de manter essas crianças em casa”, frisou Verônica Rocha.

A infectologista disse ainda que esta situação está criando uma desigualdade ainda maior entre os alunos das escolas públicas e particulares. 

“Essa desigualdade já existe claramente, isso é um fato, mas agora, ainda mais. Quantas crianças que estão na zona rural, impossibilitadas de acompanhar as aulas online, por não ter equipamento e internet? Como ficam? Mais um ano sem estudar? As escolas públicas também podem adotar protocolos de segurança, não há nenhuma dificuldade nisso”, informou.

Contra o retorno

Na contramão do que considera a médica infectologista Verônica Rocha, o médico infectologista e professor da Escola Bahiana de Medicina, Robson Reis, afirma que o cenário epidemiológico atual da Covid-19 no estado, onde claramente estamos vivenciando uma segunda onda de contágio, exige muita cautela e cuidado. 

“Infelizmente, não é sendo pessimista, mas provavelmente, teremos um aumento no número de casos, e de internações, e óbitos secundários. Todo esse processo de festas de fim de ano, de movimento aumentado nos centros de compras, as aglomerações que aconteceram, e que foram bastante divulgadas pela imprensa, e aquela sensação de que a pandemia já acabou, que ela já não apresenta mais o risco, porque interpretam que a retomada da economia, a flexibilização das regras de isolamento, retomada de alguns serviços, e até mesmo a iminência da vacina, algumas pessoas acabam relaxando. E muitas estão de fato cansadas deste isolamento”, disse.

O infectologista disse ainda que é importante continuar mantendo o distanciamento físico de um a dois metros, a higienização das mãos, e o uso de máscara. 

“Por tudo isso acredito que neste momento ainda não seria o cenário ideal para que posamos discutir sobre o retorno das aulas. Alguns países que optaram por isso, já estão fechando novamente as escolas, e outros países que não fizeram, já estão discutindo pelo fechamento das escolas, como é o exemplo da Inglaterra. Eu não recomendaria o retorno as aulas, mas lembrar que todo esse processo é dinâmico e ele deve ser discutido a cada momento, a cada semana, a cada quinze dias”, avaliou.

Nesta quinta-feira (17), o secretário de Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, em entrevista a uma rádio de Salvador, afirmou que ainda não é possível traçar um retorno às aulas presenciais no estado.

“Fazer qualquer prospecção em um momento em que estamos esperando um aumento do número de internações, fruto do que aconteceu no Réveillon, é projetar algo num terreno muito móvel. Se a gente, daqui a 15 dias, começar a ver a taxa de internação subir, as UTIs ocupadas, a mortalidade aumentada, não tem condições de abrir escolas. Já há condições de organizar o retorno às aulas, mas isso tem que ser discutido no momento adequado”, disse.

O que dizem os pais

Esta situação deixa os pais indecisos com relação ao retorno das aulas presenciais. O Farol da Bahia ouviu alguns que são a favor do retorno e outros que são contra. Alguns afirmaram que ainda não conseguem ter uma opinião formada sobre o assunto.

A médica pneumologista Larissa Voss Sadigursky é representante de um perfil criado no Instagram (@volta_as_aulas_salvador) que defende o retorno seguro das aulas presenciais. O grupo foi criado em agosto de 2020. O perfil tem alguns médicos de diversas especialidades entre os membros. 

 

“Defendemos o retorno seguro das aulas presenciais, entendemos que em diversos lugares do mundo já voltaram, países como Estados Unidos, diversos países na Europa, tiveram as escolas fechadas por dois a três meses e voltaram depois. Agora, já temos o exemplo de países subdesenvolvidos, alguns na África, a Índia, inclusive, que já autorizou a retomada das escolas. Não entendemos o motivo de aqui na Bahia isso não acontecer, as evidências científicas já apontam que as crianças não são o foco de transmissão da covid-19, eles transmitem menos do que os adultos, por volta de 50% a menos, a propagação é maior nos adultos que não fazem as medidas preventivas corretas para a criança, do que entre crianças e crianças, e de uma criança para um adulto”, explicou.

