Novo consignado alcança R$ 45 bi e pode liberar mais R$ 20 bi até fim do ano

Ao contabilizar esses créditos, o novo consignado chega a R$ 79 bilhões

Por FolhaPress
Às

Novo consignado alcança R$ 45 bi e pode liberar mais R$ 20 bi até fim do ano

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A contratação de crédito por meio do novo consignado privado acelerou nos últimos meses e alcançou R$ 45 bilhões no fim de setembro, segundo dados do governo obtidos pela reportagem. Se mantiver o mesmo ritmo de concessão, a modalidade pode injetar outros R$ 20 bilhões na economia até o fim deste ano.

Os números retratam apenas o estoque de novas operações, sem incluir contratos antigos transferidos e renegociados na plataforma do chamado Crédito do Trabalhador. Ao contabilizar esses créditos, o novo consignado chega a R$ 79 bilhões.

A medida é uma das principais apostas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ampliar o acesso da população a crédito mais barato e, de quebra, alavancar sua popularidade às vésperas de um ano eleitoral.

Sua implementação tem enfrentado obstáculos operacionais, críticas às taxas de juros praticadas e até mesmo resistência de bancos que tentam protelar a migração dos contratos antigos para evitar o risco de perda de clientes para outras instituições.

O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, reconhece que a modalidade enfrenta alguns desafios e que o cronograma de implementação está atrasado, mas diz que os problemas têm sido corrigidos. Para ele, o volume contratado é surpreendente e reflete o sucesso da iniciativa, elaborada em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego.

"Em seis meses, o novo consignado ultrapassou o anterior, que já existia há mais de 20 anos", afirma Pinto. Segundo dados do Banco Central, o estoque do consignado privado até fevereiro de 2025, último mês antes da criação do novo modelo, era da ordem de R$ 41 bilhões.

Em setembro, as instituições financeiras concederam, em média, R$ 307,7 milhões por dia útil. Nesse ritmo, as novas contratações podem somar R$ 19,7 bilhões nos 64 dias úteis que existem de outubro a dezembro de 2025.

O ritmo ganhou força e se consolidou após uma primeira fase conturbada, com falhas na escrituração de contratos (cadastro feito pelo empregador para o devido recolhimento das prestações) e aumento na inadimplência.

"Realmente houve problemas operacionais, mas eles estão sendo corrigidos. Hoje a situação já é bem melhor e não tem afetado a taxa. A inadimplência é muito focada em pequenas empresas que têm dificuldade para fazer a estruturação", diz o secretário. "A maior prova de que isso não afetou o programa é que o volume de empréstimos concedidos na plataforma continua elevado".

Segundo ele, os juros da modalidade estão em queda. Após alcançar 3,69% ao mês em abril, a taxa nas contratações recuou a 2,91% em setembro. Neste caso, os dados consideram também os créditos antigos que foram renegociados.

Por outro lado, os juros do novo consignado são maiores do que os cobrados pelos bancos no modelo antigo de convênio. O resultado pode ser, em parte, explicado pelo perfil do tomador de crédito e da empresa onde ele trabalha.

Um estudo divulgado pelo BC no relatório de política monetária de setembro mostra que o cliente médio do novo consignado é um trabalhador com menor instrução e renda, com menos tempo de vínculo com a empresa e que atua em companhias de menor porte.

Os dados sugerem também que, quanto menor é o porte do empregador, maior é a percepção de risco de crédito pelas instituições financeiras na nova modalidade.

O governo argumenta que esse era um público que antes só acessava recursos por meio de modalidades mais caras, como o crédito pessoal sem garantia, a uma taxa média de 11% ao mês. Por esse raciocínio, a migração para o novo consignado, ainda que sob uma taxa acima do desejável, já traria alívio para o bolso.

"Esse é o primeiro movimento. O segundo movimento é uma redução das taxas dentro do próprio consignado. Está tendo mais competição [entre instituições], e isso está induzindo a redução de preços", afirma Pinto.

