STJ decide que provedores de internet devem identificar quem postou vídeos com ofensas a Marielle Franco
Relator afirmou ser possível exigir que as empresas forneçam os dados, ainda que elas não tenham sido parte do processo requerido

Foto: Reprodução/Facebook
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, de forma unânime, que os provedores de acesso à internet devem fornecer os dados cadastrais das pessoas responsáveis pela publicação de vídeos no YouTube com ofensas à memória da vereadora Marielle Franco (PSOL), do Rio de Janeiro, assassinada em 2018 com seu motorista, Anderson Gomes. A decisão divulgada na terça-feira (23).
O relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, disse que é possível exigir que as empresas forneçam esses dados, ainda que elas não tenham sido parte do processo em que houve o requerimento.
Na origem do caso, a irmã e a companheira de Marielle Franco ajuizaram ação contra o Google (administrador do YouTube) pedindo a remoção de vídeos ofensivos à vereadora, o que foi concedido em primeiro grau e confirmado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
A Corte estadual rejeitou o pedido das autoras que solicitavam, mediante a quebra do sigilo de dados, o envio de ofícios aos provedores de acesso com a determinação de que fornecessem a identificação dos responsáveis pelos vídeos. O TJRJ considerou que a ação original não trazia esse pedido e, além disso, seria impossível impor essa obrigação aos provedores, os quais não eram parte do processo.
No entanto, no recurso ao STJ, as autoras da ação alegaram que a identificação dos usuários pelas empresas de internet é mera consequência do processo, decorrente do dever legal de guardar os registros de conexão, previsto na Lei do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o pedido de identificação dos usuários está em consonância com a causa de pedir da petição inicial. A legislação permite ao magistrado uma interpretação sobre o que a partes pretende obter com a ação, acrescentou Salomão.
Para o relator, os pedidos feitos pelas autoras deixam claro o que as autoras esperam: a preservação da honra da falecida, mediante a retirada de conteúdos ofensivos da internet e a obtenção dos dados dos responsáveis para eventuais ações de reparação, o que tem amparo no artigo 22 do Marco Civil da Internet.
"Estando presentes indícios de ilicitude na conduta dos usuários que inseriram os vídeos na rede mundial de computadores e, ainda, por ser o pedido específico, voltado tão apenas para a obtenção dos dados dos referidos usuários – a partir dos IPs já apresentados –, penso que a privacidade do usuário, no caso concreto, não prevalece", afirmou.
Autor de ato ilícito deve ser identificado
O magistrado acrescentou que o caso analisado não envolve a condenação de terceiro. Mas, "no caso específico em debate, a jurisprudência da casa é firme em apregoar que a responsabilidade dos provedores de internet, quanto a conteúdo ilícito veiculado em seus sites, envolve também a indicação dos autores da informação", observou.
De acordo com o ministro, o entendimento mais recente do STJ quanto ao dever de identificar o internauta ofensor reconhece a obrigação do provedor de acesso de, uma vez provocado pelo Poder Judiciário, fornecer, com base no IP, os dados cadastrais do autor do ato ilícito, ainda que em data anterior à Lei do Marco Civil da Internet.
Ao dar provimento ao recurso especial, o ministro lembrou ainda que a decisão do colegiado não entra em conflito com as determinações da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.790/2018), pois a LGPD não exclui a possibilidade da quebra de sigilo, mas, sim, apresenta regras sobre tal ocorrência.