Marcelo Cordeiro

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A impressão que dá é que ela é feita pra apanhar, como reza a famosa canção de Chico Buarque. Todo o espectro político brasileiro se iguala em destratar e  - cada qual a seu modo- apontar infindáveis equívocos da Constituição brasileira de 88.

É laudatória, extensa em demasia, contém centenas de artigos, parágrafos e alíneas desnecessárias, uma verborragia que bem poderia ser mandada para o lixo ou  converter-se em simples lei ordinária, num ordenamento jurídico altamente legisferante.

Que mais se diz da Constituição? Algumas correntes, talvez mais iluminadas, consideram-na ultrapassada, envelhecida e propõem mudanças semelhantes as que estão introduzindo no Código Civil, a serem votadas brevemente, eivando a lei civil das odiosas concepções contidas no politicamente correto. 

O que seria o Brasil sem a Constituição de 88? A esta pergunta, semelhante a que fez o Abade Sieyés, membro do Diretório na Revolução Francesa: ”Qu`est-ce que le  tiers état”. Sem o Terceiro Estado os Estados Gerais não era nada, responde o Abade. Sem a Constituição a Ditadura é plena e escancarada.

O que reformar na Constituição, seja por um poder derivado ou originário? Não se cogita de alterar o TITULO I, Dos Princípios Fundamentais, tão pouco o TÍTULO II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, o artigo 5º, até o parágrafo 2º do inciso LXXVII. Não creio que um novo redator possa redigir um texto que supere a profundidade e clareza com que o Constituinte de 88 lapidou essa joia liberal e representativa do humanismo hodierno.

O CAPITULO V trata da Comunicação Social e começa por disparar a mais contundente e abrangente consagração da liberdade de expressão, fundamento da Democracia e das sociedades modernas e civilizadas. O Artigo 200 é seguido de itens e parágrafos para magnificar princípios e direitos relativos ao direito de expressão.

Os constituintes de 88 inovaram ao incluir Capítulos que tratam do Meio Ambiente, dos Índios e da Família. Neste último em particular, é significativo o conceito de família, vedando a sanha degenerativa que pretende alterar os  valores  cristãs da família tradicional.

A Carta Magna pode ter  defeitos conceituais em muitos dos seus Capítulos e Títulos, por exemplo o que trata da Organização do Estado, das Finanças Públicas, dos Poderes da República, da Seguridade Social, da Ordem Econômica e Financeira, do Poder Judiciário podem e ser revistos, aliás como previu a própria Constituição.

Para não me alongar em demasia, lembro que a Constituição Cidadã, como bem a designou Ulysses Guimarães, é a que glorificou instituições como o Habeas Corpus, o Mandado de Segurança, o Habeas Data, o Mandado de Injunção, não deixando fora do seu texto os direitos e conquistas da Democracia Liberal. 

Reformem a Constituição, mas não a desfigurem, mantenham intacto o que não podem sofrer danos e tenham, ao menos piedade, dos que a costuraram com as lições e valores do Ocidente: o direito romano, a cultura grega a visão cristã do mundo e as nossas próprias experiências históricas.

Constituinte que fui e exerci a Primeira Secretaria daquela instituição, ao apreciar os impropérios injustos e inadequados que são lançados ao trabalho constitucional de 88, lembro o que se sucedeu nos Estados Unidos, em 1944. 

Acho graça quando alguns desavisados consideram que a Constituição de 88 expressa tão somente grupos de pressão e de interesses, certamente porque nunca penetraram nos corredores do Congresso e se depararam com representações populares de todo o país, onde a Casa do Povo recebia por dia mais de dez mil pessoas. Provavelmente mudariam de ideia se folheassem as emendas populares aprovadas pelo plenário constitucional.

Curioso foi o que se sucedeu nos Estados Unidos. A Carnegie Corporation concedeu um financiamento de US$250,000 ao socialista e bolsista da Fundação Rockefeller, o sueco Gunnar para realizar estudos sobre problemas raciais no sul dos Estados Unidos.

Myrdal publicou um livro – An American Dilemma: The Negro Problem and Modern Democracy -, como fruto deste estudo. Neste livro ele tenta desmontar a crença norte americana na sua Constituição, assegurando que a Carta “estava dominada pela consciência dos proprietários de terra e foi desenhada como uma defesa contra o espírito democrático que surgiu durante a Revolução”. Voltou-se conta o povo americano, acusando-o que o mesmo pratica “o culto fetichista da Constituição”, o que era, na verdade o respeito à lei e à fé nos princípios e valores democráticos. E por aí ele enveredou em brutal ignorância. Quando os americanos festejavam os 150º da Constituição, Myrnal voltou à carga, dizendo, como muitos brasileiros o fazem, que a Constituição, guardada pelos americanos com tanto zelo e confiança: “que ela é em muitos aspectos impraticável e inadequada para as condições modernas”. 

É isso. Parece que Mirnal voltou para a Suécia com o rabo entre as pernas!


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