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Lei de Responsabilidade Fiscal completa 25 anos desafiada por lógica eleitoral nos gastos públicos

Um estudo recente sugere que algumas regras da LRF perderam força e já não conseguem induzir o melhor planejamento de políticas públicas

Por FolhaPress
Ás

Lei de Responsabilidade Fiscal completa 25 anos desafiada por lógica eleitoral nos gastos públicos

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Marco das finanças públicas brasileiras, a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) completa 25 anos sob o desafio de manter sua eficácia diante de uma lógica orçamentária cada vez mais influenciada por fatores políticos e, sobretudo, eleitorais.

Um estudo recente sugere que algumas regras da LRF perderam força e já não conseguem induzir o melhor planejamento de políticas públicas e evitar a concentração de gastos no último ano de mandato.

O aumento de transferências, inclusive via emendas parlamentares, é apontado como um dos principais combustíveis para a mudança, que se traduz na ponta em despesas mais voltadas à máquina pública (inclusive com pessoal) em detrimento de áreas como saúde e saneamento.

O diagnóstico consta na tese de doutorado da pesquisadora Débora Costa Ferreira, apresentada em 2024 na UnB (Universidade de Brasília). O tema da análise foi o efeito da reeleição sobre o comportamento fiscal dos governantes.

A especialista coletou dados de todos os municípios brasileiros entre 2005 e 2020 e focou naqueles em que os prefeitos eleitos ganharam por uma margem apertada. Esse critério busca garantir que as informações sejam comparáveis, uma vez que o resultado foi "uma questão de sorte", sem relação com outros fatores (como experiência prévia do gestor) que poderiam influenciar o comportamento fiscal.

Sob esse recorte, o estudo compreende 65% a 77% dos municípios, a depender do ano, uma amostra considerada robusta para embasar as conclusões apresentadas.

Os resultados indicam que, entre 2005 e 2012, os prefeitos de primeiro mandato gastaram R$ 368 per capita a mais nos três primeiros anos de sua administração do que gestores em segundo mandato. No último exercício, não houve diferença estatisticamente relevante.

Os valores foram calculados a preços de 2021.

Para a pesquisadora, o resultado é uma evidência significativa de que as regras da LRF e da Lei Eleitoral que restringem determinados gastos em fim de mandato (como contratação de novas obras e aumentos salariais) foram eficazes nesse período.

"[O prefeito] Vai distribuindo melhor as despesas em vez de gastar tudo do ano eleitoral", observa Ferreira, que chama isso de "atuação estratégica".

A situação se inverteu completamente entre 2013 e 2020, período que coincide com a proliferação das emendas parlamentares. Segundo o estudo, o gasto dos prefeitos de primeiro mandato não teve diferença relevante nos três primeiros anos da gestão. Já no ano da eleição, a despesa per capita foi R$ 236 maior do que o praticado por prefeitos em segundo mandato.

"A força das regras da LRF e da lei eleitoral diminuiu para caramba no decorrer do tempo. [O gestor] Não está sendo cobrado, então nem precisa mais usar a estratégia de antecipar despesas. Agora estão gastando tudo no ano eleitoral", alerta a pesquisadora.

Segundo ela, o perfil dos gastos também mudou. Entre 2005 e 2012, os prefeitos de primeiro mandato gastavam mais com saúde e educação nos três primeiros anos da gestão uma diferença de R$ 84 e R$ 92 a mais per capita, respectivamente.

Já no período de 2013 a 2020, as despesas com saúde perderam espaço. Os gastos com educação mantiveram o incremento, mas concentrado apenas no ano eleitoral. Além disso, os prefeitos de primeiro mandato passaram a gastar mais com as funções de administração (R$ 71 per capita) e legislativa (R$ 25 per capita), que incluem folha de pagamento.

"É uma estratégia cada vez mais usada, eu [candidato] vou empregar e usar máquina para bombar minha eleição no próprio ano eleitoral, o que subverte vários princípios da LRF", diz.

O estudo mostra ainda que a mesma concentração ocorreu nas transferências. O prefeito de primeiro mandato sempre tem mais incentivos para buscar mais repasses, mas, entre 2005 e 2012, eles ficavam diluídos entre o primeiro e o terceiro ano de mandato. De 2013 a 2020, a injeção de recursos passou a se concentrar no ano eleitoral.

"Antes o pessoal antecipava o gasto mas, de uma certa forma, estava distribuindo ao longo do tempo. Tem uma continuidade da política pública. Agora, você passa três anos sem pagar as coisas direito e, na hora da eleição, solta o dinheiro, [vem] enxurrada de emenda parlamentar, paga todas as dívidas. Parece que está tudo bem, mas não está", afirma Ferreira.

Segundo ela, a situação favorece a criação de um "espaço fiscal fictício". "As emendas parlamentares te deixam gastar, pagar as dívidas e fazer tudo o que quiser sem a responsabilidade de ter uma distribuição."

A pesquisadora ainda cita um efeito colateral perverso: as transferências evitam a deterioração das contas num primeiro momento, sustentam bons indicadores de Capag (capacidade de pagamento, nota que serve de referência para a obtenção de empréstimos) e mantêm as prefeituras dentro dos limites de endividamento e despesa com pessoal (medidos como proporção da receita corrente líquida).

No entanto, nada garante que isso se manterá ao longo do tempo. Além disso, diz ela, há o risco de esses indicadores serem "inflados de forma fictícia" em decorrência de alinhamentos político-partidários de ocasião.

