Adriano Azevedo

O Candomblé e seus ciclos: parte 1 – o início
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Existem situações de pessoas chegarem ao Candomblé pelos seus mais diversos motivos, ou, casos como o meu, de pessoas terem nascido dentro do Terreiro, ou terem ligação por algum grau de parentesco. Como costumam dizer por aí: “esse aí tem dendê!” Em ambos os casos, para poder fazer parte diretamente de alguma casa, precisa-se passar por determinados preceitos e obrigações. Mas antes disso, a pessoa precisa conhecer aquela comunidade, e a comunidade também conhecer a pessoa, principalmente quando esta acabara de chegar ao Candomblé pelos seus mais diversos motivos. O processo de conhecimento é para que, tanto o iniciante como a comunidade em um todo, possam se familiarizar. Além disto, este processo serve para que o inexperiente novel possa conhecer os dogmas da religião, sobretudo, as normas da comunidade, para que assim sigam sem conflitos e incertezas.

Como uma relação conjugal, o iniciante começa a ter compromisso com a casa. A assiduidade se faz importante para que ambos se conheçam. A partir desta frequência o novato já passou pela mãe ou pai de santo para saber seu Orixá, que é seu Guardião pro resto da vida; começa a usar fios de conta do seu Orixá de cabeça, que será consagrado para sua proteção; toma banhos de folha para se purificar e poder transitar pelas dependências do Terreiro; se necessário, dar-se o bori, que é uma pré-iniciação, onde se “alimenta” e fortalece a cabeça; participa de algumas cerimônias apropriadas ao seu grau hierárquico, ajudando no que lhe for delegado; seu traje é a famosa “roupa de ração” (roupa branca de tecido de algodão, leve e fino); os pés são descalços; a cabeça é coberta com o mesmo tecido branco (mulheres usam o ojá – torço, e os homens o filá – gorro). E a partir deste “namoro”, o iniciante passa a ser chamado de Abian, que pode ser traduzido como iniciante. Este termo aplica-se para ambos os sexos. 

Os próximos passos desta convivência, dar-se pelo que chamamos de “caminhos”. Será que este iniciante tem caminhos para determinada trajetória dentro do Terreiro? Isso só o jogo de búzios quem irá dizer! Aqui no Opô Afonjá, por exemplo, existiu um caso de uma pessoa ser Abian por mais de 50 anos. Ele era filho de Santo de Mãe Senhora, e só na gestão de Mãe Stella foi escolhido pelo Orixá para ser Ogan. Vamos então, pegar este caso para uma melhor compreensão.

Manoel de Souza, mas conhecido por Maninho, transformado em Ancestral em setembro de 2022, se iniciou com Mãe Senhora. Ele passou por todo o processo de familiarização; se tornou Abian tendo seus fios de contas “lavados”, que é a consagração feita com folhas ritualísticas do seu respectivo Orixá; assentou o Santo, que é uma iniciação mais fundamentada que o bori; continuou com o Santo assentado, pois ele não tinha “caminhos” para ser Adoxu, ou seja, não havia indícios de manifestação de Orixá em seu corpo. Mas se porventura houvesse, esta iniciação seria completamente diferente de quem somente assenta o Orixá. “Fazer o santo” é algo mais complexo. E assim, Maninho viveu por mais de 50 anos, sendo um Abian de Santo assentado, até que numa festa de Oxossi de um ano que não me lembro qual, Maninho foi suspenso Ogan, que é um título específico para homens que não se manifestam de Orixá. Quando no ano seguinte ele confirmou o cargo dado por Oxossi, deixando então de ser Abian para se tornar Ogan, subindo o grau hierárquico. 

Nós nascemos com o nosso caminho já traçado por Olorum (Deus). Eu por exemplo, ainda na barriga de dona Nivalda, que é Ajoiê de Iansã há mais de 50 anos, em 29 de junho de 1979, Xangô apontou pra sua barriga e disse que eu seria dele. E mesmo sem ela saber se aquele feto era menino ou menina, Xangô afirmava seu desejo. Um ano depois, com três meses de nascido, em 29 de junho de 1980, Xangô me pegou dos braços de minha mãe e me apresentou para o público, confirmando o que havia dito há um ano. Quando aos 11 anos de idade assentei Ogun, o meu Orixá de cabeça. E como eu já era indicado a ser Obá de Xangô, sabia-se que eu não me manifestaria de Orixá. E após o período de obrigação, Xangô me apresentou mais uma vez para o público, outorgando-me ao título de Obá (Ministro do Rei). Neste ano de 2023, em cinco de julho, completarei 32 anos de iniciado. Vale lembrar que essa dinâmica também se aplica com as Ajoiês, cargo feminino, destinado a cuidarem dos Orixás a partir de suas manifestações, e, os Alabês, que são os instrumentistas (tocadores de atabaque), cargo destinado aos homens. Ambos não se manifestam, e obrigatoriamente precisam ter o Santo assentado. Já os Adoxus, o processo iniciático é completamente diferente daqueles que não se manifestam de Orixá, entretanto, para se chegar à fase Adoxu, a pessoa também se é Abian. 

Tudo isso e mais um pouco, vocês encontrarão no clássico livro MEU TEMPO É AGORA, de Mãe Stella de Oxossi.

E isso é o início de tudo!


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