O fomento à competição, no entanto, tem esbarrado na tentativa de alguns bancos de protelar a migração dos contratos antigos para a plataforma do Crédito do Trabalhador. Ao lançar essas operações no sistema, as instituições vão, na prática, abrir mão de um canal exclusivo com o cliente, que poderá transferir o empréstimo para outro banco que ofereça taxa de juros menor.

Segundo técnicos envolvidos nas discussões, entre os cinco maiores bancos do país, o Bradesco é um dos que estão atrasados na migração dos contratos e tenta adiar o prazo para concluir a transferência, fixado em 20 de outubro. A Caixa Econômica Federal também está atrasada, mas por dificuldades tecnológicas.

Procurado, o Bradesco diz que "está cumprindo o cronograma estabelecido", mas não detalha números de quantos contratos já foram migrados para a nova plataforma. A Caixa prevê concluir a migração "até o fim da primeira quinzena de outubro".

O Santander é o único a abrir algum dado sobre o andamento do processo – ainda assim, de forma aproximada. "Quase 100% dos contratos de crédito consignado privado já foram migrados para o novo sistema", diz o banco.

O Itaú afirma que os dados solicitados pela reportagem "não são públicos", mas que vai concluir a operação até 20 de outubro. O Banco do Brasil diz que já iniciou a migração e cumprirá o cronograma estipulado.

Além das taxas de juros, o risco de alta no endividamento das famílias também preocupa economistas.

Segundo análise do BC, há indícios de que o papel de substituição das dívidas existentes é limitado, já que o aumento no endividamento do público que contratou o novo consignado foi até superior ao montante concedido por meio da modalidade nos primeiros meses – ou seja, os trabalhadores também recorreram a outras linhas de crédito.

Por isso, o BC afirma que a oferta de uma nova modalidade pode, de fato, elevar o endividamento. Por outro lado, a instituição pondera que talvez houvesse uma demanda reprimida por crédito nesse grupo.

"Nesse cenário, o consignado teria apenas viabilizado esse movimento, possivelmente, de forma mais barata, gerando menor serviço de dívida, com efeito benéfico no orçamento das famílias", diz o relatório.

O órgão prega cautela na interpretação dos resultados. "Ainda é cedo. É uma medida nova, e a gente não quer chegar a conclusões precipitadas", disse o diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, na apresentação do estudo.

Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (Fundação Getulio Vargas) e professor da FGV EAESP, alerta que, como os brasileiros já enfrentam alto comprometimento de renda, a modalidade "inspira, sim, cuidados e pode acabar agravando o superendividamento".

Ele reconhece a possibilidade de substituição de dívidas caras por outras mais baratas, mas considera que há risco de os novos empréstimos acabarem sendo redirecionados para gastos correntes.

Devido aos problemas operacionais, Gonzalez avalia que o volume de crédito concedido até agora ficou aquém do esperado. "Muitos falavam, quando o programa foi lançado, que podia atingir quase R$ 100 bilhões no final do ano." Mas, no longo prazo, ele projeta que o modelo possa alcançar o crescimento desejado.

Uma política expansionista de crédito é motivo de preocupação por parte dos economistas, que temem que o estímulo à demanda atrapalhe o trabalho do Banco Central no combate à inflação e acabe se traduzindo em juros elevados por mais tempo no país.

"O sinal preponderante tem sido um relativo e paulatino desaquecimento da economia, apesar de que o crédito consignado e sua expansão podem, sim, puxar esse cabo de guerra numa direção diferente do [efeito provocado pelo] aumento de juros", diz o coordenador do FGVcemif.

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie:redacao@fbcomunicacao.com.br
*Os comentários podem levar até 1 minutos para serem exibidos

Faça seu comentário

Nome é obrigatório
E-mail é obrigatório
E-mail inválido
Comentário é obrigatório
É necessário confirmar que leu e aceita os nossos Termos de Política e Privacidade para continuar.
Comentário enviado com sucesso!
Erro ao enviar comentário. Tente novamente mais tarde.