PF contraria Ministério da Justiça e diz apoiar legalização de cassino e jogo do bicho
A pasta comandada por Ricardo Lewandowski trabalha para a proposta não avançar.

Foto: Leonardo Sá/Agência Senado
A PF (Polícia Federal) se posicionou favorável ao projeto de lei que legaliza cassinos físicos, bingos e o jogo do bicho no Brasil, com a única ressalva de que parte da arrecadação com o setor seja destinada à corporação para prevenção e combate a crimes.
A posição está em uma nota técnica da PF, à qual a Folha de S.Paulo teve acesso, e contraria a posição oficial do seu órgão superior, o Ministério da Justiça. A pasta comandada por Ricardo Lewandowski trabalha para a proposta não avançar.
"Entendemos que o projeto abre uma brecha muito grande para o crime organizado atuar sobretudo com lavagem de dinheiro", diz o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.
"Acreditamos que o aumento da arrecadação que eventualmente pode vir a acontecer com esse tipo de atividade não justifica os problemas que ela traz, tanto na área da saúde, na área social e na área da segurança pública. A gente espera que essa posição prevaleça no Congresso Nacional", completou.
A Folha de S.Paulo procurou a PF, por meio de sua assessoria de imprensa desde a sexta-feira (9), mas não teve resposta.
Outras pastas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como Fazenda, Turismo, Trabalho e Desenvolvimento Social, também discordam do Ministério da Justiça e apoiam a legalização.
O documento da PF foi enviado ao senador Irajá (PSD-GO), relator da matéria no Senado, em 2024.
Na nota técnica, a divisão de assuntos parlamentares da PF é "favorável com ressalvas" à proposta, baseado em uma análise da Dicor (Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção).
O único ajuste necessário, segundo a corporação, é que parte do dinheiro arrecadado com os jogos de azar precisa ir direto para ela.
O argumento é que a legalização de cassinos, bingos e o jogo do bicho deve aumentar o trabalho da própria Polícia Federal na prevenção e repressão de crimes ligados justamente a essas atividades.
Por isso, os investigadores vão precisar de treinamento específico e "equipamentos de alta performance".
Proibidos desde 1946, os jogos de azar são oferecidos clandestinamente em diversas partes do país com destaque para o jogo do bicho e muitas vezes acabam enquadrados como contravenções, irregularidade mais leve que um crime.
O projeto em trâmite no Senado prevê que 6% da arrecadação com o setor vá para a área de Segurança Pública. A PF, porém, pede destinação específica para o seu fundo, o Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal).
A nota técnica não menciona as ligações históricas do jogo do bicho com o crime organizado, nem detalha especial preocupação com a possibilidade de cassinos e bingos serem usados para lavagem de dinheiro preocupação central do Ministério da Justiça.
Afirma apenas que os novos tipos penais ligados a essas atividades, "bem como crimes conexos, como lavagem de dinheiro", precisariam ser investigados pela PF, que portanto precisará investir nesta área.
A intenção da PF, segundo ela mesma, é usar os recursos do Funapol para contribuir "para a lisura dos jogos e apostas em âmbito nacional".
O projeto que legaliza jogos de azar físicos avançou no Senado em 2024, na esteira da liberação das apostas online, as chamadas bets.
O texto aguarda para ir ao plenário. Segundo parlamentares, ainda há resistência sobretudo da bancada evangélica.
Em 2018, as apostas esportivas online foram legalizadas pelo Congresso, mas, como o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) não regulamentou o tema, o setor cresceu no Brasil em uma zona cinzenta: sem regras de fiscalização ou arrecadação.
Em 2023, já sob Lula, a regulamentação chegou ao Congresso, que dessa vez liberou também os cassinos online e jogos virtuais como o do tigrinho que já eram oferecidos pelos sites no período em que o tema ficou sem regulamentação.
Assim como no caso das bets, defensores da liberação de cassinos físicos e do jogo do bicho argumentam que hoje essas atividades já existem no Brasil, mas às margens da lei, o que não permite fiscalização.
O projeto trata de quatro tipos de jogo de azar em meios físicos (bingos, cassinos, jogo do bicho e o turfe) e traz regras sobre como essas atividades devem funcionar, além de penas para irregularidades.
O órgão de controle do setor (Sistema Nacional de Jogos e Apostas) seria integrado ao Ministério da Fazenda, e o governo federal poderia emitir apenas 34 licenças para cassinos físicos no Brasil, divididos de acordo com o tamanho dos estados. A Fazenda já é responsável pelas regras sobre as bets.
O texto também prevê mais duas categorias de cassino: em embarcações (limitados a dez em toda costa brasileira) e em resorts (um para cada polo turístico nacional).
As licenças de jogo do bicho estariam limitada a um cálculo para cada 700 mil habitantes, por estado, e uma autorização para bingo a cada 150 mil habitantes, por município.
A proposta estipula uma tributação de 17% sobre a receita líquida bruta das operadoras de jogos de azar.
"Caso seja aprovado o projeto de lei, com incremento das atribuições da PF, entende-se pertinente que [...] seja destinado ao Funapol um percentual do produto da arrecadação", diz a nota da corporação.
Segundo a CNN Brasil, porém, no início de 2025 a PF enviou uma lista de prioridades ao Ministério da Justiça na qual queria barrar o projeto dos cassinos.
A liberação de cassinos e do jogo do bicho tem amplo apoio de entidades ligadas ao setor de hotéis, eventos, comércio e bets, mas levanta preocupações pelo risco de vício nos apostadores e pela ligação dessas atividades com o crime organizado.
O projeto traz mecanismos de fiscalização e de combate a problemas de saúde.
Em outra nota técnica, o Ministério do Desenvolvimento Social afirma não ver "óbice jurídico" no projeto, mas alerta que ele "pode ser" contrário ao interesse público.
Fazenda e Trabalho se manifestaram favoráveis, com ressalvas.
"Ao estabelecer regras claras e limites para a implantação destes empreendimentos, como a definição da quantidade e os locais de instalação desses empreendimentos, o PL contribuirá para o fortalecimento do setor no país, além de ser um forte segmento para geração de renda e empregos", disse o Ministério do Turismo.