O AMIGO DO HOMEM

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O AMIGO DO HOMEM

Há um brocado popular no nosso país, no qual se pergunta por que os cães entram na Igreja. A sabedoria do povo responde em uníssono: é porque encontram sempre aberta a porta do templo. O mesmo acontece nas assembleias em que se discute, como na clássica Grécia, os destinos de homens e nações. 
Se aos cães é deferido a honra de penetrar nas casas de Deus, também a cidadãos simples e a altos magistrados é franqueado o direito de comparecer ao lado do presidente de uma turma do tribunal supremo, ainda mais quando quem se abanca em tão seleta cadeira é o presidente do tribunal, maior autoridade judicante do país.
Observe-se, por oportuno e igualmente significativo, que no recinto da divertida reunião, ainda que como simples assistente e sem assento no picadeiro, também estava entre os presentes, o decano do tribunal. Duas figuras, cujas presença haveria de ter uma razão especial, já que em sua longa tradição não se tem notícia que este comportamento é usual ou necessário.
O observador, premido pelo inusitado do acontecimento, farejou algo estranho no ar. Teria os “penetras” ali comparecidos pela doce e inefável amizade que dedicam a  seus amigos e colegas, encarregados de proferir as sentenças condenatórias exemplares aos réus, a fim de que aqueles fatos criminosos narrados e repisados não mais se repetissem? Será?
É verdade, contudo, que tanto o presidente da corte suprema, como o decano da mesma corte ali compareceram para emprestar sua simpatia e solidariedade às decisões que acabaram de ser delineadas. Compartilharam inteiramente com as penalidades ilegais, desproporcionais e aviltantes e juntaram-se ao coro de impropérios e cinismos verbais, costurando a mortalha de uma corte moribunda.  
É por isto que permanece na consciência democrática da nação a desconfiança, segundo a qual nada se pode esperar de quem propicia o desastre das liberdades públicas e contribui para o advento de uma época de profundas dificuldades econômicas e sociais, das quais o país dificilmente conseguirá superar.
Não é a toa que Maquiavel é o pai da ciência política moderna e suas conclusões, longe de propor constata o real. Elas se  ajustam inteiramente ao deslinde  atual, quando diz: “em geral, os  homens julgam mais pelos olhos que pela inteligência, pois todos podem ver, porém poucos compreendem o que veem”.
A livre disputa pelo poder constitui um elemento permanente nas democracias. É o que confere a este regime de liberdades a sua essência e legitimidade. Para a obtenção deste desiderato básico é necessário a igualdade de armas das correntes políticas expressivas da sociedade nacional de um determinado país. A subversão deste princípio basilar em nosso país arrastou a suprema corte a concentrar o poder político e transformar a lei e a Constituição em instrumento de repressão e desigualdade.
Em outras palavras, as decisões do STF estão nos conduzindo a olhos vistos a uma crise de gravidade incalculável. É preciso compreende-la e não somente vê-la.  Ela, por seus contornos e trejeitos, revela que o país mergulha em uma crise de proporções gigantescas, perante a qual a sociedade é chamada a intervir, através de seus meios institucionais, sem iludir-se com aqueles que são frutos da usurpação e da vingança.
Já temos material de sobra para dizer o que não queremos, para interromper a marcha da insensatez. Nenhum projeto de futuro poderá nascer do silêncio obsequioso às autoridades. As pessoas inteligentes se calam em nome de uma obediência cega, obediência representativa de uma ignorância extrema.

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