José Medrado

Morte de Marília e as contingências

Queria fazer uma abordagem diferente sobre a trágica morte de Marília Mendonça. Isso porque, inclusive, o Henrique Ribeiro, muito mais que o seu produtor, amigo e protetor, foi menino, adolescente que, ao lado da família, foram e são voluntários na Cidade da Luz. Henrique morava agora em Goiânia. Ele começou o seu entusiasmo por música, fazendo arrumação do som, às terças-feiras para as minhas palestras. Tanto assim, que quando o viam ao lado da rainha da sofrência, perguntavam-me se não era o menino do som da Cidade da Luz. Menino que se tornou encantador homem, sorriso aberto e abraço fofo, como, a pedido da família, falei em seu velório. Pois bem, não podemos conceber o destino como algo determinado, especificado, haja vista que se assim fosse no que adiantariam os remédios, os cuidados com a saúde se tudo já estaria determinado. Destino certo. Não. Muitos estudiosos  dos processos humanos usam hoje o termo "sociedade de risco", ajustando-o ao contexto individual e de comunidade. Estabeleceu-se um clima de incertezas e perigos em tudo, desde um simples comentário em redes sociais até o transitar nas ruas, e o pior: estar na própria casa. 

O processo de viver nesses dias atuais está gerando o estabelecimento crescente de um conceito, não bem interpretado, que paira nos questionamentos filosóficos desde Aritóteles. O conceito de contingência. Geralmente, as pessoas confundem facilmente seu entendimento com o acaso ou algo imprevisto. É mais complexo que isso. Aristóteles, na filosofia e na teologia  Tomás de Aquino e, mais recentemente, na sociologia, nas obras de Talcott Parsons e de Niklas Luhmann, a contingência denomina algo que não é necessário, nem impossível (perceberam as posições contrárias, mas reais em suas situações: caso específico de Marília, Henrique e demais passageiros - não era para ser necessariamente daquela forma, já que não há determinações, senão consequências do que decidimos, mas não seria impossível, uma vez que usavam constante e frequentemente aquele meio de deslocamento). 

Associa-se, então, a este conceito a concepção de riscos. Ou seja, se mais me exponho em determinadas situações maiores são os ricos de uma contingência acontecer, ou ainda, para não ficar apenas no âmbito do ruim: quanto mais realizo em um sentido, mais estarei exposto à consequências positivas e ou negativas daquela exposição. Perceberam? Ou seja em tudo no nosso dia a dia estaremos, nas escolhas e ações, nos submetendo às contingências de suas consequências para o bem ou para a possibilidade de algo ruim, muito ruim, trágico mesmo acontecer. Isso não quer dizer que devemos dar azo ao medo e não nos mobilizarmos na direção dos nossos sonhos, desejos, lícitos e éticos, claro que não. Entender, no entanto, que estarmos neste momento por aqui, Terra, Brasil, onde quer que se esteja, caminhando com os riscos e contingências para a possibilidade de permanentes eventos danosos, sejam eles frutos de uma ação individual, sejam resultado não intencionado de uma ação coletiva, sejam ainda simplesmente fenômenos naturais com efeitos negativos para a sociedade. Ou nada disso, e sim conquistas de sonhos e alegrias. Mas, continuaremos sujeitos a qualquer coisa, é o tal viver. 


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