Jovens soteropolitanos têm dificuldade para encontrar 1º emprego

Especialistas dizem que problema atinge o país inteiro; experiência, mobilidade e escolaridade são entraves, dizem candidatos ao mercado de trabalho

Ás

Jovens soteropolitanos têm dificuldade para encontrar 1º emprego

Foto: Arquivo Pessoal

Os jovens brasileiros ainda enfrentam dificuldade para ingressar no mercado de trabalho. É o que afirma a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números, obtidos pelo Farol, apontam que de cada 10 desempregados no 1º trimestre de 2019, 5,4 são jovens de 14 a 29 anos. 

Os especialistas dizem que os motivos para a falta de contratação de jovens são desde a falta de experiência, mobilidade, distância da residência até o local de trabalho, até questões como pouca escolaridade e desacordo de proposta empregatícia entre patrão e empregado. Eles afirmam também que o segmento tem mais dificuldades de conseguir uma vaga e que foi o mais afetado pela recessão. Também reflete uma questão estrutural do mercado de trabalho brasileiro, que historicamente tem nível elevado de ocupados na informalidade.

Há cinco anos, desde que concluiu o ensino médio, a soteropolitana Camila Sousa, 24, busca o primeiro emprego com carteira assinada. Ela diz que durante a busca enfrenta oportunidades que oferecem péssimas condições de trabalho e baixa remuneração. Não bastasse isso, o problema maior está, segundo ela, em outro motivo: sempre é eliminada pela falta de experiência na área em que se candidata. “Pode ser como babá, como vendedora ou caixa de supermercado: é difícil conseguir o primeiro emprego. Ninguém quer apostar numa pessoa sem experiência”, diz.  

Camila, que durante um ano cursou uma capacitação para atendente de aeroporto, lamenta o círculo vicioso que impede sua saída da informalidade. Ela faz bicos vendendo doces em casa e na internet, e completa a renda de R$ 400 com os R$ 110 que recebe do programa Bolsa Família. "Já espalhei meu currículo por vários lugares e participei de várias seleções. Sempre sou dispensada. Fico até sem vontade de continuar. Só se consegue emprego com indicação. Para o resto é sempre a conversa da falta de experiência", diz.

Mãe de Marcelo, de um ano, Camila mora numa casa simples de cinco cômodos e sem reboco, em Pau da Lima, na periferia de Salvador, com a mãe e dois irmãos. A irmã mais nova, Jéssica, 19, também tem um filho pequeno e busca, sem sucesso, emprego há mais de dois anos. "Para pessoas da nossa idade e de baixa renda é sempre mais difícil. As empresas não querem nos dar oportunidade. Eles reclamam da distância do nosso bairro", diz Jéssica, que acredita sofrer preconceito por causa da classe social. Os filhos das duas, obrigados a viverem em condições precárias, segundo elas, vieram em momentos de “descuidos”. “Falta de orientação e maturidade na época”, argumenta Camila. 

A vendedora Luana Mendonça mal completou 20 anos e já tem pouca esperança no futuro. Depois de dois anos em busca de trabalho e apenas quatro chamadas para entrevistas de emprego, sem sucesso nas oportunidades, Luana decidiu parar de procurar. Ela chegou a ser contratada por uma loja de shopping na capital baiana, mas o trabalho não durou um mês. “Não dá para ficar num emprego em que querem que você trabalhe de domingo a domingo e receba um salário mínimo”, afirma. Segundo ela, trabalhar aos fins de semana e feriados nunca foi um problema. “O que quero é que me paguem por isso”, diz. 

A dificuldade de obter vaga formal também atinge os mais escolarizados. É o caso de Matheus Marques, de 28 anos. Formado em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), o rapaz ainda tem a carteira em branco. “Às vezes, bate o desespero. Já estou com quase trinta anos e sem perspectivas. Enviei currículos para vários escritórios da minha região, mas ninguém contrata sem experiência”, conta. Sem saída, ele agora pretende continuar estudando para não deixar o currículo defasado. “Mas vai dando um cansaço, uns problemas emocionais”, diz.

Análise de mercado

Em análise de mercado, o sociólogo Carlos Alberto Freire aponta que a nova geração de jovens tem um perfil diferente e busca por mudanças no mercado de trabalho. “É uma geração que não aceita mais viver para o emprego, embora entenda que precisa de um. São jovens que não se encaixam mais na estrutura de trabalho das 8 às 18 horas, fechados num escritório, cheios de regras e ordens. É preciso repensar a ideia de trabalho”, diz.

A assistente de recursos humano Lara Macedo, da empresa Catho, orienta que, apesar das poucas oportunidades, os jovens podem ir em busca de estágios dentro da universidade e trabalhos voluntários para alavancar o currículo. “Muitas vezes, o empregador recebe um currículo mal feito. Somando ao fato de não ter experiência, piora tudo”, pontua. 

O perfil apontado pelo sociólogo Carlos Alberto Freire e as dicas da assistente de recursos humanos Lara Macedo, são bem compreendidos pelo advogado Marcos Amaral Dultra, de 29 anos. O problema é que, mesmo com um currículo bem feito, recheado de cursos e estágios acadêmicos, a oportunidade como advogado não chega. Cansado de pagar por concursos públicos, muitas vezes em cargos diferente da profissão de formação, Dultra decidiu virar motorista de aplicativo e entregador de fast food. “É triste porque eu e minha família investimos numa formação e até agora não tivemos conquistas”, diz.  

O coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, pesquisador nas áreas de mercado de trabalho, educação e desigualdade social, Naercio Filho, vê o caso de Marcos e dos outros jovens retratados nesta reportagem como um “retrato social”. Ele analisa que o desemprego no país vai continuar alto por algum tempo. Para ele, os jovens vão continuar sendo os principais atingidos porque estão se formando em um período de crescimento baixo e desemprego alto, o que aumenta a probabilidade de entrarem em atividades ilegais, desistirem da busca por oportunidades (os chamados desalentados) ou fazerem parte da geração “nem-nem” (jovens que não trabalham nem estudam). “O resultado é que parte da nova geração está decepcionada com o Brasil, e o país está perdendo as ‘melhores cabeças’, pessoas que poderiam turbinar a economia”, diz. 

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie:redacao@fbcomunicacao.com.br
*Os comentários podem levar até 1 minutos para serem exibidos

Faça seu comentário

Nome é obrigatório
E-mail é obrigatório
E-mail inválido
Comentário é obrigatório
É necessário confirmar que leu e aceita os nossos Termos de Política e Privacidade para continuar.
Comentário enviado com sucesso!
Erro ao enviar comentário. Tente novamente mais tarde.