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Propostas para driblar regra fiscal avançam, e técnicos veem mudança em 2027 como inevitável

Já são ao menos cinco propostas em discussão no governo e Congresso de "puxadinhos" para executar despesas fora do Orçamento da União

Por FolhaPress
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Propostas para driblar regra fiscal avançam, e técnicos veem mudança em 2027 como inevitável

Foto: Divulgação

Na véspera do ano eleitoral, uma nova rodada de propostas para driblar as regras fiscais ameaça as contas públicas em 2027 e coloca em alerta as áreas técnicas do governo, TCU (Tribunal de Contas da União) e especialistas em política fiscal -que já reconhecem a necessidade de mudança no arcabouço fiscal, conjunto de normas que limita o crescimento das despesas para estabilizar a dívida pública.

Já são ao menos cinco propostas em discussão no governo e Congresso de "puxadinhos" para executar despesas fora do Orçamento da União ou burlar não só a meta fiscal e o teto de despesas, mas todo o ordenamento legal das finanças públicas no país.

Estão no radar o projeto para derrubar o limite de R$ 20 bilhões anual que existe hoje para o programa Pé-de-Meia, o aval do Tesouro Nacional para empréstimo de R$ 20 bilhões aos Correios e a alteração de artigo da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para que o governo não tenha que perseguir o centro da meta fiscal.

O Congresso ainda discute excluir do arcabouço fiscal parte das despesas com educação e saúde financiadas com dinheiro do Fundo Social do Pré-Sal e gastos bancados com recursos oriundos de empréstimos internacionais, além da retirada de R$ 30 bilhões (R$ 5 bilhões por ano) com despesas militares da meta fiscal e do limite de gastos.

Uma sexta proposta em estudo pelo governo Lula, a criação de uma tarifa zero no transporte público em todo território nacional, elevou o grau de preocupação de especialistas. A gratuidade das passagens pode custar até R$ 90 bilhões por ano, de acordo com cálculos da CNT (Confederação Nacional dos Transportes) e da CNM (Confederação Nacional dos Municípios).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já admitiu publicamente que a tarifa zero nos municípios deve integrar a campanha de reeleição do presidente Lula (PT) e que um estudo técnico sobre a viabilidade da sua implementação está em andamento no governo.

A expectativa dos técnicos é que o governo teria de fazer um novo drible no arcabouço fiscal para emplacar a ideia a partir de 2026, ainda que desidratada com a concessão da gratuidade apenas nos fins de semana.

Técnicos da área econômica -Tesouro Nacional, Planejamento e Banco Central- e do TCU ouvidos pela reportagem afirmam que uma nova mudança na regra fiscal em 2027 já não seria mais uma possibilidade, mas uma realidade sem retorno.

O diagnóstico comum entre eles é que a sequência de exceções à meta fiscal e teto de despesas é muito similar às práticas de governos passados. Embora as propostas tenham autorização legal, as medidas acabam comprometendo a transparência e a confiabilidade no compromisso com a responsabilidade fiscal e redução da trajetória da dívida pública.

Os técnicos relatam que o problema não é uma única medida, mas o "conjunto da obra". Ou seja, a contribuição de todos os dribles ao mesmo tempo, que deterioram as condições das contas públicas até o próximo governo.

Eles enxergam duas frentes no cenário atual: de um lado, o enfraquecimento do arcabouço fiscal; do outro, o TCU tentando apertar as regras ao iniciar um movimento para rejeitar as contas do governo.

Na previsão de especialistas do setor privado, a tendência é o quadro ir piorando com a aproximação das eleições do ano que vem. A razão é que os parlamentares acabam negociando as mudanças em troca do aumento da verba para as emendas parlamentares. A pergunta em aberto é o que esperar depois do resultado eleitoral, na transição e no início do governo eleito, após tantos "puxadinhos" nas regras fiscais.

Para o ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, o que é mais preocupante é a descredibilização das regras fiscais e a perda de todas as funções que elas têm de gerar estabilização da dívida e autocontenção do limite de despesa do arcabouço fiscal.

"Os puxadinhos vão avançando aos pouquinhos e destruindo a credibilidade de qualquer regra", diz Bittencourt, chefe de macroeconomia da instituição financeira ASA, ao comentar o projeto para tirar das regras fiscais R$ 30 bilhões em seis anos com despesas para projetos estratégicos em defesa nacional.

O economista ainda chama atenção que o projeto autoriza, já em 2025, que até 60% do limite de R$ 5 bilhões possa ser abatido da meta fiscal e do limite de despesa. "São despesas que já foram feitas, o que ajuda a cumprir a meta neste ano", diz. "Se aprovado até dezembro, o projeto, na prática, abre espaço de R$ 3 bilhões no Orçamento deste ano".

