Fux descarta condenar Bolsonaro por organização criminosa e inicia julgamento por outros crimes
Segundo o ministro, a acusação descreve um concurso de pessoas para o cometimento de um suposto crime, ou seja, que elas atuaram, mas sem que pudessem ser enquadradas no tipo penal

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou durante seu voto desta quarta-feira (10) que a PGR (Procuradoria-Geral da República) não demonstrou na denúncia que a trama golpista configura uma organização criminosa armada.
Segundo o ministro, a acusação descreve um concurso de pessoas para o cometimento de um suposto crime, ou seja, que elas atuaram, mas sem que pudessem ser enquadradas no tipo penal. O entendimento representa um cavalo de pau em relação ao que adotou nos votos contra os condenados pelo 8 de Janeiro.
Fux ainda vai analisar o mérito sobre a acusação de tentativa de golpe de Estado.
"A denúncia não narrou em qualquer a trecho um horizonte de espaço temporal definido, isso não está na denúncia. Absolutamente não foi isso que se narrou na inicial acusatória. Não narrou a permanência e estabilidade da organização", disse.
Fux chegou à conclusão por entender que a PGR não provou que algum dos réus tenha empregado arma de fogo durante a trama golpista denunciada nem os réus se reuniam com frequência para o planejamento dos crimes dois pontos necessários para configurar a organização criminosa.
"Trata-se do trecho que o PGR cita notícias sobre a alegada presença de CACs [caçadores, atiradores e colecionadores] nos denominados acampamentos, menção essa sem qualquer comprovação nos autos, sem indicação de que tenha sido feita qualquer apreensão e, mais importante, sem qualquer vinculação com os réus. Estamos julgando os réus", disse.
O ministro também sinalizou que vai seguir a posição de que o crime de golpe de Estado deve absorver o crime de abolição do Estado Democrático de Direito. Para Fux, um dos delitos é um meio para se alcançar outro. O ministro tratou desse ponto em tese, sem entrar no mérito da denúncia contra os réus.
"A duplicidade dos crimes do Estado Democrático de Direito revelou-se equivocado. Mesmo em tese, o delito de abolição violenta constitui-se como meio para outro delito, que é o golpe de Estado", disse.
Dessa forma, Fux julgou improcedente a acusação contra todos os oito réus da trama golpista do crime de organização criminosa. Resta a analise dos demais quatro crimes: golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado do patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
Fux abriu seu voto no julgamento da trama golpista com um discurso de que não cabe ao tribunal realizar juízo político e se alinhou a críticas sobre a conduta do ministro Alexandre de Moraes na relatoria do processo.
Fux destacou ponto a ponto as principais queixas apresentadas pelas defesas no processo sobre a trama golpista e apresentou suas posições divergentes a Moraes de forma enfática.
"Não compete ao Supremo Tribunal Federal realizar um juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado. Ao revés, compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal", afirmou.
Fux disse que a análise do processo "exige objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo, a fim de não se confundir o papel do julgador com o do agente político".
Em sua introdução ao voto, Fux fez citações para defender a ampla defesa, as garantias constitucionais e a distância que a corte constitucional deve ter de questões políticas. Disse também que o tribunal não pode ser movido por clamor popular e defendeu a independência do juiz criminal.
"É exatamente imbuído dessas considerações filosóficas que me guiam nas mais de quatro décadas de judicatura que passo a analisar as provas, começando pelas preliminares, como um juiz de primeira instância", disse.
Logo nos primeiros minutos de sua fala, o ministro indicou uma posição mais rígida com a acusação. Ele disse que o juiz precisa ter certeza para condenar os réus e "humildades para absolver quando houver dúvida".
"Os fatos para serem considerados crimes devem encaixar-se na letra da lei penal como uma luva se encaixa na mão", completou Fux.
A declaração foi dada durante voto do ministro no quarto dia de julgamento de Bolsonaro e outros sete réus pela trama golpista de 2022.
O Supremo está a um voto de ter maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sob a acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado e outros sete réus denunciados pela formação de um núcleo central de uma trama para permanecer no poder após a derrota nas eleições de 2022.
Os ministros Moraes e Flávio Dino votaram na terça-feira (9) para condenar os oito réus em julgamento por todos os crimes pelos quais são acusados: abolição do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, associação criminosa, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Dino apontou que pode aplicar penas mais leves aos ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e ao ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem, por entender que houve menor participação dos três.
Ao longo da tramitação do caso no STF, Fux foi um ponto fora da curva com relação à unidade dos ministros da Primeira Turma em torno da condução de Alexandre de Moraes.
Na terça, ele anunciou que divergiria de Moraes em menos de cinco minutos de sessão, em consonância com o que já tem feito nos últimos meses. No recebimento da denúncia, o ministro também foi o único a ser contra a condução do julgamento pelo STF e também pela Primeira Turma, defendendo que o caso fosse à primeira instância.
Em plenário, Fux também já afirmou ser contra a ideia de punir a tentativa de golpe como um crime consumado. Para ele, é preciso diferenciar os atos preparatórios da execução do crime. "Tenho absoluta certeza que, se fosse em tempos pretéritos, jamais se caracterizaria a tentativa como crime consumado. Não tenho a menor dúvida disso", disse o ministro em março.
Se Fux votar pela condenação dos réus por algum dos crimes, estará formada maioria entre os cinco ministros da turma. Cármen Lúcia será a próxima ministra a se manifestar. Depois dela, restará o ministro Cristiano Zanin.