Uso de substâncias psicoativas cresce durante a pandemia
Em entrevista, especialista alerta para consequências

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A crise econômica e sanitária causada pela pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, virou o mundo de ponta cabeça. Não bastasse, os efeitos causados na vida das pessoas também são alarmantes, principalmente devido às incertezas e inseguranças do momento. Com a saúde mental afetada, brasileiros buscam meios para aliviar os sentimentos ocasionados ou intensificados durante a pandemia. Um deles, por exemplo, é encontrado no uso de substâncias psicoativas.
Diante deste novo contexto, um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) aponta que, no ano passado, 38,4% das pessoas relataram aumento no consumo de drogas, legalizadas ou não, no período de isolamento social. A psicóloga e psicanalista Maria Eugenia Nuñez, que atua na área de dependência e adições, explicou ao Farol da Bahia que o uso de substâncias psicoativas pode se apresentar para alguns como uma solução, mas pode acabar sendo um problema.
Segundo ela, são consideradas substâncias psicoativas aquelas que, incorporadas no organismo, alteram o funcionamento do sistema nervoso central. Elas podem ser naturais ou artificiais e são divididas grupos:
-Depressoras: substâncias que produzem distintos graus de relaxamento, sedação, sonolência e anestesia (como álcool, benzodiazepínicos e inalantes);
-Estimulantes: substâncias que produzem euforia com sensação de bem estar e melhora do humor, aumento de energia e do estado de alerta (como cigarro, café, cocaína, crack e anfetaminas);
-Alucinógenas ou Perturbadoras: substâncias que agem produzindo alterações qualitativas no sistema nervoso central, deformando a informação transmitida pelos neurônios nas sinapses realizadas (como maconha, LSD e êxtase).
“É importante destacar que esta classificação representa parâmetros psicofarmacológicos a partir dos principais efeitos a ela referidos, mas não necessariamente responderão da mesma maneira para todos os sujeitos. Por isso sempre é importante analisar estes usos sob três aspetos: sujeito, contexto de uso e sustância. O que os usuários ‘esperam’ com esse uso, como e com quem se dá esse uso, qual o momento pessoal e físico de quem a usa”, explicou Maria Eugenia.
Pessoas que já têm uma relação problemática com o consumo, a falta ou mudanças ao acesso do tratamento em tempos de isolamento social pode ser um agravante. “Existe uma migração do consumo no bar e restaurante para o consumo em casa. Este uso é um uso relativamente solitário, o que pode desativar alguns mecanismos de controle que estão presentes quando se usam em grupo e em lugares públicos. A mudança do contexto de consumo pode afetar a experiência e a relação com as substâncias neste período de isolamento. Torna o consumo mais individual do que social, e isso pode ter consequências”, alerta a especialista.
Ainda em entrevista, a psicanalista lembrou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que os países limitassem a venda de bebidas alcoólicas durante a pandemia. “O órgão aponta que o uso contínuo e excessivo de bebidas alcoólicas por pessoas em isolamento pode acarretar na piora geral nas condições de saúde, aumento nos comportamentos de risco e problemas de saúde mental”, pontuou.
“Outro problema a ser levantado é pensar no possível aumento da ideia de 'automedicação' com substâncias psicoativas para aliviar sintomas de angústia e ansiedade. Uma preocupação neste momento de pandemia e as consequências para a saúde mental, são os casos de comorbidade entre algum transtorno psiquiátrico e transtorno por dependência das substâncias, o que poderia agravar ainda mais os quadros de doenças. Durante o isolamento, essa associação é potencializada e pode desencadear ou exacerbar episódios depressivos e ansiosos, aumentando os riscos de tentativa de suicídio e suicídio por overdoses”, completou.
Consumo de álcool
Dados da Global Drug Survey, instituição que anualmente faz estudos sobre o consumo de drogas no mundo, mostram que, na pandemia, 41% dos brasileiros disseram ter aumentado o número de dias em que consomem álcool. Entre as razões apontadas pela pesquisa estão o tédio e o tempo disponível em casa.
A especialista chama atenção para o aumento do consumo durante a segunda onda da pandemia: “Após mais de um ano, muitos pacientes, que conseguiram se manter equilibrados ou com controle na primeira onda, começaram a apresentar sintomas de descontrole, apresentando crise de ansiedade, irritabilidade e angústia. É perceptível o aumento do uso não só de álcool, mas de outras substâncias psicoativas”, disse Maria Eugenia.
Diagnóstico e problemas
Para diagnosticar uma pessoa dependente de substância psicoativa deve-se considerar a quantidade e frequência do uso. Além disso, é importante observar se há sinais que demonstrem desejo ou compulsão incontrolável de usar psicoativos.
O uso de substâncias psicoativas pode trazer prejuízos na rotina do usuário. Há relatos, por exemplo, de pessoas que abandonam as atividades sociais ou ocupacionais para fazer uso da substância. Outras consequências da dependência ou uso de risco são aumento da criminalidade e acidentes automotivos, violência doméstica, apresentar doenças físicas associadas, como endocardite, insuficiência renal e hepática, doenças respiratórias, cirrose e câncer no fígado.