Ferreira avalia que, diante desse diagnóstico, as regras de final de mandato da LRF precisam ser revisitadas, sobretudo aquelas que preveem prazos fixos (como a que proíbe reajustes nos 180 dias anteriores à eleição). Ela também defende rever a lógica de ancorar determinados limites numa base de receitas correntes, hoje infladas por transferências.

Apesar dos indícios de enfraquecimento da LRF, a norma é considerada importante até hoje em diversos aspectos. A economista Selene Nunes, que atuou na elaboração da lei e é especialista em finanças públicas, destaca que sua aprovação em 2000 representou um novo paradigma na gestão pública.

"Você internalizou a necessidade de monitorar uma série de variáveis que antes não eram monitoradas, por exemplo, os limites de pessoal por poder e órgão. Internalizou a necessidade de adotar e cumprir metas fiscais. Antes, o Orçamento tinha receitas e despesas previstas, e o que desse de resultado estava bom. Não tinha um horizonte de planejamento. Hoje, quando descumpre alguma coisa, a imprensa toda vem em cima, os especialistas falam, a academia se posiciona", afirma.

Segundo ela, a aprovação da LRF foi sucedida de um longo período de aprendizado, no qual foi feito um esforço de padronização de regras contábeis crucial para se ter uma fotografia fidedigna da situação das contas de União, estados e municípios.

Nunes destaca ainda que a LRF ficou de pé mesmo após a transição de governo em 2003 (o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia votado contra a proposta) e manteve o texto original por 16 anos (com um único acréscimo em 2009, para prever a criação dos portais de transparência).

De lá para cá, no entanto, a especialista também vê certo enfraquecimento das regras, o que ela atribui às manobras contábeis adotadas pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), afastada do cargo em 2016 justamente por violações à LRF. "Quando a Dilma começa a chutar o balde, os estados e municípios falam 'se União está fazendo isso, por que vou ser prudente? Deixa eu ir também'."

Para ela, o principal desafio hoje são as transformações ocorridas na relação entre Executivo e Legislativo, o que passa pela expansão das emendas e do próprio gasto federal. "As instituições não estão colaborando muito com a estabilidade fiscal e a sustentabilidade das contas públicas no Brasil", critica.

CRONOLOGIA DA LRF
- Outubro de 1988 - Constituição Federal prevê lei complementar para dispor sobre finanças públicas, dívida pública, fiscalização financeira, entre outros temas correlatos.
- Março de 1995 - Entra em vigor a lei complementar 82, também conhecida como Lei Camata, disciplina limites de gastos com pessoal no setor público. O descumprimento impedia concessão de reajustes ou revisões que implicassem aumento na despesa. Ainda assim, não prevê limites individualizados para os Poderes Legislativo e Judiciário.
- Junho de 1998 - Emenda constitucional n.º 19 prevê que o PLP (projeto de lei complementar) citado na Constituição, com normas gerais de finanças públicas, deve ser apresentado pelo Executivo ao Congresso no prazo máximo de 180 dias.
- Abril de 1999 - Executivo apresenta o PLP 18, que dispõe sobre princípios fundamentais e normas gerais de finanças públicas e estabelece o regime de gestão fiscal responsável. O envio foi precedido de uma consulta pública feita pela internet. Uma das sugestões acolhidas foi a previsão de limites para despesa com pessoal individualizados por Poder.
- Maio de 1999 - Entra em vigor a lei complementar 96, conhecida como Lei Camata 2, que aprimora os limites de gastos com pessoal no setor público e endurece as punições em caso de descumprimento.
- Dezembro de 1999 - Aprovação do parecer ao PLP 18 na comissão especial da Câmara dos Deputados.
- Janeiro de 2000 - Aprovação do texto no plenário da Câmara, por 385 votos a 86, com quatro abstenções.
- Fevereiro de 2000 - Texto é aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
- Abril de 2000 - Aprovação do texto na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado em 4 de abril. Uma semana depois, matéria foi aprovada no plenário da Casa, por 60 votos a 10, com três abstenções.
- Maio de 2000 - Lei complementar 101, a LRF, entra em vigor, deflagrando um amplo processo de padronização e adaptação das administrações públicas federal, estaduais e municipais.
- Maio de 2009 - Lei complementar 131 altera a LRF para prever a obrigatoriedade dos portais de transparência.
- Outubro de 2015 - TCU recomenda ao Congresso Nacional reprovar as contas do governo de 2014, devido a irregularidades que incluíam as "pedaladas fiscais" da gestão Dilma Rousseff (PT), em afronta a dispositivos da LRF.
- Outubro de 2015 - Juristas e membros da oposição ao governo Dilma no Congresso apresentam novo pedido de impeachment, tendo como um de seus fundamentos as violações à LRF.
- Maio de 2016 - Dilma é afastada do cargo por 180 dias após abertura do processo de impeachment ser aprovada na Câmara dos Deputados. Em agosto, a ex-presidente foi afastada perdeu o mandato após decisão do Senado.
- Junho de 2016 - Governo Michel Temer (MDB) apresenta PEC para criar teto de gastos, regra que limita crescimento das despesas à variação da inflação. Proposta é promulgada em dezembro do mesmo ano.
- Dezembro de 2022 - Eleito presidente, Lula e sua equipe articulam aprovação de PEC que amplia limite de gastos de forma permanente e exige aprovação de nova regra fiscal para substituir teto de gastos.
- Agosto de 2023 - Entra em vigor a lei complementar 200, que institui o novo arcabouço fiscal.
- Maio de 2025 - LRF completa 25 anos.
 

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