Medo da violência muda algo na rotina de 72% dos brasileiros
Levantamento Datafolha ouviu presencialmente 2.002 pessoas de 16 anos ou mais em 113 municípios do país entre os dias 2 e 4 de dezembro

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
O medo da violência levou 72% dos brasileiros a mudar de alguma forma a rotina com a qual estavam habituados, mostra a mais recente pesquisa Datafolha sobre os impactos da violência segurança pública --ou da falta dela-- na população.
O levantamento ouviu presencialmente 2.002 pessoas de 16 anos ou mais em 113 municípios do país entre os dias 2 e 4 de dezembro. A margem de erro da amostragem geral é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, no nível de confiança de 95%. A mudança mais visível envolve o celular: 56% dos brasileiros disseram ter deixado de usar o aparelho nas ruas nos últimos 12 meses.
São atitudes que se estendem também ao trânsito e ao ambiente doméstico. O levantamento mostra, por exemplo, que 36% dos brasileiros afirmam ter mudado o caminho para o trabalho ou o local de estudo por medo da violência. Outros 31% passaram a tirar alianças, correntinhas e outros adereços ao sair às ruas, e um percentual menor, de 27%, relatou ter deixado de fazer algo prazeroso.
Em termos práticos, diz a advogada Cecília Mello, desembargadora aposentada do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3.ª Região) e especializada em direito penal, o resultado mostra que a insegurança está cada vez mais próxima da população. "Antes havia a ideia falsa de uma violência controlada. Daquela premissa de que 'comigo não vai acontecer', que 'acontece com fulano porque não presta atenção'. Mas o problema escalou de tal maneira que mostrou que ninguém está imune à violência."
Segundo o Datafolha, 26% dos brasileiros deixaram de sair de casa em razão do medo da violência. As mulheres são as mais afetadas tanto no recorte geral como nas amostras temáticas. A mudança na rotina pelo medo da violência atinge 76% delas. No caso dos homens, 68%. No recorte por gênero, a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.
Elas são maioria entre quem não usa celular nas ruas (62% contra 49% dos homens) e representam a maior parte daqueles que deixaram de fazer algo prazeroso: 31% ante 22%. Para Mello, a diferença representa "uma distorção social seríssima que a gente vive" --o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 mostrou aumento nos registros de violência contra a mulher, que inclui feminicídios, tentativas de feminicídio e medidas protetivas, entre outros crimes.
Como mostrou a Folha, a parcela da população que considera a segurança o maior problema do país voltou a subir e chega a 16% da população. Com isso, o tema fica atrás apenas da saúde, que tem 20%.
A mudança de hábitos é mais expressiva em regiões metropolitanas, onde 80% dos moradores relataram ter tomado alguma atitude devido ao medo da violência. No interior, a taxa foi de 66%. A principal diferença se dá no uso de celular na rua, hábito deixado de lado por 68% dos moradores das metrópoles frente a 47% dos habitantes em cidades interioranas.
É um dado que acompanha outras estatísticas. A cidade de São Paulo, por exemplo, teve alta de homicídios (de 2,8%) e furtos (4,6%) nos primeiros dez meses de 2025 (os dados mais novos disponíveis), na comparação com o mesmo período do ano anterior. Esse movimento vai na contramão do registrado no estado, que teve queda nos dois indicadores --redução de 2,6% nos homicídios e de 0,1% nos furtos.
O medo da violência atinge todas as faixas etárias. Ela atinge mais de 65% em todos os grupos, sendo mais alta naqueles com 60 anos ou mais (77%). Também se verifica entre aqueles que votaram em Lula (70%) e em Bolsonaro (76%) em 2022. No recorte do eleitorado, a margem de erro é de três pontos para o petista e de quatro para o ex-presidente.
Para o sociólogo Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), os números representam também um indicador da qualidade de vida. "Se você não tem tranquilidade para sair na rua, isso significa que nós estamos vivendo em um ambiente muito ruim", afirma.
Segundo ele, o resultado é um efeito em cadeia que recai tanto sobre a área social como a econômica."As pessoas passam a consumir cada vez mais em locais fechados, protegidos", afirma. Depois vêm aspectos relacionados à moradia.
"Temos a proliferação de condomínios fechados cada vez maiores, que oferecem todos os serviços lá dentro. Isso faz com que as pessoas não se misturem, não convivam com diferentes classes. E você passa a ter uma visão preconceituosa sobre quem está fora dessas bolhas."
O receio, afirma Beato, não é necessariamente das facções ou do crime organizado, embora ambos afetem o imaginário popular em torno da violência. "É um comportamento moldado pelo que ocorre no dia a dia, nas ruas. Como quando a pessoa está parada no semáforo e vê alguém furtando o veículo da frente ou o celular do pedestre."