Bittencourt ressalta que o aumento dos gastos da defesa poderia ter sido acomodado na margem de tolerância de 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto) permitido pelo arcabouço fiscal, se o governo não tivesse optado em mirar o piso da meta fiscal (o que abriu espaço para mais gastos). A preocupação maior, diz ele, é com a gratuidade das passagens e um eventual reajuste do Bolsa Família no ano eleitoral.

"O mercado está apostando num ajuste fiscal a partir de 2027. Se o governo começa a gerar esses níveis grandes de despesa obrigatórias, como um reajuste do do Bolsa Família na casa de R$ 20 bilhões, ou numa gratuidade da passagem, que pode ultrapassar R$ 50 bilhões, vai complicar substancialmente o eventual ajuste que terá que ser feito em 2027", alerta.

Para o ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo Felipe Salto, o ministro Fernando Haddad terá que jogar muito mais na posição de goleiro do que de atacante até a eleição.

"Um dia são os Correios, outro dia é tirar os gastos de defesa da meta, cada dia tem uma coisa?", questiona Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena. "O ponto central é que toda vez que a regra que a gente escolhe começa a ficar mais difícil de ser cumprida, aí a criatividade começa a aparecer de novo".

Salto vê como altamente preocupante a decisão do governo de dar uma garantia para o empréstimo aos Correios. "O correto seria fazer uma capitalização porque os números da empresa estão mostrando que o prejuízo vai ser muito maior esse ano, o caixa da empresa praticamente esgotou", afirma.

Ele também vê risco de o governo acabar propondo o reajuste do Bolsa Família e projeta R$ 96,6 bilhões de déficit em 2026. "Mesmo descontados R$ 57,8 bilhões de exceções à meta, ainda ainda faltariam R$ 38,7 bilhões para cumprir a meta de superávit de 0,25% do PIB", diz Salto.

Procurada a Fazenda, não comentou sobre as propostas de novos "puxadinhos". A pasta respondeu ao comentando dados sobre a retirada de despesas com precatórios (dívidas judiciais de órgãos públicos) e para o enfrentamento das enchentes do Rio Grande do Sul, que não fizeram parte do questionamento da reportagem.

"Mesmo levando em conta que os gastos que incluem o pagamento de dívidas de governos anteriores, o governo atual terá, no final do mandato, um resultado fiscal melhor do que seus antecessores em todos os indicadores", diz a pasta de Haddad. O Planejamento não respondeu à Folha.

Veja os novos "puxadinhos"

1) Gastos com Defesa
Projeto prevê R$ 30 bilhões para as Forças Armadas investirem ao longo de seis anos em compras de equipamentos e desenvolvimento de tecnologias estratégicas. Os recursos ficariam de fora do arcabouço fiscal, ou seja, os gastos não entram no cálculo das metas fiscais e ao limite de despesas. Foi aprovado no Senado e agora tramita na Câmara.

2) Pé-de-meia
O governo quer derrubar o limite de R$ 20 bilhões que existe hoje para o Pé-de-Meia para evitar risco de precisar anunciar o corte nas verbas destinadas ao programa em plena campanha eleitoral de 2026. A proposta está em discussão na Câmara dos Deputados.

3) Autorização para mirar o piso da meta fiscal
O governo Lula negocia com lideranças da Câmara e do Senado mudar um artigo da LDO para dar garantias legais de que poderá perseguir o piso da meta fiscal. É uma tentativa de fugir de uma eventual decisão do TCU exigindo que o governo tenha como alvo o centro da meta, o que exigiria mais congelamento de despesas do Orçamento. O assunto está em julgamento na corte de contas.

4) Pré-Sal
Projeto de lei já aprovado pela Câmara e que agora tramita no Senado exclui do arcabouço parte das despesas com educação e saúde financiadas com dinheiro do Fundo Social do Pré-Sal e gastos bancados com recursos oriundos de empréstimos internacionais.

5) Aval para empréstimo aos Correios
O governo articula empréstimo de bancos com aval do Tesouro Nacional para repassar R$ 20 bilhões aos Correios. É uma alternativa à capitalização da empresa pela União, medida que implicaria numa despesa orçamentária do mesmo valor.

6) Gratuidade do transporte público
Ministério da Fazenda estuda proposta para criar uma tarifa zero no transporte público em todo território nacional, para refoçar a campanha de Lula à reeleição em 2026. Iniciativa pode custar até R$ 90 bilhões por ano, de acordo com cálculos da CNT (Confederação Nacional dos Transportes) e da CNM (Confederação Nacional dos Municípios).

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