“Além disso, a criança adoece menos, ela tem menor probabilidade de ficar doente, tem a menor probabilidade de transmissão e mesmo aquelas que adoecem, elas têm uma menor chance de uma evolução desfavorável de óbito. A mortalidade em crianças relacionada com a covid-19 é baixíssima mundo a fora, no Brasil e na Bahia também”, informou.

Larissa informa ainda que o grupo vem fazendo mobilização, serão realizadas novas mobilizações como carreatas com o objetivo de pressionar o governo para uma tomada de decisão, para que as escolas sejam abertas de forma segura.

“Nenhum de nós do grupo queremos escolas abertas de qualquer jeito. Nós queremos escolas seguras, com protocolos, temos confiança que esses protocolos poderão ser aplicados com sucesso”, avaliou.

O grupo defende ainda que os professores sejam colocados como prioridade no plano de vacinação. 

“Aqueles que são grupo de riscos, assim como nas demais profissões, devem ser afastados das atividades presenciais”, disse a pneumologista.

A fisioterapeuta Zaira Pimentel, mãe de Isis de seis anos, é a favor da reabertura das escolas. 

“Criança precisa de criança pra se desenvolver socialmente. E no play não há protocolo e nem plano. Na escola já é uma tentativa válida. As crianças estão ociosas e não sabemos como serão as sequelas cognitivas e emocionais desse período”, disse.

A jornalista Bárbara Lima, mãe de Caio, de cinco anos, pensa diferente. “Eu sou contra porque acredito que as crianças não estão preparadas psicologicamente para este retorno com tantas adaptações, principalmente para crianças menores, como no meu caso. Acredito que não vai ser fácil para este novo tipo de relacionamento, com crianças que eles já estavam habituados, a ter uma relação de carinho, o dano psicológico é maior do que ele estar em casa. Além das questões sanitárias. As crianças maiores terão mais destreza com o uso de máscaras e os demais protocolos”, disse.

Para Flávia Souza, mãe de Matheus, seis anos, e os gêmeos Isis e Iago, quatro anos, a experiência em casa foi bem difícil. Ela é a favor do retorno das aulas presenciais.

“Eu sou a favor do retorno, desde que assegurada as condições mínimas para que evitemos o contágio. Tenho consciência que isso pode ocorrer. Por isso, acho que as crianças do ensino fundamental, que tem um pouco de consciência sobre a questão da pandemia, poderiam voltar a estudar. Minha filha de 4 entende a necessidade de se proteger por conta da pandemia. Já o irmão da mesma idade, não. Acredito na proposta de algumas escolas de ensino híbrido. Alguns dias na escola e outros em casa. A perda de aprendizado é muito grande, sem contar na parte social. Um dos meus filhos chegou a achar que a escola ia desaparecer. O mais velho tem dias de muita ansiedade e dias de apatia. O mais novo tem resistência a esse sistema de aprendizagem online”, informou.

A enfermeira Gabriela Souza, mãe de Lara de seis anos, diz que tem muitas dúvidas sobre esse retorno.

“Pensando na minha criança, do ponto de vista do conteúdo escolar está ok iniciar aula presencial, ela está muito sofrida por não brincar com os pares, pois não temos crianças na família e os momentos com filhos de amigos, de uma forma menos arriscadas, são muito poucos para a necessidade dela. Nesse caso a escola dela poderia fazer misto. No geral, acho arriscado por conta do comportamento e condições de higiene nas escolas públicas, por exemplo, e nas creches. Por outro lado, à população da periferia, os alunos de escolas públicas mais uma vez em desvantagem porque ficam sem conteúdo também, já que a infraestrutura necessária para receber aulas online nem sempre é oferecida”, avaliou.

O que dizem as escolas particulares

O diretor do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Bahia (Sinepe-BA), Jorge Tadeu Coelho, afirma que sempre defenderam que o retorno das aulas presenciais possa ser facultativo. 

“Mesmo não sendo o melhor para as escolas, a condição facultativa daria início ao processo de retorno, e também possibilitaria que aqueles pais que não puderem retornar, eles poderiam acompanhar as aulas através da transmissão remota. Entendemos perfeitamente que há pais contra e outros a favor. Achamos que há mais pais a favor do que contra. E o que são contra também tem seus argumentos e seus direitos”, frisou.

