Renda baixa e racismo dificulta a conclusão do ensino básico, aponta pesquisa
Pesquisa foi divulgada nesta semana pela Fundação Roberto Marinho e pelo Itaú Educação e Trabalho

Foto: José Cruz/Agência Brasil
O racismo estrutural e a necessidade de garantir renda são apontados como obstáculos que dificultam a conclusão da educação básica por jovens e adultos no país.
A análise é do gerente de Monitoramento, Avaliação, Articulação e Advocacy do Itaú Educação e Trabalho, Diogo Jamra, baseada na pesquisa Educação de Jovens e Adultos: Acesso, Conclusão e Impactos sobre Empregabilidade e Renda, divulgada nesta semana pela Fundação Roberto Marinho em parceria com o Itaú Educação e Trabalho.
"O país tem hoje um perfil de pessoas negras e de baixa renda que compõem os 66 milhões, com mais de 15 anos e fora da escola, que não concluíram a educação básica. Precisamos lidar com isso. O programa Educação de Jovens e Adultos [EJA] precisa entender que o público que vai atingir tem majoritariamente esse perfil", afirmou Jamra, em entrevista à Agência Brasil.
Especialista em políticas de educação e trabalho, o gerente destaca que um dos principais motivos pelos quais os jovens não completam a educação básica na idade adequada está ligado à necessidade de gerar renda e ingressar no mercado de trabalho. Segundo ele, é fundamental articular políticas que assegurem o acesso à educação básica para aqueles que enfrentam maiores barreiras. "Uma iniciativa do governo federal como o programa Pé-de-Meia tende a dialogar com isso", declarou.
Ele reforça como fatores históricos estruturantes da sociedade brasileira, marcada por um passado escravocrata, influenciam no acesso das pessoas à educação básica.
"A população negra é excluída das políticas públicas por uma questão histórica racista, de um racismo estrutural. [Essas pessoas] vão sendo empurradas para fora dessas políticas que não dialogam com elas", destaca.
A partir da análise de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), a pesquisa também indicou que concluir a EJA eleva a formalização no trabalho e contribui para a melhora da renda entre jovens de 19 a 29 anos.
Evasão de jovens e adultos
O estudo analisou a evasão no ensino regular, a retomada dos estudos e a permanência na EJA. Para isso, foram considerados três perfis: jovens de 15 a 20 anos matriculados no ensino regular; jovens de 21 a 29 anos que estavam fora da escola sem ter concluído a educação básica; e pessoas com 21 anos ou mais matriculadas na EJA.
A análise dos perfis mostrou que, entre os jovens de 15 a 20 anos, a evasão do ensino regular é mais frequente do que a transição para a EJA. O risco de abandono aumenta com a idade e o atraso escolar (18 a 20 anos), além de ser maior entre homens, pessoas negras, moradores de áreas rurais, indivíduos de baixa renda e aqueles que já estão trabalhando.
No grupo de 21 a 29 anos que não concluiu a educação básica e estava fora da escola, a probabilidade de matrícula na EJA é maior para mulheres e desempregados. Por outro lado, ser responsável pelo domicílio, morar em áreas rurais e estar empregado diminui essa chance.
Entre os matriculados na EJA com 21 anos ou mais, a pesquisa indica que, embora as mulheres tenham menor probabilidade de evadir, as com filhos apresentam maior risco de abandono. Outros fatores que aumentam a evasão incluem idade mais avançada, jornada de trabalho superior a 20 horas semanais, responsabilidade pelo domicílio e residência em áreas rurais.
Segundo Diogo Jamra, os dados evidenciam a necessidade urgente de fortalecer políticas públicas que alinhem a EJA às necessidades de quem enfrenta maior risco de evasão, especialmente aqueles que precisam garantir uma renda.
"A necessidade de trabalhar é, ao mesmo tempo, um fator que contribui para a evasão escolar e uma motivação para o retorno às salas de aula desse grupo", afirma.
Investimento na EJA
Segundo o especialista, o poder público, em suas esferas federal, estadual e municipal, precisa priorizar o ensino de jovens e adultos para garantir o direito constitucional à educação. "A gente percebe que essa política nunca teve uma centralidade no desenho das políticas educacionais. A gente precisa agora trazê-la para o centro do debate. E, ao fazer isso, precisará de um maior investimento."
Ele também defende a implementação de inovações pedagógicas capazes de criar modalidades educacionais que atendam de forma efetiva essa população atualmente excluída das políticas de educação.
"A gente precisa que a academia desenvolva novas propostas pedagógicas, metodologias que estejam adequadas ao perfil desse público, com metodologias inovadoras, com pedagogia de alternância, porque tem [também] uma população concentrada no meio rural", declarou.
Segundo ele, a pesquisa evidencia o papel estratégico da EJA como caminho de formação para aqueles que buscam retornar ao sistema educacional. “Integrada à Educação Profissional e Tecnológica, [a EJA] pode contribuir ainda mais para que os jovens brasileiros concluam os estudos, tenham a possibilidade de agregar conhecimentos que os prepare para a inserção produtiva digna e, assim, tenham mais perspectivas de melhoria de condições de trabalho e, consequentemente, de vida”, afirmou.
Os dados indicam que, entre jovens de 19 a 29 anos, concluir a EJA aumenta em 7 pontos percentuais as chances de obter um emprego formal e eleva, em média, 4,5% a renda mensal. O impacto é ainda mais significativo para aqueles de 19 a 24 anos: nesse grupo, a probabilidade de formalização sobe para 9,6 pontos percentuais, enquanto a renda mensal cresce 7,5%.
"É essencial a consolidação de políticas públicas e ações intersetoriais que garantam o acesso à EJA com EPT [Educação Profissional e Tecnológica] em todo o país, só assim conseguiremos oferecer a milhares de jovens trajetórias de vida com mais dignidade, renda e proteção social", concluiu.