Não vou escrever sobre sandálias, ainda que seja um artigo muito caro à Cidade da Luz, em razão do nosso trabalho com pessoas em situação de rua, mas quero escrever sobre esse tudo que vira motivo para conflito. Qualquer palavra, gesto ou opinião rapidamente se transforma em perturbação. O que poderia ser conversa vira disputa; o que poderia ser escuta vira trincheira. Mesmo neste período que tradicionalmente convida à pausa e à reflexão, seguimos acelerados, reativos, prontos para o embate. Como se o silêncio fosse ameaça e a discordância, ofensa pessoal.
É importante dizer: não se trata de defender a mudez, a neutralidade artificial ou a abdicação do pensamento crítico. Opinar faz parte da vida pública e da responsabilidade ética. O problema não é a existência de opiniões, mas o modo como elas têm sido lançadas — muitas vezes sem cuidado, sem escuta, sem qualquer disposição para reconhecer a humanidade do outro, mas para ganhar...o quê? Nem os pelejam sabem. O certo é que muitos se descompensam,e até geram problemas de distúrbios da própria saúde.
O Natal, quando reduzido a um ritual social ou a uma prática de enconto social, perde sua força reflexiva. A passagem do nascimento de Jesus não aponta para um mundo pacificado à força, mas para um convite à interioridade. Um Ser que nasce vulnerável, fora dos centros de poder, em meio à precariedade, nos chama menos ao confronto imediato e mais ao exame de nós mesmos.
Talvez o sentimento que deveria atravessar este tempo não seja o da concordância geral, mas o da contenção. Não a contenção do pensamento, e sim da agressividade. Não a suspensão da verdade, mas a recusa em transformar toda verdade em arma. O Natal não nos pede que desistamos de convicções, mas que revisitemos a forma como lidamos com elas.Em um mundo em permanente estado de alerta, celebrar o Natal pode ser, paradoxalmente, um gesto de resistência: escolher a reflexão em vez do impulso, a escuta em vez da perturbação, e a humanidade em vez do conflito constante. O procurar ser bom no possível, ou como exercício de crescimento e ajustamento da paz interior. As pessoas estão tumultuadas.