Com relação às negociações com o governo municipal e estadual, Jorge Tadeu informa que estão muito lentas, como sempre estiveram desde o início. “Nós pedimos uma audiência para tratar diretamente com os gestores, no nosso entender faltou mais disponibilidade para fazermos discussões mais efetivas pelo retorno. No momento atual, nós já vimos através da imprensa a declaração tanto do prefeito [Bruno Reis], quanto do governo estadual [secretário de educação Jerônimo Rodrigues], que falaram a favor do retorno das aulas no dia 8 de fevereiro, e que esse retorno seja híbrido, uma parte presencial e uma parte remota. Estamos aguardando a efetivação dessas notícias que vieram pela imprensa com muita expectativa porque eles podem ser parte da solução do problema do fechamento de postos dos trabalhos dos professores”, disse.

O diretor do Sinepe-Ba disse ainda que está acontecendo uma situação muito ruim para a educação e para as escolas, as famílias estão inseguras quanto ao funcionamento das escolas de educação infantil no ano de 2021.  

“A reação que esses pais estão adotando é compreensível, a de não matricularem seus filhos na educação infantil. Então, o processo de matrícula de crianças da educação infantil está muito lento. As escolas observam essa lentidão que vem da insegurança das famílias, porque as autoridades não se pronunciam, tomando uma decisão efetiva pelo retorno. Se as famílias ficam inseguras quanto a isso, e não matriculam, as escolas também ficam inseguras e nos seus planejamentos, não sabem quanto disso pode se traduzir em evasão, em perdas de alunos, e portanto, tem que se antecipar a esta dificuldade de pagamento que virá se os pais não matricularem, as escolas já começaram o processo de demissão dos professores da educação infantil”, revela.

De acordo com Jorge Tadeu, essa situação poderá ser evitada se houver uma efetiva decisão do poder público, do governo do estado e municipal quanto ao retorno. 

“20 escolas foram fechadas em Salvador no ano de 2020. O momento é crítico porque chegaram ao fim a ajuda da Medida Provisória do governo Federal, a ajuda de pagamento de uma parte da folha, e agora podem se transformar em demissões. As escolas estão há 10 meses com o orçamento reduzido. Infelizmente, vão precisar fazer cortes cada vez mais que a decisão do governo não acontece.

Judicialização

Jorge Tadeu afirma que o Sindicato nesses dez meses esteve sempre na tentativa de tratar essas questões de maneira negociada, de uma maneira administrativa. O Sinepe atende a Bahia, responde por 800 escolas filiadas, sendo 145 mil alunos e 35 mil docentes envolvidos.

“Passamos o ano tentando preservar esse segmento da educação, esse segmento econômico funcionando. Sempre tratando de uma maneira respeitosa e dialogada. Solicitamos audiências e não fomos atendidos e por fim chegamos agora no momento que se chama judicialização. Levar pra esfera jurídica essa questão que é administrativa. Esse processo já foi dado início pelo sindicato, por se tratar de um sindicato, temos alguns procedimentos a serem adotados, como a publicação de edital, votação, definição da linha que vai se adotar até a entrega da peça no jurídico. Estamos pedindo a interferência da justiça para esta questão, ela sai do âmbito da nossa negociação direta entre as partes envolvidas e passa a decisão pra as mãos da justiça”, informou.

O diretor acredita que o governo municipal e estadual tem interesse e sabe da importância da educação. 

“O que nos preocupa muito é que os índices da doença vão aumentar por fatores outros, estranhos a área de educação, mas por conta desse aumento que fica dando sempre um repique nos índices, acaba penalizando a educação. O raciocínio está equivocado quando pensamos: não vamos colocar os jovens nas escolas porque vão se contaminar. Mas não são esses mesmos jovens, são outras frações da sociedade que estão se pondo em risco e pondo outros em risco. É preciso tomar uma decisão olhando de um modo mais localizado para a educação não ficar sofrendo, ao invés de estar contribuindo, porque as crianças e os jovens na escola, com os protocolos que já existem, estariam adquirindo e desenvolvendo hábitos de cuidados e não fazendo as festas que estão ocorrendo por aí. O cenário é muito duro que vemos na frente, como se fosse uma nuvem negra que vem vindo, mas a nossa expectativa é de que as autoridades ajudem a dissipar esta nuvem e que as matrículas voltem a ocorrer normalmente”, concluiu.


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