Lula diz que quer conversar com Trump sobre tensão entre EUA e Venezuela
Presidente brasileiro lembrou o histórico pacífico do continente nas últimas décadas

Foto: Ricardo Stuckert/PR
ANDRÉ FONTENELLE
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou neste domingo (23) que pretende conversar com Donald Trump a fim de buscar uma solução para a crise militar entre Estados Unidos e Venezuela.
"Eu estou muito preocupado e gostaria que não acontecesse nada, nada militarmente na América do Sul", afirmou. Lula deu a declaração em entrevista à imprensa brasileira e estrangeira ao final do encontro de líderes do G20, em Joanesburgo, na África do Sul.
"A mim me preocupa muito o aparato militar que os EUA colocaram no Caribe e eu pretendo conversar com o presidente Trump", disse Lula, lembrando que o Brasil "tem responsabilidades na América do Sul" e uma extensa fronteira com a Venezuela.
O presidente lembrou o histórico pacífico do continente nas últimas décadas. "A América do Sul é considerada uma zona de paz. Nós somos um continente sem armas nucleares. O nosso negócio é trabalhar para se desenvolver e crescer", disse.
Lula citou o conflito entre Rússia e Ucrânia como exemplo de que é muito mais fácil iniciar uma guerra do que terminá-la.
Nos últimos meses, por ordem de Trump, os EUA deslocaram milhares de soldados e uma série de navios de guerra, incluindo o maior porta-aviões do mundo, para a região. Pelo menos 80 pessoas já morreram em barcos atacados pelas forças armadas americanas, sob afirmações não comprovadas de que transportavam drogas com destino aos EUA.
Trump também anunciou ter autorizado a CIA, agência de inteligência americana, a operar dentro da Venezuela, o que foi interpretado como um plano para derrubar o ditador Nicolás Maduro.
Na entrevista coletiva, Lula negou que o G20 tenha sido esvaziado pelas ausências de Trump e do líder chinês, Xi Jinping. "A ausência de um dirigente não significa nada para o G20", afirmou, acrescentando que a China enviou o primeiro-ministro Li Qiang e "uma forte delegação" e que Trump será o anfitrião do próximo encontro, no ano que vem, em um de seus resorts, na Flórida. "Ele vai ter que presidir o próximo G20. E vai estar presente e todos nós iremos lá prestigiar."
Segundo o presidente, o G20 "continua fortalecido". Mas ele expressou o que chamou de inquietação: "Precisamos começar a tomar decisões para que alguma coisa seja colocada em prática até o próximo fórum, porque senão vai dar um vazio e as pessoas vão ficando desestimuladas." O presidente francês, Emmanuel Macron, também alertou que o G20 corre o risco de acabar.
Para Lula, Trump combate o multilateralismo em vão. "Já se afastou da Unesco, da Organização Mundial do Comércio. Está tentando fazer uma pregação prática do fim do multilateralismo. Eu acho que vai vencer o multilateralismo, porque todo mundo aqui sabe que juntos nós seremos muito mais fortes."
No último dia do G20, Lula tomou café da manhã com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa. Índia, Brasil e África do Sul formam o Ibas, um fórum de diálogo criado em 2003 e que acabou ofuscado pelo Brics, bloco mais amplo ao qual os três países pertencem. A diplomacia brasileira tenta revitalizar o Ibas.
Ainda no G20, Lula discursou na sessão "Um Futuro Justo e Equitativo para Todos", cujo tema era o uso de minerais estratégicos e inteligência artificial para o desenvolvimento sustentável.
"Compartilhamos um momento histórico em que os minerais críticos, a inteligência artificial e o trabalho se entrelaçam com intensa singularidade. A forma como nós integrarmos esses três vetores do desenvolvimento definirá não apenas o nosso presente, mas o futuro das próximas gerações", afirmou.
Durante o G20, o presidente brasileiro teve encontros bilaterais com os presidentes da Turquia, Recep Tayip Erdogan, e da Coreia do Sul, Lee Jae Myung. Com Erdogan, falou da COP31, cúpula ambiental que sucederá a de Belém e será na Turquia em 2026, e o presidente sul-coreano convidou-o para uma visita oficial. Lula tem grande afinidade com Lee, uma vez que ambos foram líderes sindicais e sofreram acidentes de trabalho. Lee foi vítima de trabalho infantil e teve o pulso esmagado por uma prensa industrial quando tinha apenas 13 anos de idade.
Lula saiu do encontro diretamente para o aeroporto, rumo a Maputo, capital de Moçambique. Em visita oficial de um dia, receberá nesta segunda (24) o título de doutor honoris causa da Universidade Pedagógica de Moçambique e terá encontros com o presidente Daniel Chapo e empresários.
Moçambique festeja este ano o cinquentenário da independência e havia feito um convite ao presidente brasileiro para a comemoração. Os dois presidentes se encontraram no início do mês na COP30, em Belém, e Chapo reiterou o convite.


